O Thomas era um miserável e começou a tentar fazer da minha vida um inferno depois da morte dos meus pais, para me ter em seus braços.
Em pouco tempo de luto, fiquei sem dinheiro para pagar as despesas do apartamento, para a faculdade e até para colocar combustível no meu carro. Então pedi a Laila pra me arranjar um emprego com a família dela. Ela disse que até poderia, mas que eu jamais teria um salário que cobrisse todas as minhas despesas, e me aconselhou a vender o carro e o apartamento e me mudar para um lugar menor. Coloquei o apartamento à venda, e com o dinheiro que consegui do carro, aluguei uma kitnet e comecei a trabalhar como assistente do pai de Laila. Três dias depois, descobri que o dinheiro do carro sumiu da minha conta, antes de eu pagar a mensalidade da faculdade. Laila sugeriu que eu chamasse a polícia, mas sabia que isso seria inútil. Thomas era muito esperto e não teria deixado rastros. Envolver a polícia só faria com que eu parecesse louca e manchasse ainda mais a imagem dos meus pais. Fiz o que deveria fazer. Tranquei minha matrícula na faculdade e passei a trabalhar para me manter. Ele achava que ao me roubar, eu fosse mendigar ajuda a ele, mas ele estava enganado. Tinha força para lutar pela minha vida. Mas algo inesperado aconteceu, recebi a estranha proposta de me casar com um ricaço no papel. Aceitando, eu poderia manter o apartamento, ganharia um carro novo e um cartão para as despesas. As minhas mensalidades da faculdade dos próximos três anos também estariam pagas. Teria que passar apenas cinco anos casada, e como não tinha intenção de me casar com ninguém ou outra saída viavél para os meus problemas, não vi outra opção a não ser aceitar. Imaginava que meu "marido" fosse um velho excêntrico que adorava fazer coisas absurdas. Enquanto ele não me tocasse, não teria problema nenhum em ser casada com alguém que eu nem conhecia e que mantinha minhas contas em dia. Passei o ano seguinte focada nos estudos e trabalhando para recuperar o patrimônio dos meus pais. Tinha certeza de que dali eu tiraria tudo o que precisava para me vingar de Thomas e recuperar o que me pertencia. Laila me chamava para sair ocasionalmente, mas eu não tinha tempo. Tudo o que aprendia nas aulas, colocava em prática no meu notebook. Precisava me sobressair se quisesse ter minha vida de volta. Se não conseguisse minha vingança ou recuperar meu patrimônio, nunca teria uma vida. Sabia que meu salário do estágio na Psy também seria roubado por Thomas. Fiz um teste com o cartão que meu marido me deu. Abri uma outra conta, em outro banco, com uma pequena quantia, que sumiu em menos de 20 minutos. Parecia que Thomas tinha um rastreador que avisava sempre que eu fazia qualquer coisa em meu nome. Então, eu tinha que trabalhar duro para ser mais esperta que ele e ter minha vida de volta. E durante todo esse tempo, com minha cabeça apenas nisso, não pensei em quanto trabalho e energia teria poupado se tivesse aberto a caixa de tesouros. Fiquei extremamente excitada com a ideia que tive. Mas me repreendi. Peguei as três caixas e coloquei na minha cama, mas não tive coragem de abrir. Me senti uma garotinha de 5 anos de novo, com medo de me decepcionar. Deitei olhando para as caixas e acabei pegando no sono. Tinha bebido vinho demais. Meu coração estava angustiado quando acordei, mas ainda não tinha coragem de abrir as caixas. Me levantei animada e comecei a cuidar das tarefas domésticas do apartamento. Quando casei e não precisei mais trabalhar, percebi que não gostava de ter uma pessoa mexendo nas minhas coisas. Não confiava mais em ninguém e qualquer um poderia ser um infiltrado de Thomas para me roubar os notebooks dos meus pais. Sabia que estava sendo paranoica, mas soube por Alicia que a casa dos meus pais tinha sido vendida logo em seguida, para um homem de boa aparência. Mas antes disso, a casa tinha sido totalmente revista. Thomas contratou uma equipe para isso e também retirou o computador da casa para ser avaliado na empresa. Eu sabia que Thomas poderia infiltrar alguém na minha casa, para roubar os notebooks dos meus pais e ter acesso ao software milionário que meu pai desenvolveu. Então era minha obrigação salvar pelo menos isso deles. Depois de tudo arrumado, liguei para Laila perguntando qual seria o rolê da noite. Laila ficou muito animada por eu finalmente sair com ela e comemorar minha primeira semana de estágio. Coloquei uma boa roupa e fiz uma maquiagem. Mal me reconheci num cropped vinho, calça branca e sandálias de salto. Quase não me lembrava como era me arrumar para curtir a noite. Deixei meus longos cabelos negros soltos e parti para a noite com as minhas amigas. Depois da noitada, fui dormir na casa de Laila. Acordamos bem tarde no domingo e combinamos que comer em um restaurante seria melhor. Saímos para almoçar depois de tomarmos banho e eu peguei uma blusa emprestada de Laila. Um cropped vinho com fios dourados não era roupa para o dia. Como quase não bebi, combinamos que seria melhor eu dirigir, e quando entrei no estacionamento do restaurante, estávamos conversando tão animadas, que não vi o motorista dando ré para sair da vaga e trisquei levemente no carro dele. — Ops, amiga. Acho que bati seu carro. — Bobagem, mal encostou… — ela fala com desdém. — Acho que o outro motorista não pensa o mesmo. — Apontei para o homem de óculos escuros que desceu com a cara amarrada, vindo em nossa direção. Laila riu largamente e descemos juntas. — Você comprou sua carteira de motorista? Não olha por onde anda? — O homem falou em tom irritado, apontando para mim. Até tinha achado a situação divertida por um segundo, e até achei o homem atraente, mas o tom dele me deixou irritada e fez meu sangue ferver. — Primeiro, não coloque o dedo na minha cara. Segundo, sinto muito por ter encostado no seu carro caro. Aqui está meu cartão, o senhor pode mandar avaliar os danos e me ligar informando o valor. — Não é uma questão de dinheiro, mocinha. Mesmo porque, acredito que se você avariasse meu carro, não teria condições de pagar. É uma questão de direção defensiva. Você tem que prestar atenção no que está fazendo, porque tem uma arma na mão e pode ceifar a vida de outras pessoas se não tiver cuidado ao dirigir. — Você é um instrutor de autoescola por acaso? Eu sou muito cuidadosa. Eu mal encostei no seu carro e sei muito bem o que um idiota que não sabe dirigir é capaz de fazer no volante. Se não vai me cobrar o prejuízo, sai da minha frente que estou com fome — Você é uma senhorita muito mal-educada — ele fala incrédulo. — E você, um idiota mal-humorado. Sua mulher deve ter dormido de calça jeans para você ter essa cara de quem chupou limão. — En plus d'être impolie, elle est grossière, impertinente et peu pratique. — Ele ficou tão nervoso que começou a falar em francês, sem nem perceber. — Inconveniente e atrevido é você, seu idiota. — Você fala francês? — Ele suavizou a expressão. — Pra você ver que não sou a pobretona que você achou. Agora, cai fora! Peguei no braço de Laila e já ia indo embora, quando ela me parou e falou: — Me dá a chave, preciso estacionar. Meu rosto queimou na mesma hora em que me dei conta de que desci do carro no meio do estacionamento de um restaurante de luxo e estava batendo boca com um desconhecido pra lá de sexy. Olhei para ele, para me desculpar, e vi que ele me encarava. Antes de eu abrir a boca, ele me deu as costas e entrou no carro, arrancando assim que Laila tirou o carro dela do caminho dele. Laila estacionou na vaga que ele desocupou, desceu do carro, apertou o alarme e falou: — Amiga, quase molhei as calcinhas com aquele homem lindo de morrer e você coloca ele para correr? — Não sei o que me deu. Quando ele começou a falar em direção defensiva, para mim, que perdi meus pais por causa de um idiota, surtei. Peguei pesado, não é? — Pegou, mas deixa pra lá. Não vamos ver ele nunca mais, graças a você! Poderíamos ter pego o telefone e ganhado o almoço com ele, pelo menos. Eu não iria me importar de comer ao lado daquele Deus grego — ela brinca. Reviro os olhos para ela. — Esqueça isso e vamos comer. Ainda preciso te deixar em casa e fazer as atividades da faculdade amanhã.Eu mal conseguia conter o sorriso ao entrar naquele prédio espelhado, exibindo meu crachá com orgulho. Era meu primeiro dia de estágio, e a sensação era surreal. Cumprimentei todos que encontrei pelo caminho, da faxineira à recepcionista, antes de seguir para o elevador. Apertei o botão do último andar com tanta empolgação que acabei prendendo a respiração por um momento. Era lá, no topo, que ficava a presidência.Nem parecia real que eu havia conquistado a tão sonhada bolsa de estágio remunerado. Um ano atrás, antes dessa oportunidade, quase tranquei a faculdade por falta de recursos. Ser escolhida como a terceira participante do projeto de engajamento feminino no quadro de programadores da Psy Corp era mais do que eu podia imaginar. O projeto era um sonho para qualquer estudante de programação: seis meses de treinamento com os melhores profissionais da área, além de remuneração e benefícios incríveis.Voltei no tempo por um momento, lembrando do caos que foi quando o projeto foi anu
Quando cheguei à minha cobertura depois da faculdade, na sexta-feira, não consegui evitar pensar na história contada por Patrícia. O casamento dele me lembrou muito o meu próprio casamento, que aconteceu do mesmo jeito: rápido, discreto e sem alarde. Nem sequer conheci o meu noivo. Foi apenas uma assinatura de documentos formais. Eu me forcei a reviver os últimos dois anos da minha vida. Era um exercício doloroso, mas necessário.Eu era filha única. Cresci em Mairiporã, no interior de São Paulo, e tínhamos uma vida confortável. Meu pai era dono de uma empresa de programação e, para mim, o homem mais inteligente do mundo. Meus pais, Dona Lúcia e Sr. Geraldo, se conheceram na faculdade. Na época, meu pai levava uma vida desregrada e era parceiro de seu melhor amigo, Thomas, em atividades que beiravam o ilegal.Quando meu pai conheceu minha mãe, tudo mudou. Ele deixou as loucuras de lado, voltou a focar nos estudos e fundou sua própria empresa de software, convidando Thomas para fazer p
Eu olhava para minha linda Juliete, ali na clínica, em estado vegetativo. Os médicos insistiam para que eu não viesse mais, diziam que era inútil, mas todos os finais de semana eu dirigia até Mairiporã e passava o dia com ela.A cada dois ou três meses, eu a tirava da clínica e a levava para a casa que comprei especialmente para ela. A casa era toda adaptada, com rampas de acesso para a maca. Sempre dispensava as enfermeiras nesses dias. Queria cuidar dela sozinho. Ainda assim, pagava quatro enfermeiras para acompanhá-la na clínica, para que nunca se sentisse sozinha, mesmo naquele estado.Naquele domingo, depois de ajeitá-la de volta na clínica, eu aguardava a acompanhante chegar para poder voltar para casa. Enquanto esperava, me lembrei de como foi a semana com ela.Eu tinha perdido o controle. Não é comum, mas gritei com ela, bêbado, enquanto relembrava tudo o que nos trouxe até aqui. Normalmente, sou calmo. Tento dizer coisas boas, mostro fotos que a família dela manda da França.
Eu percebi que já tinha acabado com uma garrafa de vinho, mas não estava bêbada. Nem mesmo o torpor que eu buscava para aliviar a dor nos finais de semana aparecia. Sempre me obriguei a ser a menina responsável, estudiosa e, agora, trabalhadora como meus pais queriam. De segunda a sexta-feira, não bebia nada, não saía, só fazia o que era esperado de mim. Sorri, um sorriso amargo, enquanto me levantava para buscar outra garrafa de vinho. Talvez fosse esse meu comportamento discreto que aquele homem, que se aproveitou da minha fragilidade, procurava quando me fez assinar a certidão de casamento.Nos finais de semana, eu me desligava do mundo. Bebia, mal saía de casa. Às vezes, só ia ao mercado comprar algo. Fora isso, ficava trancada. Às vezes, pensando em como me vingaria do tio Thomas. Não, do nojento do Thomas. De tudo o que ele fez comigo e com a memória dos meus pais. Outras vezes, me dedicava ao salvamento das informações dos notebooks do meu pai e da minha mãe, destruídos no acid
“Desliguei o computador do meu pai e percebi que já eram cinco da manhã. Passei a noite inteira acordada e não encontrei nada que me ajudasse. Subi as escadas, encaixotei algumas coisas dele e da minha mãe, além das minhas próprias. Coloquei os pertences pessoais deles no porta-malas e peguei as três caixas do tesouro. Quando eu era pequena, minha mãe me levou até o quarto dela e abriu a grande caixa de tesouro. Mostrou fotos antigas, meu cordão umbilical, a pulseirinha da maternidade, e explicou que naquele dia eu ganharia a minha própria caixa. Ela disse que ali eu deveria guardar tudo o que não tivesse preço, mas que, se perdido, arrancaria uma parte do meu coração. Mostrou a caixa do meu pai, mas avisou que aquela eu só poderia abrir quando ele quisesse me mostrar, e que o mesmo respeito valeria para a minha caixa. Só eu poderia abrir, não importava o que acontecesse, quando estivesse pronta para mostrar o que guardei a eles. Tive vontade de abrir as caixas naquele momento, mas
Estacionei no escritório mais cedo que de costume naquela segunda-feira. Estava ansioso. Adiei o quanto pude para conhecer minha esposa, mas quando a conheci sem querer no estacionamento, isso me deixou mais ansioso. Ela era atrevida e isso me atraia de um jeito estranho. Passei um ano inteiro muito bem, sem necessidade de conhecê-la. Quando planejei esse casamento, pensei em inúmeras possibilidades. Podia ter escolhido mal e a maluca querer acabar com minha vida e ficar com meu patrimônio. Eleanor poderia encontrá-la e querer acabar com ela, e eu teria que protegê-la, já que fui eu quem a coloquei nessa situação complicada. Ela podia arrumar outro parceiro e acabar com nossa relação antes do prazo. Eu precisava vigiá-la de perto. Mas a moça parecia até uma freira de tão recatada e civilizada. Não gastava nem dez por cento do que eu tinha disposto para ela gastar. Fiz um cálculo médio do que Juliete gastava em um mês quando morávamos juntos, mas minha nova esposa não chegava nem per
Quando saí da aula, dirigi até em casa com um único pensamento: hoje não vou beber. Já estava mais do que na hora de parar de adiar a tarefa de abrir as caixas do tesouro do meus pais. Mas, por mais que tentasse me concentrar nisso, minha mente insistia em voltar ao beijo que Danilo me deu no rosto. Às vezes, tinha a impressão de que ele estava flertando comigo, de maneira sutil. Mas logo me recriminava por esse pensamento. Quem sou eu para afirmar algo assim? Nunca tive experiência nesse tipo de coisa, e, além disso, ele é casado! Cheguei em casa e fui direto para o chuveiro. Soltei meus cabelos negros, que caíram como uma cascata pelas costas. Meu couro cabeludo estava dolorido por passar o dia todo preso no coque sério e profissional. Depois do banho, me sentei na cama com a caixa do tesouro no colo. Ao abri-la, senti como se estivesse liberando a caixa de Pandora. Um turbilhão de lembranças me envolveu. Fui pegando cada foto, cada desenho disforme, e as memórias surgiam uma a u
Adormeci muito emocionada com a carta da minha mãe. Quando acordei, percebi que estava amassando a carta abraçada a ela como se fosse com mamãe. E envolta em uma grande bagunça.Desamassei a carta e recoloquei no envelope, recolhi todos os meus tesouros e coloquei de volta dentro da caixa. Coloquei a carta da minha mãe por cima, fechei e guardei a caixa ao lado das outras duas.Sabia onde procurar mais tesouros deixados pelos meus pais agora, mas estava numa grande ressaca emocional e não daria conta. E tinha que lidar com todas as coisas que minha mãe já tinha falado.Coloquei um café no fogo, estava apenas de robe, totalmente nua. Gostava da solidão de minha casa e de como podia ficar à vontade. Enquanto o café coava, liguei meu notebook e segui as coordenadas que mamãe deixou no anexo para acessar a conta secreta. Não sou burra, sei que pra abrir uma conta dessas, precisaria de um valor alto. Então, achei que ali teria uma soma considerável.Coloquei o café na minha xícara preferi