Isadora

Eu mal conseguia conter o sorriso ao entrar naquele prédio espelhado, exibindo meu crachá com orgulho. Era meu primeiro dia de estágio, e a sensação era surreal. Cumprimentei todos que encontrei pelo caminho, da faxineira à recepcionista, antes de seguir para o elevador. Apertei o botão do último andar com tanta empolgação que acabei prendendo a respiração por um momento. Era lá, no topo, que ficava a presidência.

Nem parecia real que eu havia conquistado a tão sonhada bolsa de estágio remunerado. Um ano atrás, antes dessa oportunidade, quase tranquei a faculdade por falta de recursos. Ser escolhida como a terceira participante do projeto de engajamento feminino no quadro de programadores da Psy Corp era mais do que eu podia imaginar. O projeto era um sonho para qualquer estudante de programação: seis meses de treinamento com os melhores profissionais da área, além de remuneração e benefícios incríveis.

Voltei no tempo por um momento, lembrando do caos que foi quando o projeto foi anunciado na universidade. Eu estava no terceiro semestre, ainda lidando com o luto pela morte dos meus pais, e tudo parecia tão distante para mim. A universidade mal sabia os critérios de seleção usados pelo CEO da Psy, mas se orgulhava de ter sido escolhida para sediar o programa.

"Deixe isso pra lá, Isadora," pensei, tentando afastar as lembranças. O foco agora era no presente. Quando o elevador chegou ao andar da presidência, saí com o mesmo sorriso confiante e me apresentei na recepção. Fui recebida por uma secretária grávida chamada Patrícia.

— Muito prazer, Isadora. Sinto muito, mas o senhor Danilo tirou alguns dias de licença e não poderá acompanhar seu início. Hoje vou te apresentar à empresa, aos nossos colegas e, depois do almoço, você vai para a sala dele, onde a senhora Sheila está substituindo-o.

A energia de Patrícia era contagiante, e eu me sentia à vontade ao lado dela. Acompanhá-la pelas salas foi mais fácil do que imaginei. Minha memória era boa, então consegui guardar os nomes e funções das pessoas que ela me apresentou. O problema foi acompanhar as fofocas que Patrícia fazia com tanta naturalidade, especialmente na hora do almoço, quando ficamos sozinhas.

Depois do almoço, no elevador a caminho de conhecer Sheila, madrasta de Danilo e presidente interina da empresa, Patrícia ficou em silêncio de repente. Aproveitei para organizar as informações que ela tinha me passado até então.

Danilo Montero era o CEO, filho do fundador Paulo Gustavo. Ele havia voltado da França dois anos antes, após a morte do pai, depois de viver lá por uma década. Segundo Patrícia, ele era noivo, mas havia se casado em segredo. Quando chegou ao Brasil, era um homem simpático e acessível, que aboliu o tratamento formal entre os colaboradores. Mas depois do casamento, tudo mudou.

A fofoca mais pesada era de que Danilo era gay e tinha o coração partido pelo melhor amigo, que se mudou para a França e nunca mais voltou. Claro que esse tipo de teoria era alimentada pelo fato de ninguém nunca ter visto a esposa dele.

A porta do elevador abriu, e eu imediatamente me obriguei a focar no trabalho. A vida pessoal do meu novo chefe não era da minha conta. Minha própria vida já era um caos, então fofocar sobre os outros estava fora de cogitação.

Fui levada à sala da diretoria, onde eu iria trabalhar, e apresentada a Sheila. Ela era uma mulher de uns 40 anos, loira natural, muito bem cuidada e com um sorriso simpático.

— Olá, sou Sheila, presidente interina. Você vai conviver pouco comigo porque trabalho de casa. Quem realmente comanda tudo isso aqui é meu enteado, Danilo. Mas você vai adorar aprender com ele. Não é querendo me gabar, mas meu filho é o melhor na área. — Ela sorriu, e eu simpatizei com ela imediatamente.

O resto da tarde passou num piscar de olhos. Sheila era prática e gentil, designou uma mesa para mim com três computadores e explicou como seria a rotina nos próximos meses. Alternaria entre tarefas designadas por Danilo e tutoria com outros programadores.

Quando o expediente acabou, recolhi minhas coisas e fui direto para a faculdade, feliz. Sabia que meus colegas iam querer saber cada detalhe do meu dia e provavelmente esperar dicas do que eu tinha aprendido. Estava pronta para a palestra mensal que os professores pediram que eu fizesse para compartilhar meu aprendizado.

No caminho, lembrei de Sheila dizendo que Danilo era o melhor na área e sorri. "Melhor? Meu pai era o melhor nessa área!" pensei comigo mesma. A lembrança reacendeu algo em mim, e eu me prometi, mais uma vez, que tomaria a empresa dos meus pais de volta.

Passei toda a semana sem conhecer meu novo chefe. Danilo ainda não tinha voltado. Sheila comentou que ele costumava fazer essas saídas a cada dois ou três meses, para passar mais do que um fim de semana com a esposa, que mora em um condomínio de luxo em Mairiporã. Desta vez, no entanto, a licença dele estava se estendendo mais do que o normal. Geralmente, ele sempre voltava para fechar a semana no escritório.

No meu segundo dia, conheci Eleanor. Não foi a recepção mais agradável. Ela nem tentou esconder o descontentamento ao ver uma "moça nova e bonita" trabalhando na mesma sala que Danilo. Sua mãe a repreendeu de imediato, lembrando que Danilo era um homem casado.

Mais tarde, Patrícia, sempre cheia de histórias, contou que Eleanor quase nunca aparecia no escritório enquanto o senhor Paulo Gustavo era vivo. Depois que ele faleceu, ela simplesmente se aboletou lá e vivia grudada em Danilo. Segundo Patrícia, havia uma época em que todos acreditavam que a noiva dele nunca viria da França e que ele acabaria se casando com Eleanor.

Fofoca não é muito a minha praia, mas dessa vez não resisti. Perguntei a Patrícia, com uma ponta de curiosidade:

— Eles não são irmãos?

— Não — ela respondeu. — Dona Sheila engravidou muito jovem, e o pai da Eleanor a abandonou. Sheila era secretária do senhor Paulo, que sempre foi muito generoso. Ele criava Danilo sozinho, e os dois acabaram se envolvendo e se casaram. Na época, Danilo tinha 12 anos, e Eleanor, 10. Eles foram criados juntos, mas não são irmãos.

Ela continuou, como se estivesse falando sobre uma novela.

— Quando Danilo terminou o ensino médio, foi para a França, onde fez faculdade e um estágio na filial francesa da Global. Lá ele conheceu a noiva — que, aliás, ninguém sabe o nome — e fixou residência. Mas o senhor Paulo teve Covid logo na primeira onda da pandemia, e Danilo teve que voltar. Quando as fronteiras reabriram, a noiva veio para o Brasil, e eles se casaram numa cerimônia simples, para evitar aglomerações.

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