Capítulo 2
Camila narrando : Eu tinha 16 anos e, naquela época, o meu mundo ainda era a escola. Eu estava acostumada com aquele ambiente, com a rotina de ser a filha da família rica que todo mundo respeitava, ou, se fosse o caso, temia. Eu não me importava muito com isso, na verdade. Tinha meus amigos, as minhas coisas, e um futuro aparentemente já traçado. Mas tudo mudou quando ele apareceu. Ele estava no meu último ano de escola, mas era novo, um novato que parecia ter saído de algum lugar muito distante da minha realidade. Eu lembro bem do primeiro dia em que ele entrou na sala, com aquele olhar desconfiado, como se estivesse analisando cada pessoa, cada detalhe do lugar. Ele era diferente de todos os meninos que eu já conhecia, e não era só pelo jeito de andar, mais solto, mais confiante de uma maneira que eu não sabia explicar. Eu tinha acabado de sentar no meu lugar, perto da janela, quando ele entrou. Seu nome era Guilherme, e logo ele virou o assunto da turma. Gênio dos estudos, com uma inteligência impressionante. Mas o que me fez prestar atenção nele não foi a fama, nem o fato de que todos falavam sobre ele. Foi o jeito que ele olhou para mim, aquele olhar que parecia direto, como se ele pudesse ver dentro de mim. Não era um olhar de julgamento, mas de curiosidade, como se ele soubesse que algo em mim não era o que eu mostrava para os outros. No começo, eu tentei ignorar. Sabia que ele era diferente, que as nossas realidades não se misturavam. Eu era a Camila, filha do Sr. Leandro, dona da rede de lojas que todo mundo na cidade conhecia. Ele... ele parecia ser do outro lado da cidade, onde o dinheiro não tinha tanto peso. Mas, quanto mais eu tentava me afastar da ideia de que ele poderia ser algo mais do que apenas um colega de escola, mais ele se aproximava de mim. Foi num dia de aula de literatura que a nossa conversa aconteceu. Eu estava lá, distraída, olhando pela janela, quando ele se aproximou da minha mesa. Ele pediu desculpas por interromper, mas falou que precisava de um livro que eu tinha. O jeito com que ele falou, tão direto e sem rodeios, me fez sorrir sem querer. Não era como os outros meninos, que sempre tentavam de alguma forma chamar atenção ou me impressionar. Não, Guilherme era diferente. — Você se importa se eu pegar o livro emprestado? — ele perguntou com um sorriso tímido, mas com aquele olhar direto. A voz dele tinha algo de profundo, como se ele não fosse apenas um aluno qualquer. — Claro — respondi, pegando o livro e estendendo para ele. — Aqui está. Ele sorriu, agradeceu e, antes de sair, disse algo que ficou gravado na minha mente: — Você tem sorte de ter essa vida, Camila. Não é todo mundo que pode viver assim. Eu não entendi bem o que ele queria dizer, mas aquilo me deixou pensativa o dia todo. Eu, que sempre tinha sido protegida pelas paredes do meu mundo de luxo, jamais tinha parado para pensar que alguém pudesse sentir inveja da minha vida. Afinal, eu tinha tudo, não é? Mas eu sabia que ele não estava falando sobre as roupas, o carro ou o dinheiro. Ele estava falando sobre algo mais profundo, algo que eu ainda não tinha compreendido. E foi assim, naquele primeiro encontro, que tudo começou. Eu, querendo ignorar a atração que sentia por ele, e ele, com aquele olhar que nunca deixou de me observar de uma forma que eu não sabia como lidar. Não fazia sentido, eu sabia. Mas não conseguia evitar. Guilherme entrou na minha vida como um furacão, e a partir daquele momento, as coisas nunca mais seriam as mesmas. A partir daquele dia, tudo mudou. Eu sabia que o Guilherme estava ali, na mesma escola, nas mesmas aulas que eu, mas parecia que ele sempre estava em um lugar distante. Como se ele vivesse em outra realidade, tão diferente da minha. Eu começava a perceber o quanto ele não se encaixava naquelas paredes douradas que cercavam o meu mundo. Ele não se misturava com os outros alunos, não estava interessado nas fofocas da sala, nem nas mesmas coisas que eu ou os outros estudantes da minha turma. Mas ele também não era invisível. Todos sabiam quem ele era, afinal, quem não sabia do gênio dos estudos? Mas o que me fazia realmente prestar atenção nele era a forma como ele me via, como se me desnudasse com aquele olhar. Eu tentava disfarçar, mas não conseguia. Cada vez que ele me olhava, uma sensação estranha tomava conta de mim. Era como se ele soubesse algo que eu ainda não tinha descoberto sobre mim mesma. E aquilo me incomodava e atraía ao mesmo tempo. Havia algo nele, algo que me fazia querer conhecê-lo mais, mesmo sabendo que, na minha vida, pessoas como ele não faziam parte. Eu não sabia se ele queria algo de mim, se era só curiosidade, mas aquela sensação de ser vista de uma maneira tão única me deixava sem rumo. Aquele dia que ele pediu o livro foi só o começo. Nos dias seguintes, ele começou a aparecer mais vezes perto de mim. Às vezes, era durante o intervalo, quando ele sentava sozinho na mesma mesa que eu, mas não falávamos nada. Ele apenas me observava, sempre com aquele sorriso discreto no rosto, como se tivesse algo a mais para me dizer, mas escolhesse se calar. Em outras vezes, ele se sentava na carteira ao lado da minha, e, mesmo sem trocar uma palavra, havia uma tensão no ar. Como se o simples fato de estarmos ali, tão próximos, fosse o suficiente para dizer tudo o que as palavras não diziam. Continua ....Capitulo 3 :Camila narrando :Continuação :Uma tarde, depois da aula de história, ele me abordou novamente. Dessa vez, sem me pedir nada, sem um livro para pegar emprestado. Ele apenas se aproximou da minha mesa e ficou em silêncio por alguns segundos, como se estivesse decidindo o que dizer. O olhar dele estava mais intenso do que nunca.— Camila... — ele começou, com uma voz calma, mas que soava mais séria do que de costume. — Eu... eu não sei o que você pensa de mim, mas eu não sou como os outros. E eu sei que nem deveria estar falando com você,.mas eu não aguento mais guardar isso pra mim.Eu não sabia o que responder. Não estava esperando aquilo, mas ele parecia estar falando direto ao meu coração. Como se tudo o que eu temia, todas as barreiras que eu tentava colocar entre nós, estivessem sendo desfeitas com aquelas palavras simples.— Eu sei o que você quer dizer — respondi, com a voz trêmula, sem saber ao certo o que estava sentindo. — Mas não é tão simples assim.Ele me olh
Capítulo 4Guilherme narrando :Acordar cedo sempre fez parte da minha rotina. O despertador toca antes do sol nascer, e eu já sei o que me espera: mais um dia de luta. Minha mãe, Dona Lúcia, já está de pé antes de mim, preparando o café simples, que na maioria das vezes é só café puro mesmo, sem pão, sem leite. Quando tem, é porque algum dinheiro sobrou ou porque ela conseguiu trazer algo da casa onde trabalha como empregada.Moro num bairro humilde, de ruas esburacadas e casas pequenas que se amontoam umas sobre as outras. O tipo de lugar onde, quando chove forte, as vielas alagam e a água entra pelas frestas da porta. Mas esse é o meu lugar. Cresci aqui, aprendi a me virar aqui. Minha mãe fez de tudo pra me manter longe dos problemas, e foi por causa dela que eu sempre levei os estudos a sério.Eu estudo numa escola de elite, mas não porque minha família tem dinheiro. Entrei lá porque ganhei uma bolsa integral, dessas que só oferecem pra alunos que se destacam. Sempre fui bom com n
Capítulo 5Camila narrando :A escola nunca pareceu tão pequena quanto naquele dia. Cada corredor, cada sala, cada canto parecia pulsar com a tensão que existia entre mim e Guilherme. Eu sabia que estava me metendo em algo complicado, mas, ao mesmo tempo, não conseguia evitar. Era como se ele tivesse se tornado um imã e, por mais que eu tentasse, não conseguia ficar longe.Naquele dia, o intervalo parecia arrastado. Eu sentia o olhar dele me procurando no meio dos alunos, e, no fundo, eu sabia que estava esperando por isso. Quando finalmente nos encontramos, foi diferente. Tinha algo nos olhos dele que me fez tremer. Expectativa, talvez. Ou só aquela certeza de que algo estava prestes a acontecer.Ele se aproximou devagar, como sempre fazia, sem pressa, sem medo.— Camila — ele disse, e o jeito como meu nome saiu da boca dele fez meu coração acelerar. — Acho que a gente precisa conversar.Eu respirei fundo.— Sobre o quê?Ele deu um meio sorriso.— Você sabe sobre o quê.E eu sabia.O
Capítulo 6Camila narrando :Cheguei na frente de casa, eu desci do carro do meu motorista, ainda com a cabeça cheia de pensamentos e o coração ainda acelerado. O dia foi mais intenso do que eu imaginava, e quando entrei pela porta, uma sensação de tristeza me tomou conta, eu sabia que provavelmente meu pai já estava em casa e já ia começar com a conversa de sempre.Quando entrei em casa, fechei a porta atrás de mim, tentando deixar a bagunça de sentimentos e os olhares carregados do dia fora. O silêncio da casa parecia mais pesado do que o normal. A casa era enorme, na verdade morávamos em uma mansão de um condomínio de luxo, a casa estava em silêncio, até que eu escutasse a voz dele. Meu pai.Eu nunca soube como lidar com ele. Depois que minha mãe morreu, as coisas pioraram. Ele ficou mais fechado, mais rígido. Eu nunca soube se ele realmente me via ou se apenas me tolerava. Ele já tinha começado com as indiretas antes de eu sair, e agora, quando entrei, ele já estava em modo "preo
Capítulo 7Guilherme narrando :O caminho pra casa nunca pareceu tão leve. Dois ônibus lotados, uma caminhada longa até minha rua de chão batido, mas nada disso importava. Minha cabeça ainda tava no momento em que eu encostei meus lábios nos dela. Camila.Nunca pensei que um beijo pudesse mexer tanto comigo. Foi rápido, tímido, mas foi nosso. E quando ela me olhou com aqueles olhos brilhando de nervoso e confessou que nunca tinha beijado ninguém antes, meu coração quase saiu pela boca. Porque eu também nunca tinha. Mas com ela... com ela parecia que eu já sabia exatamente o que fazer.O segundo ônibus freou bruscamente, me tirando dos meus pensamentos. Desci e caminhei até em casa, desviando dos buracos da rua, só com os postes piscando, como sempre.Quando abri a porta, o cheiro forte de óleo e farinha frita tomou conta do ar. Minha mãe tava na cozinha, mexendo uma panela velha com um olhar concentrado.— Oi, mãe — falei, jogando a mochila num canto e me aproximando.Ela levantou o o
Capítulo 8Camila narrando :A tarde passou arrastada. Tentei focar nos estudos, mas minha cabeça só conseguia voltar pra aquele momento na escola, pro jeito que Guilherme me olhou antes de me beijar. Eu sentia um frio na barriga só de lembrar.Peguei o notebook e abri os materiais pra estudar, mas a cada parágrafo lido, minha mente voltava pra ele. Só então me dei conta de um detalhe importante: eu não tinha pedido o número do celular dele.— Como eu fui esquecer isso? — murmurei, frustrada, me recostando na cadeira.Eu queria tanto falar com ele, saber como tinha sido o dia dele depois da escola, se ele tava pensando em mim também… Mas agora ia ter que esperar até amanhã.Suspirei e tentei voltar a estudar, mas as palavras na tela do notebook pareciam embaralhadas. Meu cérebro se recusava a prestar atenção.Foi quando ouvi batidas suaves na porta.— Minha menina, trouxe um lanchinho pra você — Dona Maria entrou com uma bandeja, um sorriso carinhoso no rosto.Olhei pra bandeja, mas m
Capítulo 9Guilherme narrando :O dia começou cedo, como sempre. Acordei antes do sol, o que já era rotina. O cheiro de café forte, que minha mãe fazia todos os dias, já estava no ar, mas eu ainda sentia aquele cansaço nas costas. Vida de quem mora longe, estuda em escola particular e tenta dar o melhor de si não é fácil, mas era o que eu tinha.Tomei um banho rápido, só pra acordar de vez, e me vesti com a roupa que eu tinha de melhor: uma camiseta que já tava meio velha e um jeans que não era dos melhores, mas servia. Eu não me importava muito com isso. O que eu queria mesmo era sair e conquistar minha vida, o resto… era só detalhe.Saí de casa, tentando não pensar muito no que estava por vir. Peguei o primeiro ônibus, depois o segundo, e como sempre, fiquei olhando pela janela, pensando em tudo e ao mesmo tempo em nada. Pensava na bolsa que me sustentava na escola, nos meus planos pro futuro, e também, por mais que eu tentasse esconder, nela. Na Camila.Cheguei na porta da escola,
Capítulo 10Guilherme narrando :O dia passou mais rápido do que eu esperava. Talvez fosse porque minha cabeça estava em outro lugar. A cada intervalo entre as aulas, eu me pegava olhando pra Camila. Ela estava algumas fileiras à frente, concentrada no caderno, mas vez ou outra, eu percebia que ela também me olhava. Era engraçado, porque parecia que a gente já tinha essa conexão, mesmo sem se conhecer direito.Quando a última aula terminou, meu coração acelerou. O combinado tava de pé: tomar um sorvete com ela antes de ir pro meu primeiro dia de trabalho.Saímos juntos pelo portão da escola, e ela me guiou até uma sorveteria ali perto. Eu nunca tinha entrado nesse tipo de lugar. Tudo era tão organizado, bonito e caro. Me senti meio deslocado, mas tentei não demonstrar.— Escolhe o que você quiser — ela disse, com um sorriso, enquanto pegava o cardápio.— Não precisa, Camila, sério. Qualquer coisa tá bom — respondi, tentando não me sentir um peso.Ela revirou os olhos, como se eu tives