Vitória olhou pela janela do quarto, fixando o olhar nas colinas do pequeno município onde vivia. O sol se punha devagar, tingindo o céu com uma laranja forte que ela raramente tinha tempo de apreciar. As sombras da noite chegaram, e junto delas, as lembranças dos dias de sua infância e juventude, pesadas e vívidas como se nunca tivessem partido.
Crescer no supermercado da família não foi exatamente um sonho, mas um destino decidido. Filha única de Everaldo e Marisa, Vitória sempre sabia que seus pais queriam mais que uma menina. Eles queriam um sucessor, um herdeiro para a “Família Damasceno” e o pequeno império do supermercado que sustentava a casa e a imagem deles na cidade. Mas ela era o que eles tinham, e cabia a ela preencher o vazio da expectativa frustrada. Desde cedo, sua rotina era meticulosamente traçada: escola, casa, igreja. Aos domingos, Vitória usava seu vestido mais bonito e acompanhava a mãe à missa, ouvindo, no caminho, como ela deveria ser recatada, comportada, "digna de um bom casamento". Suas palavras eram tão claras que lembravam uma profecia. O sonho da mãe era vê-la casada com algum homem de posse, alguém que pudesse elevar o status da família, e talvez até tirar Vitória da obrigação de seguir o legado do supermercado. Mas Vitória, como qualquer adolescente, tinha outros desejos. Seus olhos não se iluminavam ao pensar em um casamento de conveniência. Ela queria algo mais. Queria um amor de verdade, uma vida que pudesse chamar de sua. As primeiras faíscas de paixão surgiram na adolescência, com um garoto da escola. Não passando de uma paixonite adolescente, uma troca de olhares no corredor e algumas palavras gentis na saída das aulas. Inspirada, Vitória escreveu uma poesia em uma carta para ele. Guardou a carta com cuidado em seu caderno, entre as páginas de uma velha agenda. Infelizmente, um dia, a mãe de Vitória encontrou a carta e, ao lê-la, sentiu-se envergonhada e como se ela tivesse cometido um crime. Vitória ainda lembrava de seus olhos severos ao colocar a carta na mesa e ordenar que ela fosse para o quarto, sem direito ao jantar. Marisa: Não se atreva a sair até seu pai chegar!, falou Marisa. Vitória mal podia se concentrar no estômago roncando. A tensão a dominava, o medo de encarar o pai, de saber o que viria depois. Os minutos pareciam horas até que a porta da frente se abrisse. Passos firmes ecoaram pela casa, cada um mais ameaçador que o anterior. Logo, o pai entrou em seu quarto, com um cinto nas mãos. Everaldo: Que vergonha você trouxe para essa casa, Vitória, disse ele, sem dar espaço para explicação. O primeiro golpe foi rápido e seco, e ela percebeu, no mesmo instante, que seria diferente de qualquer outra angústia. Everaldo não parou até que Vitória já não tinha mais forças nem para gritar, seu corpo exausto, sua visão turva. Quando recuperou a consciência, estava sozinha, uma dor surda em seus ossos e uma tristeza pesada em seu peito. O único alívio foi saber que ninguém veria suas lágrimas naquela noite. Nos dias que se seguiram, ela faltou à escola. Quando retornou, a cidade inteira parecia saber do ocorrido. Risadas abafadas e vozes acompanhavam seus passos pelos corredores. Os colegas de escola olharam para ela com curiosidade ou desprezo. Sentindo-se exposta e humilhada, Vitória se isolou ainda mais, como uma ostra fechada que só conhece a própria escuridão. Mas, no fundo do peito, um pensamento: um dia, ela partiria. Deixaria para trás aquela cidade, aquele supermercado, aquela casa. E encontraria um lugar onde pudesse ser livre, onde o amor não precisasse de permissão, onde suas vontades fossem respeitadas. Por enquanto, tudo o que podia fazer era esperar. Mas, enquanto isso, o Vitória alimentou seus sonhos em segredo, pronta para o dia em que, enfim, poderia vencer. Vitória vive uma vida de trabalho incessante no interior do Paraná, em uma cidade pequena que cresceu aos poucos, mas ainda mantém suas raízes conservadoras. Desde a infância, passava as horas entre a escola e o supermercado do pai. O pouco dinheiro que recebeu por seu trabalho, ela guardou em segredo, alimentando um sonho que seus pais jamais aprovariam. Na adolescência, Vitória assistiu a uma palestra sobre carreiras e descobriu o mundo da administração. A ideia de organizar, planejar e liderar a fascinava, e ela começou a pesquisar a profissão, sonhando com o dia em que poderia se tornar uma administradora. Mas, sempre que compartilhava suas aspirações com os pais, recebia a mesma resposta: "Bobagem, menina. A mulher não precisa de faculdade. O que você precisa é de um bom marido." Esse pensamento não combinava com o que Vitória desejava para sua vida. Ela queria ser mais que uma esposa e, em segredo, alimentava a esperança de cursar uma faculdade, construir uma carreira, e, mais que tudo, sentir o orgulho dos filhos que um dia teria. O momento mais marcante foi quando, após anos de economia e estudo, finalmente conseguiu se inscrever no vestibular. O nervosismo era intenso, mas, quando viu seu nome na lista de aprovados, a emoção a dominou de uma maneira indescritível. Ela foi abençoada, mesmo com todas as limitações e as críticas dos pais. Vitória sentiu que finalmente um pedaço de seu sonho estava ao alcance. Mas o retorno para casa, ansiosa por compartilhar a novidade, trouxe uma reviravolta que ela jamais esqueceria. Ao anunciar que havia passado no vestibular e que seu sonho de estudar era, agora, mais real do que nunca, a expressão do pai escureceu. A notícia de que, para ela, era uma conquista, soava para ele como uma frente. Everaldo: Faculdade?, ele repete, voz áspera e ameaçadora. Você não vai fazer faculdade. Vai arrumar um marido decente e se comportar como uma mulher deve. Antes que pudesse se defender, ele levantou o cinto e Vitória sofreu os golpes que se multiplicaram com uma violência que supera qualquer outro castigo. A dor física era insuportável, mas a dor emocional de ver seu sonho ameaçado doía ainda mais fundo. Ela mal conseguiu se mexer quando tudo terminou, as lágrimas misturando-se ao suor e ao sangue. O som das vozes dos vizinhos e a luz da sirene da polícia ao longe trouxeram uma fagulha de esperança. Talvez, pela primeira vez, alguém estivesse ali para ajudá-la. Mas quando os policiais encontraram seu pai, com uma frieza ensaiada, os receberam com uma mentira pronta: Everaldo: Minha filha estava envolvida com coisas erradas. Só fiz o que qualquer pai faria. Os policiais, ao invés de ajudá-la, apenas instruíram seu pai a tomar cuidado para que os vizinhos não presenciassem mais "incidentes" como aquele. As palavras dos oficiais ecoavam na cabeça de Vitória: Policial: Ela merecia mais. Mas, mesmo assim, Vitória não desistiu. A dor, a decepção, a humilhação, tudo isso não foi suficiente para quebrar o espírito dela. Ela sabia que, um dia, sairia daquela casa. Faria a faculdade, teria a vida que sempre quis. Ela prometeu a si mesma que jamais permitiria que os sonhos que cultivava fossem esmagados, não importava quantos obstáculos surgissem. A surra e as humilhações daquele dia deixaram marcas profundas em Vitória, mas não foram suficientes para sufocar sua determinação. Ela sabia que não seria fácil seguir o caminho que havia escolhido, mas agora não havia volta. O sonho da faculdade, de uma carreira, e de uma vida independente era mais forte do que qualquer medo ou dor. A partir daquele momento, Vitória fez um juramento silencioso: sairia daquela cidade e começaria uma nova vida, custasse o que custasse. Com o pouco dinheiro que havia guardado, Vitória conseguiu pagar os primeiros meses da faculdade, economizando cada centavo. Mas sabia que isso não seria suficiente. Para seguir em frente, precisaria de um novo emprego, algo que pudesse manter sua liberdade e garantir que não dependesse de ninguém. Foi assim que começou a trabalhar em uma loja de roupas, onde recebia um salário mínimo, mas que representava sua independência. Vitória dividia seu tempo entre o trabalho e as aulas. Durante o dia, atendia clientes, arrumava vitrines, e à noite, corria para a faculdade, onde as aulas de administração se tornaram seu refúgio. Os conceitos que aprendi sobre liderança, planejamento e estratégia acenderam nela uma nova paixão. A cada lição, sentir-se mais próximo do futuro que sempre sonhara. Mas a realidade em casa continuava durando. Os pais viam suas novas rotinas com reprovação, e não perdem oportunidade de menosprezar suas conquistas. As humilhações, as palavras duras e as ameaças não cessaram. Mas Vitória agora tinha algo que não poderia ser tirado: o sonho de uma vida além das barreiras daquela cidade. Ela aguentava as agressões, o desprezo e os olhares de desaprovação como quem atravessa uma tempestade. As marcas físicas e emocionais estavam todas, mas Vitória se recusou a se dobrar. Cada golpe, cada palavra cruel, tornava-se mais um lembrete de que seu propósito era mais forte do que qualquer obstáculo. Em silêncio, Vitória construiu sua liberdade. Mantinha em segredo os planos de juntar o máximo de dinheiro possível, de aprender tudo o que poderia, para, um dia, partir definitivamente. Por enquanto, concentrava-se em fazer o que sabia ser o certo para ela, mesmo que isso significasse nunca mais ver seus próprios pais. Com o passar do tempo, o cansaço físico das longas horas de trabalho e estudo misturava-se ao intervalo de saber que estava, passo a passo, se libertando. Em seu íntimo, Vitória sabia que, apesar de tudo, havia uma luz no fim daquele túnel. Cada noite passada, cada real guardado com esforço, era uma promessa renovada: Vitória seria dona de sua vida e, um dia, estaria bem longe dali.Olavo Castellani, médico de 40 anos, terminou mais um dia de trabalho exaustivo, em que mal teve tempo para começar. Depois de um banho rápido, foi à cozinha e pegou uma de suas muitas marmitas congeladas, que enchiam o congelador. Era assim quase todas as noites: uma refeição solitária, rápida, antes de encontrar algum momento de paz. Com um copo de uísque na mão, caminhou até a varanda do apartamento, sentou-se e permitiu-se, mais uma vez, relembrar sua vida.Ele nasceu em uma família rica e tradicional, onde todos eram médicos. Desde pequeno, sempre soubemos que o mesmo destino o aguardava. Como único filho, carregava a expectativa dos pais de seguir os passos deles e dar continuidade ao legado familiar. Seus pais, rígidos e muito religiosos, vinham de um casamento arranjado. Não havia amor entre eles; sua união era um negócio de família, algo que Olavo cresceu observando em silêncio.Na faculdade de medicina, o peso dessas expectativas tornou-se ainda maior quando seu pai foi info
Vitória estava no segundo ano de faculdade e, ansiosa para terminar logo, mantinha-se focada. Ela não tinha amigos e Vivia de casa para a faculdade, até que um dia conheceu Lucian, seu professor. Foi uma paixão imediata. Desde então, ela foi para casa pensando nele, e para a faculdade, seu coração parecia sair pela boca a cada vez que o via.Uma tarde, Vitória estava na biblioteca depois da aula quando Lucian se mudou e perguntou se poderia sentar-se à mesa dela. Ela concordou, e eles começaram a conversar. A partir daquele dia, passamos a conversar com frequência. Meses depois, saiu pela primeira vez, e o encontro se tornou algo regular sempre que Vitória tinha tempo. Com o tempo, comecei a namorar.Lucian, porém, fez questão de dizer que eles não poderiam contar a ninguém sobre o relacionamento. Explicou que, se alguém soubesse, ele seria demitido. Mas ele a tranquilizou: disse que, assim que ela se formasse, assumiriam o namoro e se casariam. Vitória estava encantada e mais apaixon
Eduardo estava de férias da faculdade e, como sempre, passava esses dias com o pai. Olavo adorava a companhia do filho; era um descanso da rotina e também um momento de se aproximarem ainda mais. Naquela noite, saíram para jantar em um restaurante elegante, aproveitaram a deliciosa comida e, depois, caminharam pela cidade. Florianópolis era linda, com as luzes refletindo no mar, e os dois se deixaram levar pelo clima tranquilo da noite.Eduardo, embora estivesse gostando da experiência da faculdade, sentia saudade de casa. Ele planejava, assim que o curso terminasse, voltar para ficar perto do pai. Via que Olavo, apesar de ser um homem bem-sucedido, levava uma vida um tanto solitária e parecia viver no “automático”. Mais de uma vez, Eduardo tenta incentivá-lo a encontrar alguém. Desejava que o pai pudesse encontrar o amor verdadeiro, algo que ele mesmo ainda não experimentara.Eduardo, aos 23 anos, começava a pensar que era de família a falta de sorte no amor. Ele também não se via in
Milene se deu conta de que seus sentimentos por Olavo, que ela acreditava estarem adormecidos há anos, na verdade, nunca haviam desaparecido. Desde a adolescência, quando ele passou a fazer parte de sua vida, ela sempre tentou de tudo para chamar sua atenção, esperando que ele finalmente correspondesse a seus sentimentos. A mágoa de ser constantemente rejeitada se enraizou nela, e ela passou anos convencida de que deveria ter sido ela, e não sua irmã Luiza, a se casar com Olavo.O ressentimento que guardava a levou a fazer escolhas impensáveis. No fundo de sua amargura, ela foi a culpada da morte da irmã, silenciosamente, fazendo com que Luiza não sobrevivesse ao parto, acreditando que isso abriria espaço para que ela pudesse, finalmente, ficar com Olavo. Mas o destino não seguiu seu plano sombrio: mesmo com a perda da esposa, Olavo jamais olhou para Milene com outros olhos. E, ao se casar, ela se viu presa em um casamento infeliz. Seu marido percebeu os sentimentos que ainda nutria p
Karina e Vitória logo realizaram uma amizade especial desde o dia em que Karina apareceu com um bolo de boas-vindas para receber seu novo vizinho e seu filho, Carlinhos. Em poucos dias, as duas se aproximaram, e as crianças — Carlinhos e José, o irmãozinho de Karina — já estavam inseparáveis, ansiosos para estudar na mesma escola, onde Karina também trabalha como professora.Karina veio de um passado difícil e doloroso. Criada em um lar destruído pela dependência dos pais em drogas e álcool, ela cresceu sem o apoio e o cuidado que toda criança merece. Quando completou 18 anos, ela se libertou daquele ambiente, mas quase 2 anos após sua saída, seus pais acabaram falecendo devido a dívidas com pessoas perigosas. Foi nesse momento que Karina descobriu a existência de José, um bebê que ela nem sabia que tinha como irmão. Decidida a cuidar e criar e dar-lhe um futuro diferente, Karina assumiu a guarda do pequeno e, com o dinheiro da venda da antiga casa, mudou-se de São Paulo para Florianó
Vitória finalmente estava se adaptando à nova rotina. Trabalhar na clínica era algo completamente diferente de tudo o que ela já havia feito, mas, de alguma forma, ela se sentiu realizada. Todos os dias, ao vestir o uniforme, ela sente uma enorme gratidão pela oportunidade. A clínica era movimentada, e Vitória gostava do ambiente. A recepção, os pacientes, o cheiro de café no ar, e até os papeis acumulados em sua mesa tudo faz parte de uma nova fase de sua vida.Ela estava saindo bem. Os colegas de trabalho elogiaram sua simpatia e eficiência, e até o doutor Olavo pareciam satisfeitos com seu desempenho. Ele era sempre educado, mas mantinha certa distância profissional. Ainda assim, Vitória não podia evitar os pensamentos que surgiam toda vez que seus olhos se encontravam.Toda vez que ela o via, sentia aquele frio na barriga que não conseguia controlar. Era o jeito como ele sorria de lado, o tom calmo de sua voz ou até o perfume amadeirado que deixava um rastro por onde ele passava.