O efeito da sedação deve passar em breve — explicou a enfermeira, empurrando a porta de vidro com um movimento suave. — Pode ficar por alguns minutos, só não o toque.
Eu não prestei muita atenção no que ela dizia, a única coisa que tomava meus sentidos era a imagem do homem. Seus ombros largos e braços fortes imóveis na cama de hospital. Mesmo assim ele ainda tinha uma figura imponente, que, pra falar a verdade, não combinava em nada com o lugar. Mal podia acreditar que logo ele acordaria e descobriria que não vai lembrar da própria vida. Ele vai me odiar, me processar ou até tentar me matar. Ou tudo isso ao mesmo tempo. Droga! Senti o peso do meu corpo mudar de um pé para o outro e percebi que passei um longo momento ali, parada. Realmente, me mantive paralisada ao lado da cama que claramente não suportava o tamanho dele, mas não era isso que me mantinha concentrada. E sim a forma perfeitamente esculpida de um um homem de verdade, que fora capaz de hipnotizar até mesmo à mim —uma ex-noiva, arrasada De repente ele mexeu um dos braços e o coberto deslizou para o lado mostrando parte do peito, deixando à mostra uma curva de músculos. Mova-se, Nora! Ordenei para meu corpo que teimava em não obedecer. Não tenho certeza se disse isso em voz alta. No entanto, o homem abriu os olhos imediatamente. Desengonçada, dei um passo para trás, cambaleando, incapaz de dizer uma palavra siquer. Me virei e saí do quarto, quase dando de cara na porta de vidro. … Três dias se arrastaram. Eu consegui evitar Dean a todo custo desde o acidente, e ignorado Rachel até ontem — mesmo que isso me incomode muito — e não tinha derramado mais nenhuma lágrimas pelo infeliz do Dean. Eu estava evoluindo a cada dia apesar dos problemas que estão literalmente caindo no meu colo. Rachel ligou na noite passada e eu finalmente atendi. Depois de derramar toda os seus sermãos sobre eu não tê-la atendido marcamos um almoço juntas para que eu pudesse explicar o que não deu para falar pelo telefone. Afinal ela tinha me arrastado até aquela cigana, e com certeza estava feliz em supor que a cigana estava certa. Enquanto eu ainda tentava equilibrar todos os problemas nos últimos três dias, algumas coisas estavam entrando nos eixos. Meu apartamento ainda tinha ar de abandono, mas agora havia um sofá simples na sala e uma mesa que eu mesma montei vendo vídeos no YouTube. Graças a Chayse, eu também tinha roupas, material de trabalho, meu notebook e inclusive várias plantas que comprei para o meu escritório na casa que ia dividir com Dean. Chayse fez questão de fretar um carro apenas para trazer as plantinhas, sabendo que eu ficaria feliz. Ela estava certa. No entanto, Cada centavo gasto com o colchão e o sofá era uma facada no meu estômago. Tenho dívidas e elas pioram a cada dia, pois não tive coragem de ligar para todos os fornecedores e cancelar tudo. Listei os mais importantes mentalmente: fiança, os móveis, o casamento cancelado. Tudo somava uma pilha de problemas. Respirei fundo afastando o pensamento sobre as dívidas enquanto descia do uber. Era meio da manhã, e estava quente quando entrei no pátio do guincho. Um cheiro de óleo queimado e borracha encheu meu nariz tornando o lugar ainda mais desagradável. Me aproximou de um homem usando um uniforme azul que acabara de manobrar um carro. — Olá, vim pegar meu carro. O homem rechonchudo olhou para mim e consultou um papel em suas mãos. — Qual seu nome? — Nora Baker. Ele empurrou uma folha de papel para mim. — Assine aqui e pode levar. — E... e a moto? Vocês encontraram uma moto no local, certo? Posso vê? O homem franziu o cenho. — Moto? Não há nenhuma moto no relatório, moça. Só o seu carro. Meu coração disparou. Como assim não havia uma moto? O homem estava numa moto, eu tinha certeza. — Como não? O homem, ele estava numa moto. Eu o atropelei, não estou louca! O funcionário levantou as sobrancelhas e pegou o papel da minha mão. — Olha, moça, o que eu sei é que você precisa pagar o guincho e depois comparecer na delegacia para dar baixa no seu veículo. Já foi notificada? Nora arregalou os olhos. — Sim. Eu sei o que devo fazer. Vou resolver isso. Abri minha bolsa e tirei o cartão de crédito. — Aqui está o pagamento. Mas… você pode deixar meu carro aqui por alguns dias? Eu ainda não tenho onde colocá-lo. O homem deu de ombros. — Como quiser, mas vai ter que pagar pelas diárias adicionais. Merda! Paguei os adicionais com dor no coração, depois o homem me guiou até meu carro. E quando eu o vi, senti minhas pernas estremecerem. A porta do passageiro estava enfiada para dentro, espremendo o banco. Aquele homem está vivo por um milagre. De repente, uma sincronia, como se o universo conspirasse com o meu pensamento, meu celular tocou na bolsa. Precisei encostar na lateral do carro quando meus olhos reconheceram o número não salvo. Era do hospital. Segurei o celular com as mãos trêmulas. —O…Oi. Aconteceu…alguma coisa? Senti o silêncio pesar após minhas palavras. — Olá, Nora. Estou ligando para informá-la que a sra pode vir pegá-lo. Ele teve alta a algumas horas e aguarda sua chegada. As palavras me atingiram como um golpe bem no estômago. O telefone quase escorregou da minha mão quando ela repetiu. — Teve altaMergulhei para fora do elevador como um raio. Na recepção, a enfermeira, Shirly, abriu um sorriso largo assim que me viu e deu a volta no balcão de informações. — Ei, Nora, ele está no quarto, — ela anunciou vindo na minha direção— antes, Dr Brown quer falar com você. Venha, vou levá-la até lá. — Há algum problema? Ela abriu uma porta e indicou com a mão para eu passar. — Não, nada. São apenas as orientações de cuidado. Cuidados? Dra Brown estendeu a mão para a cadeira e disse: — Sente-se, não vou tomar muito seu tempo. Só quero deixar algumas orientações. Quando eu continuei em silêncio ele disse: — Os curativos devem ser trocados diariamente e feito a limpeza do ferimento. Vou prescrever uma pomada para acelerar a cicatrização. — E... quanto à medicação? Eles imprimiu um papel. — São analgésicos e um antibiótico. Aqui estão doses específicas, e ele não pode esquecer de tomá-los nos horários certos, ok? — E se ele esquecer? — questionei nervosa Ele se inclinou
— Como alguém pode viver nisso? Revirei os olhos, ofegante. Escancarei ainda mais a porta para, Dean, o estranho desmemoriado entrar. Aparentemente o lugar não foi feito para alguém do tamanho dele, porque agora, o apartamento foi reduzido a um cubículo. Na sala havia um sofá novo, uma TV, uma mesa de escritório com uma pilha de livros que servia de mesa para o telefone no canto, e o básico na cozinha. Era o que me restava da minha vida antes de ter ido morar com Dean Carter. A minúscula janela na sala estava emperrada desde que voltei e o aquecedor estava quebrado, eram coisas que eu tinha que dar um jeito. E rápido. Me apressei, tirei uma caixa de tralhas de cima da mesa. Eu não tinha organizado todas coisas que Chayse trouxe, ainda tava uma bagunça. — Desculpe pela bagunça,— disse enquanto olhava em volta, sentindo-me um pouco envergonhada com a desordem que dominava o apartamento— Eu não tive tempo para nada. Dean me olhou de cima. Seu rosto angular e os olhos negros
Eu ainda estava parada desfazendo as sacolas quando ele voltou para o quarto. Sei que não tenho escolha. Dei minha palavra ao dr Brown. Isso significava que, mesmo contra minha vontade, eu teria que lidar com ele. Senti um calafrio na nuca quando a imagem dele apareceu na minha mente. É apenas um curativo, nada de mais. Me convenci. Peguei a sacola com os remédios, bandagem, pomadas e tudo que era preciso para o curativo e fui para o quarto. — Vou tirar a calça Virei-me imediatamente, quase engasgando com o ar.— O quê? — Você pretende fazer o curativo por cima da roupa? Minha boca se abriu para protestar, mas não soube o que dizer. Ele tinha que ter uma resposta para tudo? Sem esperar por mim, ele simplesmente começou a puxar a calça de moletom. Eu imediatamente me virei. — Vires-se, Nora. Ao mesmo tempo que ele falava a cama rangeu sob seu peso. Quando me virei, Dean estava sentado com o travesseiro estrategicamente posicionado para cobrir a cueca.Meu corpo reagiu estranhame
— Você só pode estar louca, Rachel. — esbravejei entrando no meu carro — Videntes? Sério? Vai jogar dinheiro fora! Rachel revirou os olhos enquanto fechava o cinto. — Se eu contasse antes, você não iria comigo. — Tem toda razão, não iria mesmo. — Nora, sua insensível, você só diz isso porque está prestes a se casar — Ralhou ela — mas eu não. Caramba, eu tenho 32 anos e com nenhum cara rolou conexão. Só pode ter alguma coisa errada. Olhei para a aliança de noivado dourada no meu dedo no mesmo instante que o sol tocava a jóia pelo vidro do carro. Eu vinha tentando não me arrepender de tê-la convidado para ser madrinha no casamento. O convite, inevitavelmente, tocou a num ponto fraco que ela tentava de todas as formas não pensar. Agora deu nisso. — Que conexão, Rachel? — questionei quase rindo, tentando não ficar para trás do sinal vermelho. — Conexão com quem? Você espera que uma cigana te dê conexões? Ela vai esvaziar sua carteira, isso sim. — Ai, cala a boca. — Rachel
Isso é ridículo, eu repeti mentalmente assim que a porta se fechou atrás de nós. Mesmo que essa golpista tenha feito a cabeça de Rachel, não faria a minha. Simplesmente porque isso é ridículo. Era por isso que eu detestava esse tipo de coisa. Ignorei a tagarelice sem sentido de Rachel e enfiei a mão dentro da bolsa à procura das chaves do sedã, quando finalmente abri a porta do motorista notei minhas mãos tremendo. Meus nervos estavam gritando. Eu tinha tantas coisas do casamento para me preocupar e estou aqui, no meio de uma sessão fajuta para descobrir se o futuro namorado de Rachel existe. Saímos da rua esquisita onde encontramos a cigana e logo estávamos indo em direção ao centro comercial de Portland. Vê os prédios altos e vitrines nas ruas principais reduziram a tensão que eu sentia antes. Estamos chegando na galeria, pensei.Rachel sentada no banco do carona não parou de falar até que eu precisei interromper:— Sério, Rachel? aquela mulher estava fazendo o trabalho dela. Vo
— Você é um canalha! Toda o meu alto controle escorreu por ralo abaixo assim que entrei no carro. Meu mundo estava dismoronando. Girei as chaves na ignição e dei partida. O mais rápido que eu podia para sair dali. Pra esquecer aquele desgraçado. Pisei no acelerador com força, meu carro disparou pela rua, a borracha dos pneus gritando com o atrito no asfalto. A dor me consumia a cada segundo, e era tanta que até mesmo as lágrimas que turvavam meus olhos doíam. Soquei o volante com ódio. — Maldito! — gritei — Como pôde? Como pôde fazer isso comigo?Seis longos anos juntos, jogados fora! A gente ia casar em dois meses, droga. Mordi o lábio entando conter meu desespero. Eu estava morando na sua casa! Como eu não percebi isso, como? Meu coração se partia cada vez que eu lembrava da cena dos dois aos beijos. Do sorriso que deveria ser pra mim. A rua era um borrão de luzes e sombras enquanto eu dirigia, completamente destruída. Nada mais importava. Tudo que tínhamos planejado pro futur
Hoje cedo, dei um beijo no meu noivo ao sair para trabalhar no meu sedã branco, encontrei Rachel para o almoço no salão de festas que contratei para a festa de casamento. Até aquele momento eu não podia imaginar que uma sequência de acontecimentos iam me trazer onde estou pondo os pés agora. Devia ter anoitecido em algum momento no trajeto até a delegacia, mas eu nem mesmo pude perceber, estava apenas sendo levada pela maré direto para o fundo. A ante sala da delegacia estava bem iluminada por um excesso de lâmpadas fluorescentes que pareciam refletores virados para mim. Ofuscando minha visão ao olhar para o policial que me algemou. Ele disse que eu teria que falar com o delegado de plantão e depois poderia ligar para alguém. Fui levada até o delegado, um homem robusto de meia idade com olhos cansados.Ele estava atrás de uma mesa bagunçada falando estridente com alguém no telefone. Assim que me viu ao lado do policial parado na porta, interrompeu a ligação.— Ótimo, encerrando o c
Abri os olhos, da pequena janela do quarto, o céu apareceu alaranjado ao nascer do sol. Estiquei-me sobre o colchão. Que noite horrível, meu corpo estava moído, eu precisava comprar uma cama urgentemente. Me sentei devagar, esfregando os olhos que deviam estar cheios de olheiras roxas em volta. Eram as consequências dos últimos acontecimentos. Levantei e tomei ar. — Chega, tenho coisas mais importantes para me preocupar. O apartamento estava um grande caos, caixas e alguns móveis que deviam ter ido pro lixo estavam pelos cantos. Olhei pela mesma janela mais uma vez, dava pra ver parte do rio. A rua tranquila e a vizinha antiga foi o que me cativou. Lembrei do dia que encontrei este apartamento, eu tinha acabado a faculdade e pouco dinheiro, e foi aí que o micro apartamento apareceu pra mim. Não podia ser mais perfeito que isso. Até hoje ainda era perfeito. Um pouco vazio e bagunçado, mas perfeito. Abri as portas do armário e encontrei algumas roupas que deveria ter doado. — Graç