4- Guilherme

Capítulo 4

Guilherme narrando :

Acordar cedo sempre fez parte da minha rotina. O despertador toca antes do sol nascer, e eu já sei o que me espera: mais um dia de luta. Minha mãe, Dona Lúcia, já está de pé antes de mim, preparando o café simples, que na maioria das vezes é só café puro mesmo, sem pão, sem leite. Quando tem, é porque algum dinheiro sobrou ou porque ela conseguiu trazer algo da casa onde trabalha como empregada.

Moro num bairro humilde, de ruas esburacadas e casas pequenas que se amontoam umas sobre as outras. O tipo de lugar onde, quando chove forte, as vielas alagam e a água entra pelas frestas da porta. Mas esse é o meu lugar. Cresci aqui, aprendi a me virar aqui. Minha mãe fez de tudo pra me manter longe dos problemas, e foi por causa dela que eu sempre levei os estudos a sério.

Eu estudo numa escola de elite, mas não porque minha família tem dinheiro. Entrei lá porque ganhei uma bolsa integral, dessas que só oferecem pra alunos que se destacam. Sempre fui bom com números, sempre gostei de aprender. No começo, achei que estudar numa escola de gente rica seria uma vantagem. Mas logo percebi que ali eu era um estranho. Um intruso.

Desde o primeiro dia, os olhares me acompanharam. O garoto que não pertencia àquele lugar. O filho da empregada. O bolsista. No começo, me incomodava. Depois, aprendi a ignorar. Eu sabia que meu objetivo era outro. Eu estava ali para estudar, para me formar e mudar minha vida e a da minha mãe.

Ela sempre dizia:

— Guilherme, você tem que ser forte. O mundo não vai facilitar pra gente.

E eu entendia. Eu via isso todos os dias.

Na escola, a maioria dos alunos nem falava comigo. Eu era quase invisível. Mas tinha alguns que faziam questão de lembrar que eu não era um deles. Comentários baixos, risadas debochadas, perguntas disfarçadas de curiosidade:

— Como é morar num lugar assim?

— Sua mãe trabalha pra alguém daqui?

Eles tentavam me diminuir, mas eu nunca dei esse gosto pra eles. Nunca deixei transparecer o que eu sentia. Sempre segui em frente, cabeça erguida.

Até conhecer Camila.

Ela não era como os outros. No começo, achei que fosse. Rica, cercada por amigos que pareciam viver em outro mundo, diferente do meu. Mas algo nela me chamava atenção. Talvez o olhar curioso, talvez o jeito como parecia diferente, mesmo sendo igual a eles.

O primeiro contato foi breve. Um livro emprestado, uma troca de palavras rápidas. Mas foi o suficiente pra eu perceber que ela não me via como os outros viam. Ela olhava pra mim de um jeito diferente. Como se tentasse entender quem eu era de verdade.

E isso me assustou.

Porque eu sabia que, naquele mundo, gente como eu e gente como ela não se misturavam. Eu sabia que, por mais que algo começasse a crescer entre nós, as barreiras sempre estariam lá.

Mas, mesmo sabendo disso, eu não consegui me afastar. Camila era um risco, mas era um risco que eu queria correr.

Eu estava no último ano da escola. A reta final de uma jornada que parecia interminável, mas que, ao mesmo tempo, passava rápido demais. Eu sabia que, dali em diante, minha vida ia mudar. E eu queria que mudasse.

Eu já tinha feito uma prova pra uma nova bolsa de estudos, dessa vez pra faculdade. Administração. Era isso que eu queria. Sempre gostei de números, de estratégia, de entender como as coisas funcionam. Meu sonho era, um dia, ser dono de uma empresa. Mudar minha história. Mudar a história da minha mãe.

Eu acreditava que ia conseguir. Não era só um desejo distante, era um plano. Eu tinha estudado, tinha me preparado. Sabia que a concorrência era grande, mas eu não podia me dar ao luxo de duvidar de mim mesmo. Minha mãe sempre dizia que pensamento tem poder. E eu me agarrava nisso.

— Você vai conseguir, filho. Deus não fecha uma porta sem abrir outra. — Ela me lembrava sempre que me via estudando até tarde.

Eu queria dar orgulho pra ela. Queria que ela não precisasse mais acordar de madrugada pra pegar dois ônibus e ir limpar a casa dos outros. Eu não aceitava a ideia de que a gente tinha que viver pra sempre daquele jeito.

Mas, ao mesmo tempo que meu futuro parecia cada vez mais próximo, meu presente ficava mais confuso.

Porque agora tinha Camila.

E eu não sabia onde ela se encaixava nesse plano todo.

O futuro parecia cada vez mais próximo. Eu passava as tardes estudando, revisando tudo que podia pra garantir aquela bolsa. Administração era o meu caminho, minha chance de sair da vida que eu levava. Eu queria mais. Queria ter o meu próprio negócio, construir algo grande, mostrar que eu era capaz.

Mas, ao mesmo tempo, Camila estava ali. Bagunçando minha mente de um jeito que eu não esperava.

Ela era diferente. Eu via isso nos detalhes. No jeito que me olhava sem aquele ar de superioridade que a maioria dos alunos tinha. No jeito que parecia querer conversar comigo, entender quem eu era. Mas também via que ela estava dividida. Era como se existisse uma barreira invisível entre nós, algo que ela queria ignorar, mas não conseguia. E eu entendia.

O mundo dela não era o meu. Eu morava num bairro humilde, pegava dois ônibus pra chegar na escola, dividia um quarto pequeno com minha mãe. Ela cresceu em uma casa enorme, com tudo do bom e do melhor. O que pra mim era sonho, pra ela era o básico. E, por mais que parecesse enxergar além das aparências, eu sabia que a gente vivia em realidades completamente diferentes. Mesmo assim, eu não conseguia me afastar.

Cada encontro, cada conversa, por menor que fosse, fazia eu me perguntar até onde aquilo podia ir. Será que ela teria coragem de enfrentar o que viesse pela frente? Será que eu teri

Porque uma coisa era certa: se a família dela descobrisse, ia ser guerra.

Continua.....

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