Hoje cedo, dei um beijo no meu noivo ao sair para trabalhar no meu sedã branco, encontrei Rachel para o almoço no salão de festas que contratei para a festa de casamento. Até aquele momento eu não podia imaginar que uma sequência de acontecimentos iam me trazer onde estou pondo os pés agora.
Devia ter anoitecido em algum momento no trajeto até a delegacia, mas eu nem mesmo pude perceber, estava apenas sendo levada pela maré direto para o fundo. A ante sala da delegacia estava bem iluminada por um excesso de lâmpadas fluorescentes que pareciam refletores virados para mim. Ofuscando minha visão ao olhar para o policial que me algemou. Ele disse que eu teria que falar com o delegado de plantão e depois poderia ligar para alguém. Fui levada até o delegado, um homem robusto de meia idade com olhos cansados. Ele estava atrás de uma mesa bagunçada falando estridente com alguém no telefone. Assim que me viu ao lado do policial parado na porta, interrompeu a ligação. — Ótimo, encerrando o ciclo. — disse ele, olhando para mim ao desligar. “Encerrando o ciclo” As palavras me acertaram como um tapa na cara. Encerrando o ciclo, isso se repetiu na minha cabeça. Essa foi a exata frase que a cigana havia dito horas antes. Claro! A lembrança da cigana com aquela m*****a carta na mão voltou com clareza na minha mente. Senti um calafrio percorrer minha espinha. Não acredito que isso seja magia, maldição ou seja lá o que ela faz, mas isso tem a ver com ela. Resmunguei um palavrão. — Está esperando o quê? Sente-se. O grave da voz do delegado impaciente me trouxe de volta à realidade e eu obedeci. O policial fechou a porta e eu estava por mim mesma agora. — Nora Jason Baker, certo? — ele começou, olhando para os papeis na mesa. — Você pode me explicar o que aconteceu. Como? — Senhor, eu não vi a moto… estava... — tentei dizer o que eu lembrava mas ele me interrompeu. Ele se debruçou no encosto da cadeira e dobrou a perna, relaxando as costas antes de me encarar. — Você avançou um sinal vermelho, sra Baker. Um homem está no hospital, gravemente ferido. — Ele rosnou. — E se ele não sobreviver, já pensou nisso? Meu peito doeu. Eu não parava de pensar nisso nem por um minuto desde o momento que aconteceu. E essas palavras não aliviam em nada a dor da incerteza perfurando meu peito como uma faca. — Eu preciso saber como ele está, por favor. — No hospital e não temos mais informações no momento. Mas, sra Baker, é melhor que ele se recupere caso contrário terá sérios problemas. — ele recolheu os papeis enquanto falava, — Agora, pode fazer uma ligação e depois o policial a levará ao local onde passará a noite. Me aproximei da mesa entrando em pânico. — Eu vou ficar presa? — Talvez, mas nesse caso cabe fiança. Engoli em seco, com o coração acelerado. — Quanto? — 23 mil dólares. Se não pagar, ficará aqui até sua audiência. — Ele disse empurrando um papel para eu assinar . O pânico se instalou em mim. Não tenho todo esse dinheiro. E para quem vou ligar, Rachel nem mesmo sabe que estou aqui. A última vez que a vi foi justamente onde toda essa merda começou, como vou explicar isso? E Chayse, ela com certeza tentou me ligar por não ter aparecido para o evento com os artistas na galeria… contar a Chayse seria uma escolha ainda mais difícil. O delegado recolheu o papel que eu tinha assinado e disse: — Vou deixá-la. Você pode usar o telefone desta fala, seja breve. Depois de minutos hesitando, peguei o telefone em cima da mesa e agradeci mentalmente por saber o número de Chayse na cabeça e liguei. Ela logo atendeu. — Alô, Chayse, sou eu, Nora. Ouça, eu… eu estou na delegacia. Aconteceu um acidente. Eu preciso de ajuda para pagar a fiança. Prometo explicar tudo depois. Mas por favor, não conte a ninguém. — minha voz falhou enquanto as lágrimas queriam voltar a escorrer. — Nora? O que aconteceu? Estou no evento, eu vou demorar. Do outro lado da linha eu não sabia o que dizer. — Como você está, Nora? Me passa o endereço e eu farei o possível para chegar aí o mais rápido possível. — Estou bem, mas ele… ele está no hospital. Você pode saber alguma notícia do homem, por favor, Chayse. — Ok, vou resolver isso. Dê-me algumas horas. Preciso sair do evento e encontrar meu advogado. Deixe eu falar com o policial. — Chayse disse firme. Depois que falei com Chayse o delegado voltou e dessa vez ele foi compreensível, permitiu que eu esperasse por ela na sala ao lado, assim não seria preciso ficar em uma cela. Respirei aliviada. A sala era um anexo da recepção. As paredes de vidro ao redor eram um lembrete que eu estava sendo vigiada de todos os lados, como uma criminosa. Olhei para o relógio pela vigésima vez, parecia girar para trás. Sentei numa das cadeiras encostadas na parede de vidro sentindo meu corpo esgotado. O cheiro forte de café revirou meu estômago. Estava cansada física e mentalmente, exausta de tudo. Queria deitar e esquecer tudo que aconteceu, desejando que tudo não passasse de um pesadelo. Fechei os olhos me permitindo um pouco de descanso, mas meu corpo foi teleportado contra minha vontade para o acidente. Eu estava ajoelhada ao lado dele rezando para que ele estivesse vivo. Seu corpo forte estava imóvel no chão, como um boneco sem vida. Talvez eu tivesse notado algo mais grave se não estivesse tão atordoada, mas só consegui ver aquele ferimento na altura da coxa, onde a calça preta estava rasgada. De repente senti uma mão no meu ombro e imediatamente meus olhos se abriram. Era Chayse. Num impulso, me coloquei de pé e a abracei. Graças a deus. — Nora.. Me afastei aliviada. — Oh, Chayse, que bom que você está aqui! — Claro que estou. Espere aí um segundo, já volto. Chayse e o advogado caminharam até o delegado, assinaram os papeis da fiança e ela voltou até mim. Ela sempre era direta, prática, em poucos minutos estava tudo resolvido. E eu podia ir para casa, mas que casa? Senti a tristeza voltar. A meses eu e Dean morávamos juntos na casa que ia ser nossa depois do casamento. A verdade é que eu até podia não ter percebido que Dean me traia, mas perdoar, isso era demais pra mim. Em algum momento eu teria que voltar e pegar minhas coisas e também precisava por um fim de verdade, mas esse momento não era agora. Nem mesmo para pegar minhas coisas. Meu apartamento. Eu vou para lá. — Vamos. — Chayse murmurou enquanto saíamos da delegacia — Martin está esperando por nós no carro, vamos levar você pra casa. Assim que entramos no carro, Martin, marido de Chayse perguntou o endereço e eu tive que dizer que não voltaria para a casa do Dean. Levei algum tempo para finalmente conseguir falar o motivo que levou tudo isso. As palavras pareciam entaladas na minha garganta como um nó, então eu cuspi de uma vez. — Não vai ter casamento, Dean tem uma amante! Depois de resumir o dia, Chayse ofereceu sua casa para que eu passasse a noite, mas recusei. Então, Martin dirigiu em direção ao meu apartamento. Poucos minutos o carro estacionou no Moriland. Abracei ela novamente e antes de eu sair ela me disse: — Nora o delegado me mostrou o relatório. O homem está no hospital Center Medical. Meu coração soltou. A primeira coisa que pensei foi em ir imediatamente ao hospital, mas ela me impediu. — Você precisa descansar e tomar um banho. Amanhã, mais tranquila você vai no hospital. E outra coisa — ela disse deslizando o dedo na tela do celular e virou pra mim — tirei essa foto do relatório. Era ele. O homem do acidente, sem capacete, desacordado em uma maca no hospital. Minha respiração estava acelerada. Peguei o celular. O rosto dele parecia esculpido, com traços fortes. A pele era pálida, mas não tinha hematomas. Um alívio surgiu em mim. O homem cuja eu quase matei tinha uma perfeição sombria, lábios cerrados, a linha do maxilar dura como se tentasse conter a dor. Senti um nó na boca do estômago ao olhar para ele. Eu gostaria de ter sido eu no seu lugar!Abri os olhos, da pequena janela do quarto, o céu apareceu alaranjado ao nascer do sol. Estiquei-me sobre o colchão. Que noite horrível, meu corpo estava moído, eu precisava comprar uma cama urgentemente. Me sentei devagar, esfregando os olhos que deviam estar cheios de olheiras roxas em volta. Eram as consequências dos últimos acontecimentos. Levantei e tomei ar. — Chega, tenho coisas mais importantes para me preocupar. O apartamento estava um grande caos, caixas e alguns móveis que deviam ter ido pro lixo estavam pelos cantos. Olhei pela mesma janela mais uma vez, dava pra ver parte do rio. A rua tranquila e a vizinha antiga foi o que me cativou. Lembrei do dia que encontrei este apartamento, eu tinha acabado a faculdade e pouco dinheiro, e foi aí que o micro apartamento apareceu pra mim. Não podia ser mais perfeito que isso. Até hoje ainda era perfeito. Um pouco vazio e bagunçado, mas perfeito. Abri as portas do armário e encontrei algumas roupas que deveria ter doado. — Graç
O efeito da sedação deve passar em breve — explicou a enfermeira, empurrando a porta de vidro com um movimento suave. — Pode ficar por alguns minutos, só não o toque. Eu não prestei muita atenção no que ela dizia, a única coisa que tomava meus sentidos era a imagem do homem. Seus ombros largos e braços fortes imóveis na cama de hospital. Mesmo assim ele ainda tinha uma figura imponente, que, pra falar a verdade, não combinava em nada com o lugar. Mal podia acreditar que logo ele acordaria e descobriria que não vai lembrar da própria vida. Ele vai me odiar, me processar ou até tentar me matar. Ou tudo isso ao mesmo tempo. Droga! Senti o peso do meu corpo mudar de um pé para o outro e percebi que passei um longo momento ali, parada. Realmente, me mantive paralisada ao lado da cama que claramente não suportava o tamanho dele, mas não era isso que me mantinha concentrada. E sim a forma perfeitamente esculpida de um um homem de verdade, que fora capaz de hipnotizar até mesmo à mim —u
Mergulhei para fora do elevador como um raio. Na recepção, a enfermeira, Shirly, abriu um sorriso largo assim que me viu e deu a volta no balcão de informações. — Ei, Nora, ele está no quarto, — ela anunciou vindo na minha direção— antes, Dr Brown quer falar com você. Venha, vou levá-la até lá. — Há algum problema? Ela abriu uma porta e indicou com a mão para eu passar. — Não, nada. São apenas as orientações de cuidado. Cuidados? Dra Brown estendeu a mão para a cadeira e disse: — Sente-se, não vou tomar muito seu tempo. Só quero deixar algumas orientações. Quando eu continuei em silêncio ele disse: — Os curativos devem ser trocados diariamente e feito a limpeza do ferimento. Vou prescrever uma pomada para acelerar a cicatrização. — E... quanto à medicação? Eles imprimiu um papel. — São analgésicos e um antibiótico. Aqui estão doses específicas, e ele não pode esquecer de tomá-los nos horários certos, ok? — E se ele esquecer? — questionei nervosa Ele se inclinou
— Como alguém pode viver nisso? Revirei os olhos, ofegante. Escancarei ainda mais a porta para, Dean, o estranho desmemoriado entrar. Aparentemente o lugar não foi feito para alguém do tamanho dele, porque agora, o apartamento foi reduzido a um cubículo. Na sala havia um sofá novo, uma TV, uma mesa de escritório com uma pilha de livros que servia de mesa para o telefone no canto, e o básico na cozinha. Era o que me restava da minha vida antes de ter ido morar com Dean Carter. A minúscula janela na sala estava emperrada desde que voltei e o aquecedor estava quebrado, eram coisas que eu tinha que dar um jeito. E rápido. Me apressei, tirei uma caixa de tralhas de cima da mesa. Eu não tinha organizado todas coisas que Chayse trouxe, ainda tava uma bagunça. — Desculpe pela bagunça,— disse enquanto olhava em volta, sentindo-me um pouco envergonhada com a desordem que dominava o apartamento— Eu não tive tempo para nada. Dean me olhou de cima. Seu rosto angular e os olhos negros
Eu ainda estava parada desfazendo as sacolas quando ele voltou para o quarto. Sei que não tenho escolha. Dei minha palavra ao dr Brown. Isso significava que, mesmo contra minha vontade, eu teria que lidar com ele. Senti um calafrio na nuca quando a imagem dele apareceu na minha mente. É apenas um curativo, nada de mais. Me convenci. Peguei a sacola com os remédios, bandagem, pomadas e tudo que era preciso para o curativo e fui para o quarto. — Vou tirar a calça Virei-me imediatamente, quase engasgando com o ar.— O quê? — Você pretende fazer o curativo por cima da roupa? Minha boca se abriu para protestar, mas não soube o que dizer. Ele tinha que ter uma resposta para tudo? Sem esperar por mim, ele simplesmente começou a puxar a calça de moletom. Eu imediatamente me virei. — Vires-se, Nora. Ao mesmo tempo que ele falava a cama rangeu sob seu peso. Quando me virei, Dean estava sentado com o travesseiro estrategicamente posicionado para cobrir a cueca.Meu corpo reagiu estranhame
— Você só pode estar louca, Rachel. — esbravejei entrando no meu carro — Videntes? Sério? Vai jogar dinheiro fora! Rachel revirou os olhos enquanto fechava o cinto. — Se eu contasse antes, você não iria comigo. — Tem toda razão, não iria mesmo. — Nora, sua insensível, você só diz isso porque está prestes a se casar — Ralhou ela — mas eu não. Caramba, eu tenho 32 anos e com nenhum cara rolou conexão. Só pode ter alguma coisa errada. Olhei para a aliança de noivado dourada no meu dedo no mesmo instante que o sol tocava a jóia pelo vidro do carro. Eu vinha tentando não me arrepender de tê-la convidado para ser madrinha no casamento. O convite, inevitavelmente, tocou a num ponto fraco que ela tentava de todas as formas não pensar. Agora deu nisso. — Que conexão, Rachel? — questionei quase rindo, tentando não ficar para trás do sinal vermelho. — Conexão com quem? Você espera que uma cigana te dê conexões? Ela vai esvaziar sua carteira, isso sim. — Ai, cala a boca. — Rachel
Isso é ridículo, eu repeti mentalmente assim que a porta se fechou atrás de nós. Mesmo que essa golpista tenha feito a cabeça de Rachel, não faria a minha. Simplesmente porque isso é ridículo. Era por isso que eu detestava esse tipo de coisa. Ignorei a tagarelice sem sentido de Rachel e enfiei a mão dentro da bolsa à procura das chaves do sedã, quando finalmente abri a porta do motorista notei minhas mãos tremendo. Meus nervos estavam gritando. Eu tinha tantas coisas do casamento para me preocupar e estou aqui, no meio de uma sessão fajuta para descobrir se o futuro namorado de Rachel existe. Saímos da rua esquisita onde encontramos a cigana e logo estávamos indo em direção ao centro comercial de Portland. Vê os prédios altos e vitrines nas ruas principais reduziram a tensão que eu sentia antes. Estamos chegando na galeria, pensei.Rachel sentada no banco do carona não parou de falar até que eu precisei interromper:— Sério, Rachel? aquela mulher estava fazendo o trabalho dela. Vo
— Você é um canalha! Toda o meu alto controle escorreu por ralo abaixo assim que entrei no carro. Meu mundo estava dismoronando. Girei as chaves na ignição e dei partida. O mais rápido que eu podia para sair dali. Pra esquecer aquele desgraçado. Pisei no acelerador com força, meu carro disparou pela rua, a borracha dos pneus gritando com o atrito no asfalto. A dor me consumia a cada segundo, e era tanta que até mesmo as lágrimas que turvavam meus olhos doíam. Soquei o volante com ódio. — Maldito! — gritei — Como pôde? Como pôde fazer isso comigo?Seis longos anos juntos, jogados fora! A gente ia casar em dois meses, droga. Mordi o lábio entando conter meu desespero. Eu estava morando na sua casa! Como eu não percebi isso, como? Meu coração se partia cada vez que eu lembrava da cena dos dois aos beijos. Do sorriso que deveria ser pra mim. A rua era um borrão de luzes e sombras enquanto eu dirigia, completamente destruída. Nada mais importava. Tudo que tínhamos planejado pro futur