Guilherme narrando:Eu dirigia em silêncio, mas minha mente tava acelerada. Camila do meu lado, quieta, olhando pela janela com aquele olhar perdido, e eu ali, sem saber como aliviar o peso que ela tava carregando. Eu sentia. Sentia no jeito que ela respirava, no jeito que mordia o canto da boca, como se estivesse tentando segurar o mundo dentro de si.A parada na padaria foi mais por mim do que por ela. Eu precisava que ela comesse, respirasse, lembrasse que o mundo ainda tava girando.E ela foi. Não reclamou, não discutiu. Sentou na mesa, comeu devagar, com a cabeça em outro lugar, mas ficou ali comigo. E isso já era tudo.Agora, no carro, indo pra empresa, eu só queria cuidar dela da melhor forma que eu soubesse, dando suporte, espaço, presença.Estacionei na nossa vaga, desliguei o carro e olhei pra ela.— Tá pronta?Ela respirou fundo, olhou pra frente e respondeu:— Tô. Vamos trabalhar.Descemos, entramos pela garagem e pegamos o elevador. O silêncio entre a gente não era pesado
Camila narrando :Depois que o Guilherme saiu, a sala ficou estranhamente silenciosa. Eu fiquei ali, sozinha, mergulhada no trabalho, tentando seguir a vida como se tudo estivesse normal. Mas não tava. Nem de longe.As planilhas estavam abertas no meu computador, os e-mails chegando um atrás do outro, o telefone tocando de tempos em tempos. Me obriguei a focar. Marquei duas reuniões, respondi pendências, aprovei um orçamento. Quanto mais eu ocupava a mente, mais eu sentia que tinha algum controle da situação.Mas o nó no peito continuava ali.Umas duas horas depois, senti o estômago reclamar. Resolvi levantar e ir até a copa pra tomar um café. O caminho pelo corredor foi rápido, mas parecia que cada passo me lembrava da vida bagunçada que eu tava tentando organizar.Cheguei na copa e encontrei a Priscila, uma funcionária antiga que eu conhecia desde antes de assumir como assistente do Guilherme. Ela era gente boa, simpática e sempre tinha uma palavra leve na ponta da língua.— Oi, Pri
Guilherme narrando:Eu abracei ela como se minha vida dependesse disso.Sentia o corpo da Camila tremendo nos meus braços, e cada soluço que escapava dela era como uma facada no meu peito. A raiva ainda fervia em mim. Eu queria ter matado aquele desgraçado. Queria ter acabado com ele ali mesmo, com as próprias mãos.— Nunca mais… — repeti, com a voz rouca, minha boca encostada no cabelo dela. — Eu juro, amor, nunca mais ninguém vai fazer isso contigo.Ela segurava minha camisa com tanta força, como se tivesse medo que eu fosse soltar. Mas eu não ia. Eu tava ali, por ela. E ia continuar por ela, custasse o que custasse.Ficamos assim por uns minutos, até o corpo dela começar a acalmar.— Vem, senta aqui um pouco — falei, levando ela até o sofá da sala.Ela sentou e eu fiquei de joelhos à frente dela, segurando suas mãos. Os olhos dela ainda estavam marejados, mas agora me olhavam com firmeza.— Eu devia ter matado aquele verme… — falei entre os dentes.— Não fala isso — ela sussurrou.
Jorge narrando:Saí da clínica com a cabeça fervendo, o coração apertado. Camila… minha filha. Minha. De sangue.Eu nunca soube. Nunca ninguém me contou. Se eu tivesse tido essa chance antes, se eu soubesse da existência dela, tudo teria sido diferente. A vida dela teria sido outra. E a minha também.Entrei no carro, mas não consegui dirigir. Só fiquei ali, com as mãos no volante e o olhar perdido. Depois fui pro hotel onde tô hospedado desde que cheguei no Rio. Subi pro quarto e fiquei andando de um lado pro outro, feito um leão enjaulado.Tinha uma pergunta me martelando sem parar: Como vou contar isso pra Jamile?Ela sumiu. Faz dias que não atende minhas ligações, não responde mensagem. Desapareceu do mapa. Peguei o celular, liguei pra ela mais uma vez. Chamou. Chamou. E nada.Suspirei fundo, frustrado, e abri o WhatsApp. Mandei mensagem. Silêncio. Já tinha deixado aviso na portaria do prédio dela pra me informarem caso ela aparecesse, e até agora, nada.Resolvi tentar mais uma ve
Prólogo : Guilherme narrando : Eu sabia que aquele dia não seria como os outros. Desde o momento em que acordei, uma sensação estranha me acompanhava, como se algo estivesse prestes a acontecer. Algo ruim. O meu instinto gritava, mas eu ignorei. Estava ansioso para ver Camila, para sentir o seu cheiro, para tê-la nos meus braços mais uma vez. Era como um vício, uma obsessão que eu não conseguia controlar. A casa de praia da família dela era o nosso refúgio, o lugar onde podíamos nos esconder do mundo. Onde ela me dizia, entre suspiros e beijos, que nunca sentiu nada igual. E eu sempre acreditei nisso. Eu acreditei que ela era minha, assim como eu era dela. Cheguei lá com o coração disparado. A porta estava entreaberta, como se estivesse me esperando. Algo no silêncio do lugar me incomodou. O som das ondas parecia distante, abafado pela sensação sufocante que tomou conta de mim. Um arrepio percorreu minha espinha. — Camila? — chamei, a minha voz soando estranha até para mi
Capítulo 2 Camila narrando : Eu tinha 17 anos e, naquela época, o meu mundo ainda era a escola. Eu estava acostumada com aquele ambiente, com a rotina de ser a filha da família rica que todo mundo respeitava, ou, se fosse o caso, temia. Eu não me importava muito com isso, na verdade. Tinha meus amigos, as minhas coisas, e um futuro aparentemente já traçado. Mas tudo mudou quando ele apareceu. Ele estava no meu último ano de escola, mas era novo, um novato que parecia ter saído de algum lugar muito distante da minha realidade. Eu lembro bem do primeiro dia em que ele entrou na sala, com aquele olhar desconfiado, como se estivesse analisando cada pessoa, cada detalhe do lugar. Ele era diferente de todos os meninos que eu já conhecia, e não era só pelo jeito de andar, mais solto, mais confiante de uma maneira que eu não sabia explicar. Eu tinha acabado de sentar no meu lugar, perto da janela, quando ele entrou. Seu nome era Guilherme, e logo ele virou o assunto da turma. Gênio dos
Capitulo 3 :Camila narrando :Continuação :Uma tarde, depois da aula de história, ele me abordou novamente. Dessa vez, sem me pedir nada, sem um livro para pegar emprestado. Ele apenas se aproximou da minha mesa e ficou em silêncio por alguns segundos, como se estivesse decidindo o que dizer. O olhar dele estava mais intenso do que nunca.— Camila... — ele começou, com uma voz calma, mas que soava mais séria do que de costume. — Eu... eu não sei o que você pensa de mim, mas eu não sou como os outros. E eu sei que nem deveria estar falando com você,.mas eu não aguento mais guardar isso pra mim.Eu não sabia o que responder. Não estava esperando aquilo, mas ele parecia estar falando direto ao meu coração. Como se tudo o que eu temia, todas as barreiras que eu tentava colocar entre nós, estivessem sendo desfeitas com aquelas palavras simples.— Eu sei o que você quer dizer — respondi, com a voz trêmula, sem saber ao certo o que estava sentindo. — Mas não é tão simples assim.Ele me olh
Capítulo 4Guilherme narrando :Acordar cedo sempre fez parte da minha rotina. O despertador toca antes do sol nascer, e eu já sei o que me espera: mais um dia de luta. Minha mãe, Dona Lúcia, já está de pé antes de mim, preparando o café simples, que na maioria das vezes é só café puro mesmo, sem pão, sem leite. Quando tem, é porque algum dinheiro sobrou ou porque ela conseguiu trazer algo da casa onde trabalha como empregada.Moro num bairro humilde, de ruas esburacadas e casas pequenas que se amontoam umas sobre as outras. O tipo de lugar onde, quando chove forte, as vielas alagam e a água entra pelas frestas da porta. Mas esse é o meu lugar. Cresci aqui, aprendi a me virar aqui. Minha mãe fez de tudo pra me manter longe dos problemas, e foi por causa dela que eu sempre levei os estudos a sério.Eu estudo numa escola de elite, mas não porque minha família tem dinheiro. Entrei lá porque ganhei uma bolsa integral, dessas que só oferecem pra alunos que se destacam. Sempre fui bom com n