Isadora

Quando cheguei à minha cobertura depois da faculdade, na sexta-feira, não consegui evitar pensar na história contada por Patrícia. O casamento dele me lembrou muito o meu próprio casamento, que aconteceu do mesmo jeito: rápido, discreto e sem alarde. Nem sequer conheci o meu noivo. Foi apenas uma assinatura de documentos formais.

Eu me forcei a reviver os últimos dois anos da minha vida. Era um exercício doloroso, mas necessário.

Eu era filha única. Cresci em Mairiporã, no interior de São Paulo, e tínhamos uma vida confortável. Meu pai era dono de uma empresa de programação e, para mim, o homem mais inteligente do mundo. Meus pais, Dona Lúcia e Sr. Geraldo, se conheceram na faculdade. Na época, meu pai levava uma vida desregrada e era parceiro de seu melhor amigo, Thomas, em atividades que beiravam o ilegal.

Quando meu pai conheceu minha mãe, tudo mudou. Ele deixou as loucuras de lado, voltou a focar nos estudos e fundou sua própria empresa de software, convidando Thomas para fazer parte. Thomas, no entanto, achava que a vida de trabalho era uma grande bobagem. Acabou sendo preso quando eu tinha 5 anos. Durante os seis anos que ele ficou na prisão, meu pai nunca o abandonou e, ao sair, deu a ele um emprego de confiança na empresa.

Thomas sempre foi uma figura presente na minha vida, quase como um tio. Ele estava lá quando tive minha fase rebelde no ensino médio, saindo para festas, bebendo e deixando meus pais loucos. Ele me buscava, me socorria e, quando podia, me dava conselhos. Foi ele quem me ensinou a dirigir aos 16 anos.

Quando terminei o ensino médio, decidi fazer faculdade na capital. Meus pais compraram uma cobertura para mim, passaram as festas de fim de ano comigo e ainda me deram um carro de presente de Natal. Parecia o início de uma nova fase perfeita.

Aí veio a pandemia. As aulas passaram a ser a distância, e eu voltei para casa. Durante o isolamento, meus pais trabalharam em um grande projeto. Meu pai desenvolveu o que chamou de "software da vida dele" e estava prestes a vendê-lo para uma empresa poderosa. Ele estava radiante, mas não quis entrar em detalhes até que tudo estivesse assinado.

Quando as aulas semipresenciais começaram, voltei para a capital. Na mesma semana, meus pais me ligaram por vídeo, felizes da vida. Iriam para a capital para uma reunião com a empresa, que poderia mudar nossas vidas.

Era para ser o início de algo grandioso. Mas acabou sendo o fim.

Na sexta-feira, me despedi deles para passar o fim de semana com amigos no clube. Eles insistiram que eu fosse, apesar de terem decidido me visitar de surpresa. Foi a última vez que vi meus pais.

Na segunda a tarde, quando voltava para casa, recebi uma ligação. Era minha mãe. Ou melhor, era o celular dela. Minha amiga Laila atendeu e, de repente, ficou pálida. Mandou que eu encostasse o carro.

“— Eles estão vivos? — perguntei, desesperada.

— Não sei. Só disseram que houve um acidente e que quatro vítimas foram levadas ao hospital.

Laila dirigiu como uma louca, quebrando todas as regras de trânsito. Mas, quando chegamos, a notícia foi devastadora. Meus pais não resistiram.”

Foi ali, naquele momento, que minha vida mudou para sempre.

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