Capítulo 6
Camila narrando : Cheguei na frente de casa, eu desci do carro do meu motorista, ainda com a cabeça cheia de pensamentos e o coração ainda acelerado. O dia foi mais intenso do que eu imaginava, e quando entrei pela porta, uma sensação de tristeza me tomou conta, eu sabia que provavelmente meu pai já estava em casa e já ia começar com a conversa de sempre. Quando entrei em casa, fechei a porta atrás de mim, tentando deixar a bagunça de sentimentos e os olhares carregados do dia fora. O silêncio da casa parecia mais pesado do que o normal. A casa era enorme, na verdade morávamos em uma mansão de um condomínio de luxo, a casa estava em silêncio, até que eu escutasse a voz dele. Meu pai. Eu nunca soube como lidar com ele. Depois que minha mãe morreu, as coisas pioraram. Ele ficou mais fechado, mais rígido. Eu nunca soube se ele realmente me via ou se apenas me tolerava. Ele já tinha começado com as indiretas antes de eu sair, e agora, quando entrei, ele já estava em modo "preocupação" do jeito dele, claro. — Chegou, Camila? — Ele disse de dentro da sala, sem sequer olhar pra mim, como se o mundo lá fora fosse mais importante. Fui até lá, respirando fundo, tentando não deixar a bagunça de sentimentos me controlar. — Cheguei, pai. Ele levantou os olhos e me olhou com uma expressão que misturava impaciência com aquela dureza de sempre. — Camila, já falei pra você sobre o filho do Saulo? — ele perguntou, sem nem olhar pra mim, enquanto mexia em algo na sala. — Arranjar casamento pra você não é difícil, não. Vai ser bom pro seu futuro. Eu já estou ajeitando tudo com ele pra vocês se conhecerem. Eu engoli em seco. Ele sempre fazia isso, falava como se minha vida fosse um simples negócio que ele tivesse que "arranjar". Eu era apenas mais um item na lista de desejos dele, e tudo que ele queria era me ver casada com alguém importante, alguém que ele achava que ia me dar uma vida "boa". Ele nunca entendia que o que eu queria era mais que isso. — Não vou ficar aqui, vivendo no seu mundo, pai — disse, tentando não gritar, tentando manter a calma. Ele me olhou, um olhar vazio. — Claro que vai. O que você tem a oferecer além disso? — Ele se virou pra mim, sem um pingo de paciência. — Você é bonita, Camila, mas se continuar nessa de querer ser "diferente", vai acabar quebrando a cara. Eu não aguentei. As palavras dele estavam pesadas demais. Fui pro meu quarto, antes que eu explodisse ali mesmo. Fechei a porta e me joguei na cama, sentindo uma lágrima escorrer pelo meu rosto. Eu me sentia sufocada, como se não tivesse espaço pra respirar, pra ser quem eu realmente queria ser. O que eu queria não era casar com o "filho de empresário" que ele escolhesse, não era seguir a vida que ele pensava ser melhor pra mim. Eu só queria ser feliz, ser eu mesma. E foi aí que a porta do meu quarto se abriu, e Maria, nossa babá, entrou. Ela sempre foi a única pessoa que me entendia, a única que realmente se importava comigo, sem querer que eu fosse alguém que eu não era. — Camila... — ela disse, sentando na beirada da cama e me olhando com aqueles olhos preocupados. Maria tinha sido a mãe que eu nunca tive depois da morte da minha mãe. Ela sempre foi firme, mas tinha um jeito suave de me confortar. — Ele está arrumando um casamento pra mim, Maria... Eu não aguento mais. Ele nunca vai entender. Maria passou a mão em meus cabelos, com aquela calma que só ela sabia ter. — Eu sei, minha filha. Sei que é difícil, mas você tem que lembrar que você tem o controle da sua vida, tá? Você tem mais força do que pensa. E, quem sabe, um dia ele vai ver o que você realmente é. Eu enxuguei as lágrimas, sentindo um alívio momentâneo. Maria sempre sabia o que dizer, sempre soube me levantar quando tudo parecia desabar. — Eu só queria que ele me entendesse, Maria. Que ele visse que eu não sou só uma mercadoria, poxa, eu sou a filha dele. Maria me abraçou, apertando-me contra ela. — Eu sei. Mas, por enquanto, você tem que ser forte. E lembra de que você não está sozinha, tá? Eu só assenti, sentindo que, apesar de tudo, Maria era a única pessoa no mundo que realmente me apoiava. Ela sempre estaria ao meu lado. E isso, por mais simples que fosse, era o suficiente para me fazer seguir em frente. Eu me encolhi na cama, com as lágrimas escorrendo sem parar, enquanto as palavras do meu pai ainda ecoavam na minha cabeça. A injustiça, a dor e a sensação de que eu não tinha escolha... Tudo parecia tão esmagador. — Por que ele não faz isso com o meu irmão? — Eu perguntei, com a voz quebrada de tanto chorar. — Ele nunca exige que ele arrume casamento... Por que é sempre comigo? Maria suspirou e se sentou ao meu lado, passando a mão nos meus cabelos, tentando me acalmar. — Porque seu irmão... ele é igual a ele, minha filha. Você sabe disso. — Ela disse com calma, como se fosse uma verdade dura, mas inevitável. Eu solucei e fechei os olhos. Sabia que ela estava certa. Meu irmão sempre foi como o meu pai. Desde pequeno, parecia ter sido moldado para seguir os passos dele. Ele se importava apenas com os negócios, com a empresa e com o dinheiro. O resto, incluindo a família, parecia ser apenas uma formalidade para ele. — Meu irmão é igualzinho ao meu pai... só pensa nele mesmo. Só quer saber de grana, de status... — Eu disse, a dor no peito se tornando mais forte. — Nunca fui boa o suficiente pra ele. Nunca fui o que ele esperava. Maria me abraçou apertado, tentando me dar o conforto que eu tanto precisava, mas que, no fundo, eu sabia que não conseguiria encontrar facilmente. — Eu sei, minha filha, sei o quanto isso dói. Mas você não é igual a eles. Você tem um coração puro, uma alma que brilha, e um dia você vai encontrar o seu caminho. Não deixe que eles te digam o que você deve ser. Você vai ser muito mais do que eles jamais imaginaram. Eu me afastei um pouco, enxugando as lágrimas com raiva e tristeza. — Às vezes eu só queria que as coisas fossem diferentes... Que meu pai, que meu irmão, me vissem de outra forma. Que eles parassem de me comparar a eles... Mas não adianta. Eles não me veem. Maria ficou em silêncio por um momento, me observando com uma compreensão silenciosa. — Eu sei que parece difícil, mas um dia as coisas vão mudar, Camila. Não sei como, mas sei que você tem muito mais dentro de você do que eles podem ver. E o mais importante: você não precisa ser como eles. Eu respirei fundo e tentei me recompor. Eu queria acreditar no que Maria dizia, queria que suas palavras me dessem a força que eu precisava para seguir em frente. Mas, no fundo, as dúvidas ainda estavam lá. Como eu poderia ser diferente de tudo que me foi imposto? Como conseguiria mudar meu destino, quando ele parecia já traçado? Continua.....Capítulo 7Guilherme narrando :O caminho pra casa nunca pareceu tão leve. Dois ônibus lotados, uma caminhada longa até minha rua de chão batido, mas nada disso importava. Minha cabeça ainda tava no momento em que eu encostei meus lábios nos dela. Camila.Nunca pensei que um beijo pudesse mexer tanto comigo. Foi rápido, tímido, mas foi nosso. E quando ela me olhou com aqueles olhos brilhando de nervoso e confessou que nunca tinha beijado ninguém antes, meu coração quase saiu pela boca. Porque eu também nunca tinha. Mas com ela... com ela parecia que eu já sabia exatamente o que fazer.O segundo ônibus freou bruscamente, me tirando dos meus pensamentos. Desci e caminhei até em casa, desviando dos buracos da rua, só com os postes piscando, como sempre.Quando abri a porta, o cheiro forte de óleo e farinha frita tomou conta do ar. Minha mãe tava na cozinha, mexendo uma panela velha com um olhar concentrado.— Oi, mãe — falei, jogando a mochila num canto e me aproximando.Ela levantou o o
Capítulo 8Camila narrando :A tarde passou arrastada. Tentei focar nos estudos, mas minha cabeça só conseguia voltar pra aquele momento na escola, pro jeito que Guilherme me olhou antes de me beijar. Eu sentia um frio na barriga só de lembrar.Peguei o notebook e abri os materiais pra estudar, mas a cada parágrafo lido, minha mente voltava pra ele. Só então me dei conta de um detalhe importante: eu não tinha pedido o número do celular dele.— Como eu fui esquecer isso? — murmurei, frustrada, me recostando na cadeira.Eu queria tanto falar com ele, saber como tinha sido o dia dele depois da escola, se ele tava pensando em mim também… Mas agora ia ter que esperar até amanhã.Suspirei e tentei voltar a estudar, mas as palavras na tela do notebook pareciam embaralhadas. Meu cérebro se recusava a prestar atenção.Foi quando ouvi batidas suaves na porta.— Minha menina, trouxe um lanchinho pra você — Dona Maria entrou com uma bandeja, um sorriso carinhoso no rosto.Olhei pra bandeja, mas m
Capítulo 9Guilherme narrando :O dia começou cedo, como sempre. Acordei antes do sol, o que já era rotina. O cheiro de café forte, que minha mãe fazia todos os dias, já estava no ar, mas eu ainda sentia aquele cansaço nas costas. Vida de quem mora longe, estuda em escola particular e tenta dar o melhor de si não é fácil, mas era o que eu tinha.Tomei um banho rápido, só pra acordar de vez, e me vesti com a roupa que eu tinha de melhor: uma camiseta que já tava meio velha e um jeans que não era dos melhores, mas servia. Eu não me importava muito com isso. O que eu queria mesmo era sair e conquistar minha vida, o resto… era só detalhe.Saí de casa, tentando não pensar muito no que estava por vir. Peguei o primeiro ônibus, depois o segundo, e como sempre, fiquei olhando pela janela, pensando em tudo e ao mesmo tempo em nada. Pensava na bolsa que me sustentava na escola, nos meus planos pro futuro, e também, por mais que eu tentasse esconder, nela. Na Camila.Cheguei na porta da escola,
Capítulo 10Guilherme narrando :O dia passou mais rápido do que eu esperava. Talvez fosse porque minha cabeça estava em outro lugar. A cada intervalo entre as aulas, eu me pegava olhando pra Camila. Ela estava algumas fileiras à frente, concentrada no caderno, mas vez ou outra, eu percebia que ela também me olhava. Era engraçado, porque parecia que a gente já tinha essa conexão, mesmo sem se conhecer direito.Quando a última aula terminou, meu coração acelerou. O combinado tava de pé: tomar um sorvete com ela antes de ir pro meu primeiro dia de trabalho.Saímos juntos pelo portão da escola, e ela me guiou até uma sorveteria ali perto. Eu nunca tinha entrado nesse tipo de lugar. Tudo era tão organizado, bonito e caro. Me senti meio deslocado, mas tentei não demonstrar.— Escolhe o que você quiser — ela disse, com um sorriso, enquanto pegava o cardápio.— Não precisa, Camila, sério. Qualquer coisa tá bom — respondi, tentando não me sentir um peso.Ela revirou os olhos, como se eu tives
Capítulo 11Camila narrando :Cheguei em casa e, como esperado, meu pai não estava. Ele sempre chegava tarde, ocupado demais com reuniões e jantares de negócios. Meu irmão, provavelmente, também estava fora, cuidando dos interesses da família. Isso significava que, pelo menos por algumas horas, eu teria paz.Subi direto pro meu quarto, joguei a bolsa na cama e soltei um suspiro longo. O dia tinha sido intenso. O beijo de Guilherme ainda não saía da minha cabeça, e o jeito que ele me olhava… Era diferente de tudo que eu já tinha sentido.Me joguei na cama e fiquei encarando o teto, um sorriso bobo escapando sem que eu percebesse. Eu queria mandar mensagem pra ele, falar qualquer coisa, mas me lembrei que ele não tinha celular. Isso me pegou de jeito. Eu nunca tinha parado pra pensar que alguém da nossa idade poderia não ter um telefone. Minha realidade sempre foi tão diferente…Fechei os olhos, lembrando da nossa conversa na porta da escola. O jeito que ele ficou sem graça ao dizer que
Capítulo 12Camila narrando :Continuação :Nos sentamos à mesa, e eu fiz o possível para fingir que aquele jantar não era uma sentença. Meu pai estava animado, conversava com Albert sobre negócios, investimentos, tudo aquilo que eu nunca me importei de verdade. Meu irmão, como sempre, fazia seu papel de herdeiro exemplar, apoiando cada palavra do nosso pai, rindo das piadas sem graça e mostrando interesse em cada detalhe da conversa.— E então, Camila, como estão seus estudos? — Albert perguntou, me olhando com um sorriso calculado.Engoli seco e ajeitei o guardanapo no colo antes de responder.— Vão bem — disse simplesmente, sem vontade de prolongar o assunto.— Seu pai me disse que você está pensando em administração. Ótima escolha. Quem sabe um dia podemos trabalhar juntos? — Ele sorriu, como se aquela ideia fosse maravilhosa.Meu pai lançou um olhar de aprovação, claramente satisfeito com o rumo da conversa.— Isso seria excelente — ele disse. — Camila precisa de um homem como vo
Capítulo 13Guilherme narrando :Cheguei em casa e a luz da sala ainda tava acesa. Suspirei, já imaginando minha mãe sentada no sofá, esperando eu entrar pela porta.Girei a chave na fechadura devagar, mas foi inútil. Assim que abri a porta, lá estava ela, de braços cruzados e um olhar que misturava alívio e bronca.— Achei que você ia dormir no café — ela soltou, levantando da poltrona.Dei um sorrisinho sem graça, largando a mochila num canto.— O movimento foi puxado hoje. Mas foi bom, mãe. Gostei do trampo.Ela me olhou de cima a baixo, como sempre fazia, conferindo se eu tava bem.— Cansado?— Um pouco — admiti, me jogando no sofá. — Mas valeu a pena.Ela suspirou, indo até a cozinha. Em segundos, voltou com um prato de comida e colocou na mesinha de centro.— Come. Fiz arroz e feijão fresquinho.Meu estômago roncou só de sentir o cheiro. Peguei o garfo e comecei a comer, enquanto minha mãe se sentava ao meu lado.— E a escola? Tudo certo?Assenti de boca cheia.— Tudo sim.Ela e
Capítulo 14Guilherme narrando:Um mês depois :O tempo passou depressa. Num piscar de olhos, já tava nos últimos dias de aula, e parecia que tudo tinha mudado num curto espaço de tempo.No café, me esforcei tanto que a Patrícia acabou me promovendo. Agora, além de atender, eu também trabalhava no caixa, e isso significava que eu ganhava um pouco mais. Não era muita coisa, mas já ajudava em casa. Minha mãe ficou orgulhosa quando contei, e aquilo me deu um gás a mais pra continuar dando o meu melhor.Mas o que mais tinha mudado nesse mês… era o que eu sentia pela Camila.A cada dia que passava, eu tava mais apaixonado por ela. No começo, achei que fosse só aquela empolgação de algo novo, mas não… Era mais que isso. Todo dia, depois da aula, a gente ficava junto. Às vezes, era só uma conversa na pracinha perto da escola, outras, ela me levava pra conhecer lugares que eu nunca teria ido sozinho.E o jeito que ela me olhava… como se eu fosse alguém especial. Isso me pegava de um jeito que