7 - Guilherme

Capítulo 7

Guilherme narrando :

O caminho pra casa nunca pareceu tão leve. Dois ônibus lotados, uma caminhada longa até minha rua de chão batido, mas nada disso importava. Minha cabeça ainda tava no momento em que eu encostei meus lábios nos dela. Camila.

Nunca pensei que um beijo pudesse mexer tanto comigo. Foi rápido, tímido, mas foi nosso. E quando ela me olhou com aqueles olhos brilhando de nervoso e confessou que nunca tinha beijado ninguém antes, meu coração quase saiu pela boca. Porque eu também nunca tinha. Mas com ela... com ela parecia que eu já sabia exatamente o que fazer.

O segundo ônibus freou bruscamente, me tirando dos meus pensamentos. Desci e caminhei até em casa, desviando dos buracos da rua, só com os postes piscando, como sempre.

Quando abri a porta, o cheiro forte de óleo e farinha frita tomou conta do ar. Minha mãe tava na cozinha, mexendo uma panela velha com um olhar concentrado.

— Oi, mãe — falei, jogando a mochila num canto e me aproximando.

Ela levantou o olhar e sorriu cansada.

— Oi, meu filho. Chegou tarde hoje.

— Tive que esperar o ônibus. Lotado como sempre.

Olhei pra panela e vi que ela tava fazendo reviro de farinha de trigo. Era uma mistura simples, farinha frita com um pouco de água e sal, que a gente comia quando não tinha mais nada.

— Não tinha outra coisa, né? — perguntei, já sabendo a resposta.

Ela suspirou, mas manteve o sorriso.

— Tá tudo certo, filho. Isso aqui sustenta.

Olhei pra ela, vendo o quanto tava magra, o quanto os olhos dela carregavam um cansaço que eu sabia que vinha da vida dura que levava. Isso me apertou por dentro.

— Mãe... eu vou arrumar um emprego. Eu posso ajudar em casa, comprar as coisas...

Ela largou a colher na panela e me olhou séria.

— Guilherme, não. Você só tem que estudar. Eu me viro, sempre me virei.

— Mas mãe...

— Mas nada. Eu não passei tudo que passei pra ver meu filho largando o futuro por causa de dinheiro. Eu criei você pra ser alguém, não pra ficar se matando de trabalhar igual a mim.

Fiquei quieto. Eu entendia o que ela queria dizer, mas não era justo. Não era justo ver ela se sacrificando enquanto eu só estudava, dependendo dessa bolsa como se fosse a única coisa que me restava.

— Só mais um mês, filho — ela continuou, com a voz mais suave. — Só mais um mês e ano que vem você vai tá na faculdade, vai ser o orgulho dessa casa.

Suspirei e assenti.

— Tá bom, mãe.

Ela sorriu de novo e voltou a mexer a panela.

— Agora senta aí e come.

Sentei, ainda sentindo o gosto do beijo da Camila nos lábios. Tinha sido um dia incrível, mas a realidade sempre me puxava de volta. Eu sabia que minha mãe tinha razão, mas ao mesmo tempo, eu não queria mais ver ela sofrendo.

Eu precisava encontrar um jeito de mudar isso. E um dia, eu ia mudar.

Depois do jantar simples, fiquei ajudando minha mãe a lavar a louça enquanto a casa tava silenciosa, só com o barulho da água correndo e dos pratos se chocando. Eu ainda tava pensando em Camila, no beijo, no jeito dela, mas ao mesmo tempo, aquela conversa com minha mãe martelava na minha cabeça.

Foi aí que bateram na porta.

— Eu atendo — falei, enxugando as mãos na bermuda e indo até lá.

Quando abri, vi dona Sônia, nossa vizinha da frente. Ela morava sozinha e sempre passava aqui pra conversar com minha mãe.

— Boa tarde, Guilherme! — ela cumprimentou animada, já entrando.

— Oi, dona Sônia — minha mãe sorriu. — Senta aí, quer um café?

— Não precisa, tô passando rapidinho. É que lembrei de vocês e quis visitar!

Ela olhou pra mim e depois pra minha mãe.

— Minha irmã, a Jandira, tá precisando de alguém pra trabalhar no café dela. É ali no centro, pertinho daquela escola grande, sabe?

Meu coração acelerou na hora.

— Qual o horário? — perguntei antes mesmo da minha mãe responder.

— Das duas até umas sete da noite, mais ou menos. É coisa simples, só atender no balcão e limpar as mesas. Mas ela paga direitinho e ainda dá um lanche no fim do expediente.

Olhei pra minha mãe, que já tava me fuzilando com o olhar.

— Mãe, é perfeito pra mim! — me adiantei. — Dá pra eu sair da escola e ir direto pra lá. Não atrapalha os estudos e ainda consigo ajudar aqui em casa.

— Guilherme... — minha mãe começou, suspirando.

— Mãe, por favor — insisti. — Eu preciso fazer isso.

Ela apertou os lábios e ficou me olhando por alguns segundos, como se tivesse lutando contra os próprios pensamentos.

— Seu estudo vem primeiro — ela disse firme.

— Eu prometo que não vou deixar isso atrapalhar nada — garanti.

Dona Sônia sorriu.

— Então já posso avisar a Jandira que ele vai amanhã fazer um teste?

Minha mãe suspirou de novo e balançou a cabeça.

— Pode... mas se ele começar a ir mal na escola, ele sai.

Segurei um sorriso.

— Obrigado, mãe!

— Você que vai me agradecer quando tiver caindo de sono na aula — ela resmungou, mas vi um pequeno sorriso no rosto dela.

Dona Sônia riu.

— Então tá combinado. Amanhã passa lá, Guilherme. E capricha, viu?

— Pode deixar!

Quando ela foi embora, me joguei no sofá com um suspiro aliviado. Era minha chance. Eu ia trabalhar, ia ajudar em casa e ainda ia conseguir manter meu foco no que realmente importava: meu futuro.

E, no fundo, uma parte de mim também queria impressionar Camila. Mesmo sem ela saber, eu queria ser alguém que merecesse estar ao lado dela. Pelo menos poder pagar um sorvete pra ela.

Continua .....

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