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Lisa Mary
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Dizer que foi uma tarefa fácil permanecer na carne de uma boa moça fingida foi fácil, é uma mentira descarada. Eu sentia como se a qualquer momento eu pudesse tocar o meu rosto e me sujar com a máscara podre que havia vestido sobre a face. No entanto, havia me saído tão bem quanto qualquer atriz de cinema, e isso me deu orgulho. Vicente era realmente um homem atencioso, calmo, educado e, por muitas vezes, irritantemente controlado.
Antes que fôssemos embora, percebi que ele havia caído em meu jogo de indução de sentimentos. Enquanto eu o provocava, fazia parecer que ele estava sentindo tudo isso sozinho, e quase o deixei no limite. Percebia sua respiração pesada, e quando passei os olhos pelos dedos de suas mãos, avistei ele apertando o punho como uma forma de se controlar para não me beijar inesperadamente, e tenho que admitir que aquilo estava me deixando satisfeita.
A maneira como me olhava era quase como se fosse me canonizar. Eu estava cumprindo com minha parte no acordo, agora, precisava sair daquela propriedade e “caçar” Charlotte. Eu me despedi de Vicente, na promessa de nos encontrarmos novamente, e lhe passei meu número de telefone, saindo daquela propriedade depois disso.
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Dentro do carro enquanto dirigia para fora da propriedade François, liguei para Charlotte. Sentada no banco do carro, sentia o cinto de segurança tocando entre meus seios e isso me fez recordar quando fiquei com Vicente naquela sala escura. Por um momento, eu quase desejei que estivéssemos naquela mesma situação para que eu pudesse arrancar suas roupas e vê-lo verdadeiramente nu. A voz de Charlotte ao telefone, arrancou-me de minhas reflexões, e eu fui obrigada a me concentrar.
—O que você quer? —Perguntou. Seu tom de voz parecia levemente entediada.
—Eu quero um milhão de dólares. Não sei se percebeu, mas o seu irmão e eu estamos nos “entendendo” de modo que fui convidada a me encontrar com ele. Então, seja breve. Eu quero o meu milhão. —Sorri ao final da frase, me ajeitando no banco do carro enquanto dirigia tranquilamente por uma estrada vazia.
—Muito bem... —Ela arfou do outro lado da linha. —Em vinte e quatro horas o seu primeiro milhão cairá na conta. Ah, Lisa Mary, antes que eu me esqueça... Por favor, vista algo decente e bonito. Esse seu vestido é um trapo e você parecia um rolo feito de renda. Igual a um papel toalha com o mínimo de beleza.
—Vai à merda, Charlotte.
—Passa um ovo nesse cabelo pra hidratar, está muito seco...
Encerrei a chamada e então tornei a atenção exclusivamente para o trânsito. Mal conseguia me cair a ficha de que eu havia conseguido entrar naquela loucura. Seduzir um bilionário... Isso estava fora do meu alcance...
Agora, eu precisava me aprontar e acelerar para começar a planejar meu próximo passo.
Ah, Vicente... Se você soubesse o quanto eu vou te usar, você correria de mim, feito um carneirinho. Eu vou acabar com você, meu querido...
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Acelerando um pouco mais pela estrada vazia, finalmente havia retornado para a cidade. Eu corria desesperadamente de volta para minha casa de campo. A herança de meus pais havia se resumido unicamente naquela propriedade.
Estacionei o carro na garagem e entrei em casa, na esperança de poder descansar. Fechei a porta, tirando os sapatos ainda na sala quando o meu celular vibrou dentro da bolsinha branca e eu o puxei, jogando a bolsa de mão sobre o sofá grande e, atendi a ligação.
—Quem é? —Suspirei com desgaste e cansaço.
—Oi... —Franzi o cenho ao perceber a voz de choro, e me segurei na parede, equilibrando para tirar o outro salto. —Lisa Mary, não é isso?
—Vou perguntar mais uma vez, antes de desligar. Quem é? —E tirei os sapatos, sentindo os pés no chão frio. Eu revirei os olhos com satisfação, espremendo os dedos ao senti-los tão livre.
—É a ex-noiva do Daniel, a gente pode conversar?
O cansaço sobre meus ombros quase caiu em meus pés como uma bigorna, e eu arregalei os olhos na surpresa de aquela mulher querer falar comigo novamente.
—Já acertamos o preço e eu entreguei o trabalho. Não tem mais nada que eu possa fazer por você. Boa tarde. —Estava pronta para desligar quando ouvi a voz dela novamente.
—Por favor, senhorita Mary. Não pode me ajudar agora? Eu preciso ouvir alguma coisa útil, porque nada parece fazer sentido para mim. —E por alguns segundos, pude ouvir barulho de carros. Alguém estava buzinando insistentemente.
—Onde você tá? —Minha voz quase afinou com o susto.
—Na Benjamin Franklin, Senhorita Mary, por favor, não poderia falar comigo agora?
—O que você tá fazendo aí? —Estremeci com a atitude descuidada daquela mulher.
—Eu não quero viver sem o Daniel, apesar de tudo. —Sua voz ficou trêmula como se escorregasse e eu tive medo de ouvir mais.
—Ele traiu você. Você é cega?
A ligação foi encerrada. Senti esquentar um calor em meu peito, e eu rapidamente busquei os malditos sapatos baratos novamente. Atravessei a sala indo até a pequena bolsa de mão, e busquei minhas chaves. Meus passos tortos por ainda tentar acertar os pés dentro dos sapatos desconfortáveis, tornava tudo pior.
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Saindo de casa, dirigi freneticamente para a ponte Benjamin Franklin. Eu não conseguia conciliar os sentimentos para saber se estava preocupada ou com raiva. Estava em alta velocidade e podia sentir que a qualquer momento capotaria aquele carro, mas precisava fazer alguma coisa por aquela mulher que estava fervendo o meu juízo. Quando finalmente avistei o pilar da ponte, pisei um pouco mais fundo, mas tive que desacelerar ao perceber várias pessoas aglomeradas na beirada. Presumi estarem em torno da mulher traída, e estacionei no acostamento, descendo do carro depois disso. Corri até aquele grupo de pessoas, e ao me aproximar, empurrei-as para alcançar a mulher. Ela estava agarrada à barra de proteção, mas seu corpo estava prestes a cair na água.
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Temia tanto pela vida, que olhava para os próprios pés quase escorregando para a imensidão embaixo, foi quando pus minha mão na dela e a alcancei.
—O que você tá fazendo? Ficou maluca?
Ela me olhou rapidamente e eu pude perceber seus olhos assustados tanto quanto amedrontados.
—Depois que a gente saiu daquele bar ele ainda ia se casar comigo. Ele ia se casar comigo..., mas não me quis mais. —Espremeu os olhos, chorando um pouco mais. Eu sabia que estava amargurada pela dor de perder seu amado e desgraçado “Daniel”, mas não entendia suas amarras naquele amor.
—Ele é um canalha, você percebeu isso? —A revolta de minhas palavras transparecia em minha expressão de ódio para ela, diante da situação.
—Eu o amo tanto...
—Sai dessa merda dessa ponte e entra no meu carro. AGORA.
Eu a ajudei a sair da ponte e as pessoas em volta começaram a aplaudir, deixando-me furiosa.
—Parem com essa merda! Ninguém aqui tá fazendo show, cacete! —Gritei, florescendo a desistência nas pessoas a nossa volta. Olhei para aquela mulher com raiva enquanto caminhava ao lado dela, em direção ao meu carro. —Se você criar outra cena como essa novamente, eu mesma empurro você. Entendeu? —Ela me olhou assustada e assentiu, acelerando os passos até o carro.
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Entramos no carro e eu travei as portas. Abri o porta-luvas do carro e tirei minha pistola de dentro, engatilhando. Virando-me para ela com ira nos olhos, eu apontei a pistola em seu pescoço enquanto via seus olhos amedrontados encarando o cano.
—Quer morrer? —Perguntei friamente, esperando por sua resposta em silêncio.
—Senhorita Mary... Eu...
—Anda, fala. Quer morrer? —Eu pus o dedo no gatilho, mas não o apertei, esperando pela resposta daquela mulher. Estava tremendo tanto que não teve reação, então eu apertei o gatilho, percebendo-a espremer os olhos e gritar.
A mulher percebeu que nada havia acontecido com ela e abriu os olhos rapidamente, olhando para mim, com raiva.
—VOCÊ É LOUCA? —Esbravejou e se espremeu no banco do carro como se tentasse se defender de mim.
—Você me fez sair do conforto da minha casa e vir até essa ponte fedida pra ficar “conversando” com você. Então essa é a minha demonstração pra que entenda: da próxima vez que quiser morrer, faça isso novamente e espere que eu te encontre. Mas eu vou te dar outra dica: cuidado quando me ligar, estando prestes a saltar de uma ponte. Porque se eu alcançar você novamente depois de ser incomodada, será o seu último dia. Estamos entendidas?
O medo nos olhos quase teve voz, e ela pôs a mão na porta pra tentar sair.
—Calma, você não vai morrer hoje. Só não me liga. —Olhei para ela, após destravar a porta. —Nunca mais.
A mulher saiu do meu carro correndo pelo acostamento da ponte e logo conseguiu uma carona. Depois de perceber que ela estava segura, rodopiei na pista e acelerei de volta para casa. Eu podia até não ser a noiva ideal e convencional para os François, mas Vicente não precisava saber disso.
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8 Lisa Mary ⤝⥈⤞ Retornei para casa e, finalmente pude descansar no conforto do meu lar. Estava há horas sem comer nada e fui cozinhar algo leve para não parecer inchada. Senti o cansaço me vencendo quando subi as escadas de volta para o quarto e meus olhos pesaram, indicando que eu precisava dormir, ao menos um pouco. Tomei um banho quente ouvindo “Oh! Darling”, e me deitei para dormir depois desse ritual. Parecia como em um sonho, eu me sentia um pouco menos conturbada diante de uma situação tão estressante quanto ter que assumir uma falsa personalidade. Em um sono profundo, ouvi meu celular vibrando sobre a mesa de cabeceira e estremeci na cama, virando-me para o lado. Encolhi os dedos dos pés sob o cobertor, tentando me refugir do castigo em ter que despertar. Bati com a mão sobre o telefone e o arrastei pela mesinha até mim. Quem deve ser agora... Atendi aquela chamada e a voz no outro lado me fez despertar em um susto. —Oi, eu não sabia que horas ligar pra você, mas..., c
9 Lisa Mary ⤝⥈⤞ Senti minha ansiedade escalando a impaciência quando o carro estacionou. Ouvindo suas palavras. Eu queria outra posição naquele carro e eu não estava me referindo aos bancos. Apesar de todos os meus planos para que aquele encontro estivesse exatamente da maneira como eu havia planejado, eu sentia como se minha vida estivesse desmoronando. Eu não podia ficar tão vulnerável diante dele. Ainda paralisada com as mãos sobre as coxas, Vicente chamou meu nome, agarrando o guardanapo sobre suas coxas e o arremessou no centro da mesa, mantendo a mão no local. —Lisa? —Tamborilou os dedos sobre a mesa a espera de minha resposta. Eu não fazia ideia do motivo pelo qual me recusava a ser no mínimo, espontânea em sua presença, mas aceitei. Pisquei, agitando a cabeça para embaralhar os pensamentos, até que meus olhos alcançaram uma expressão confusa de Vicente. No alto de sua sobrancelha aquela ruga intrigante tomava um espaço curto, e ele ergueu a mão até o topete teimoso, alis
10 Lisa Mary ⤝⥈⤞ Percebi minha ousadia, mas tive que prosseguir. Aquele homem precisava de um empurrão e eu não conseguia mais me controlar dentro da calcinha. Ao som do bipe, as portas do elevador se abriram, obrigando-nos a nos separar. Para fingir que não estava sóbria, cambaleei para fora do elevador, sentindo meu corpo ser puxado quando Vicente agarrou suas mãos em minha cintura e me uniu á ele, garantindo que eu não cairia. —Eu vou deixar você em casa e depois disso vou embora. Não quero que pense que... Eu seria capaz de me aproveitar de você nesse estado. —Olhou-me sério e pareceu ofendido com suas próprias ações. Irritante! O que você quer? Ser canonizado? Pisquei, engolindo duramente. Em silêncio, caminhamos até seu carro e saímos do estacionamento, entrando no comboio de seguranças novamente. Percebia sua aflição, mas ele manteve suas mãos no volante para não deslizar em mim. Percebendo que eu não havia colocado o cinto de segurança, Vicente olhou-me sereno e inclino
11 Lisa Mary ⤝⥈⤞ Aquela noite me levou a crer que eu precisava tê-lo tanto quanto ele me queria e, quando tudo acabou, ele me tirou a venda dos olhos com delicadeza, se saboreando em minha respiração ofegante sobre corpo quente e suado. Eu me deleitei sobre a cama, repousando ao seu lado para descansarmos. A noite acabou como um suspiro exausto e nós dormimos. ⤝⥈⤞ O clarão que a luz do dia ocupava pelos espaços do meu quarto me forçou a abrir os olhos, ao som de “Oh Pretty Woman” e o barulho do chuveiro compunham o início do meu dia. Inalei fundo no despertar, sentindo o aroma de erva doce que emanava pelo quarto. Como eu pude dormir desse jeito... Joguei os pés para fora da cama, equilibrando-me sobre a palma das mãos. Decidi ignorar o mundo rodando em torno de mim, consequente da sonolência que eu ainda sentia como resultado da noite anterior. Ele havia acabado comigo como um cavalo e eu sentia meus quadris reclamarem de uma maneira satisfatória. Estava nua, então n
12 Vicente François ⤝⥈⤞ Eu me despedi de Lisa, mesmo sabendo que a deixaria decepcionada. Eu não quero ser o cara que leva você pra cama e dá o fora na manhã seguinte. Eu realmente gostaria de poder escolher você para ser o meu compromisso principal nessa manhã, e nem meus desejos consigo realizar. Saindo de sua casa, avistei meus seguranças acordados dentro dos carros, para minha surpresa. A culpa pesou sobre os meus ombros, mas eu precisava me manter firme para encará-los e seguir para a indústria. —Bom dia, rapazes. —Ergui a cabeça, vendo a porta de meu carro ser aberta por Sebastian. —Houve um equívoco de última hora e... Bom, eu não pude permitir que trocassem os turnos, já que não dava pra chamar ninguém. Vou até a Indústria, então vamos seguir o mesmo comboio, mas quando me deixarem lá, sigam pra suas casas e retornem apenas durante a noite para o turno de vocês. —Sim, senhor. —Obedientes, confirmaram, entrando em seus carros para organizarem a rota perfeita. ⤝⥈
13 Vicente François ⤝⥈⤞ Após a saída fervorosa de Charlotte, meu pai e eu conversamos, ao lado de minha mãe, sobre os planos dele para meu início ao poder, e nós passamos a manhã discutindo sobre os detalhes. ⤝⥈⤞ 13 Lisa Mary ⤝⥈⤞ A saída repentina de Vicente fez nascer em mim, uma dúvida cruel. Ele gostou? Quando Vicente se despediu de mim, eu o observei se distanciando do jardim e entrando em seu carro após dois segundos de conversa com os seguranças cansados em frente à casa de campo. Pela janela, o sol incomodava os meus olhos, mas ainda assim eu me mantive atenta em cada movimento seu. Recuei em passos curtos de volta para a cama quando percebi os carros saindo simetricamente, e me joguei sobre a cama, expirando forte. —Eu preciso de um emprego. E eu precisava. Como iria conseguir explicar para Vicente que eu não tinha herança, mas vivia misteriosamente em uma casa grande, sem dinheiro nenhum? Eu precisava urgentemente encontrar algo no que me disfarçar. Havia
14 Vicente François ⤝⥈⤞ Doía muito, para mim, saber que Charlotte estava insatisfeita ou magoada com a sua vida. Eu queria ajudá-la, mas dessa vez não podia. Não estava sob meu controle. Limitado a aceitar as decisões de meu pai, tive que vê-la sair por aquelas portas com todo o seu ódio ao mencionar seus planos com seu marido, e aceitar com gratidão as propostas de nossos pais para mim. ⤝⥈⤞ —Agora que conseguimos acertar todos os detalhes sobre como será a sua chegada à essa Indústria, meu filho, quero que saiba que... Seu pai estará aqui sempre para o que precisar. —Ele pôs as mãos sobre meus ombros, encarando os meus olhos. —Espero que se sinta à vontade para expor suas ideias, afinal de contas, a partir do momento em que eu morrer tudo isso será seu. —Pai, mãe; eu me sinto lisonjeado. Embora eu sempre soube que tudo isso seria meu, não significa que me sinta confortável com essa tomada de decisão. Ainda mais quando isso exclui minha irmã da participação na administração
15 Charlotte François ⤝⥈⤞ Depois que Estevan e eu nos enroscamos sobre a papelada que ele deveria analisar, desci da mesa com sua ajuda e arrumei a postura, endireitando os ombros. Ainda ofegante, passei as mãos sobre a roupa perfeitamente costurada para mim, e limpei a garganta para começar a conversar sobre os planos em minha mente. —E então, você já sabe como se livrar do seu irmão? —Ele sorriu nasal, espremendo os lábios. —Nunca gostei muito de Vicente. —Eu amo o meu irmão. Mas, eu amo mais a mim. —Ergui a cabeça, fechando os olhos momentaneamente. —A chegada dela à indústria será memorável. —Abri os olhos para não o ver sendo projetado no interior de minhas pálpebras. —Como assim? —Digamos que ele terá seu primeiro problema. —Passei as mãos pelo rosto, respirando fundo. Era insuportável pensar que teria que chegar ao extremo, mas eu tinha. —Vicente vai se deparar com um maquinário superaquecendo bem debaixo dos pés dele. Se ele conseguir um bom engenheiro, tudo bem.