Mergulhei para fora do elevador como um raio. Na recepção, a enfermeira, Shirly, abriu um sorriso largo assim que me viu e deu a volta no balcão de informações.
— Ei, Nora, ele está no quarto, — ela anunciou vindo na minha direção— antes, Dr Brown quer falar com você. Venha, vou levá-la até lá. — Há algum problema? Ela abriu uma porta e indicou com a mão para eu passar. — Não, nada. São apenas as orientações de cuidado. Cuidados? Dra Brown estendeu a mão para a cadeira e disse: — Sente-se, não vou tomar muito seu tempo. Só quero deixar algumas orientações. Quando eu continuei em silêncio ele disse: — Os curativos devem ser trocados diariamente e feito a limpeza do ferimento. Vou prescrever uma pomada para acelerar a cicatrização. — E... quanto à medicação? Eles imprimiu um papel. — São analgésicos e um antibiótico. Aqui estão doses específicas, e ele não pode esquecer de tomá-los nos horários certos, ok? — E se ele esquecer? — questionei nervosa Ele se inclinou sobre a mesa, juntou as mãos e me encarou. — Você esteve aqui todos os dias, ligou várias vezes para saber notícias, eu tenho certeza que lembrá-lo de tomar os remédios não será difícil. Eu já tinha me conformado com isso. — Tudo bem, dr. Mais alguma coisa que eu precise saber? — Isto é só. — ele disse mais cauteloso — Nora, tenha paciência quanto à volta da memória. Eu vejo que há algo entre vocês, então tenha paciência. Sai da sala com os papéis na mão. Algo entre nós? É, realmente há algo. Uma relação perfeitamente destrutiva entre uma ovelha e um lobo. Que absurdo. Levantei o olhar dos papéis e o vi. Ele está sentado, com os olhos estreitos e irritados olhando diretamente para mim. Vestia um moletom preto que dava ainda mais volume ao corpo esculpido em músculos. Fui até ele e ao mesmo tempo ele levantou. Nossa, ele é alto. Fazia meus um e sessenta reduziram a nada. Me senti intimidada naquele breve momento de frente pra ele. — Sou Nora…você se lembra? Ele me encarou de um jeito tão atordoante que eu mesma pude ver meu rosto em seus olhos. Olhos serrados e nebulosos como um espelho negro. — Devia lembrar? Baixei os ombros e pensei brevemente numa resposta, mas foi Shirly quem falou. — Está é Nora, ela esteve aqui desde o acidente. Você e ela são… — Tudo bem, — eu disse interrompendo — nós precisamos ir. Respirei aliviada. Graças a deus ela não terminou o que dizia. Eu mesma quero dizer sobre o acidente. Em algum momento eu criarei coragem para confessar que eu o atropelei, que eu sou a culpada em deixá-lo sem memória nenhuma. Ela me entregou documentos da alta e fomos para o elevador. Havia uma tensão entre nós, era palpável, eu não estava confortável em estar sozinha ao lado dele dentro do elevador apertado. Ele parecia ocupar cada centímetros do espaço a ponto de eu sentir sua respiração no meu cabelo. Não pense, Nora. Quando o uber parou em frente ao hospital ele prontamente entrou. Apesar da cara fechada eu percebi que o ferimento na perna doía quando andava. Entrei do outro lado sentindo-me quase claustrofóbica no carro. O que vou fazer com ele na minha casa? Preciso encontrar um jeito de encontrar alguém que o conheça, alguém da família. Merda, no que eu fui me meter? Ele quebrou o silêncio — Quem é você pra mim, Nora? Engoli em seco, evitando seu olhar. — Eu...sou uma pessoa próxima. Uma amiga. — Amiga não é? Porque diabos estamos juntos nesse carro? Me ilumine, Nora. Ele deu uma risada seca, esbanjando sarcástico. Minhas primeiras impressões dele eram exatamente o que esperava vendo sua imponência. Era rude, grosso e sem a menor ideia do que é gratidão. Mesmo que, no fim, eu tenha batido nele com o carro, eu merecia um, obrigado Nora. Mantenha a calma. Nora. — É uma longa história... — Estou ouvindo. Droga! Eu detesto mentira, mas assim será. Dessa vez eu o olhei de frente e disse: — Você estava num bar, bêbado, levando um pé na bunda da sua namorada e… Seus lábios inclinou-se para o lado num sorriso incrédulo. — Sério? Mesmo com a minha memória toda fudida, Nora, custa acreditar que fui chutado. Quão metido e cheio de ego esse cara podia ser? O sarcasmo começou a me deixar irritada, e eu só pensava em como eu conseguiria conviver com alguém assim. O motorista olhou brevemente para mim pelo retrovisor. Notei que ele era jovem, com cabelos tingidos de loiro, quase raspado. Não combinava com seu trabalho. — Porque, então eu estaria agora sequestrando um cara tão encantador como você? Me parece que a pancada na sua cabeça afetou seu senso de humor. Ele virou a cabeça lentamente para encarar meus olhos como um imã que atrai para si. — Encantador? Você sempre fala bonito assim? Respirei fundo e olhei para frente. Mas porque estava demorando tanto para chegar no meu apartamento? Estamos andando em círculos, é isso? — Você lembra seu nome, não lembra? — Dean. Imediatamente eu o olhei. Não pode ser. Era o que me faltava. Outro Dean na minha vida, não. Enquanto eu mergulhava em pensamentos o silêncio cai entre nós, carregado de tensão. Nora, sua idiota! Porque decidiu levar esse homem pra casa. Eu sei a resposta na minha pergunta, era culpa. Apenas isso. O motorista finalmente parou o carro em frente ao prédio. Paguei ao homem e saí do carro rapidamente, mas Dean levou mais tempo para sair, ainda com aquele olhar desconfiado. — É ali, — disse apontando para o prédio à nossa frente — Eu moro no terceiro andar. Dá pra ver a varanda daqui. Dean levantou os olhos sobre os cabelos negros seguindo a direção do meu dedo. Pela cara que ele fez, estava pensando o mesmo que eu. Como ele subiria ali? Mordi o lábio inferior, encarando os degraus que teríamos que subir. Três lances de escada. Três malditos lances com ele desse jeito, mancando e claramente sem paciência. Comecei a andar de um lado para o outro, tentando bolar um plano. Talvez eu pudesse chamar alguém... Não, isso não daria certo. E se...? Não. Nada parecia uma boa ideia. Parei de andar e o encarei. — Acho que a única opção é você se apoiar em mim. Dean soltou uma risada baixa, e segurou o corrimão. Ele me lançou um olhar que fez o meu estômago revirar, talvez fosse irritação, sei lá. — Você? Vai acabar nós dois no chão. Fuzilei ele. Tudo bem que eu estou magra, e talvez tenha perdido mais algum peso nos últimos dias, mas dizer que não consigo? Quem ele pensa que é? — Eu consigo! Ele arqueou uma sobrancelha, o canto da boca puxado num sorriso cínico. – Claro. A raiva me fez agir antes que a lógica pudesse me impedir. Sem pensar muito, dei um passo até ele e passei seu braço sobre os meus ombros, segurando-o pela cintura para apoiá-lo. Sua envergadura quase me cobriu por inteiro. Merda, ele é mesmo pesado. No último lance minha mão estava escorregadia, tentei ajustar minha posição e, de repente, minha mão soltou o tecido do agasalho indo de encontro a pele quente e firme do seu abdômen. Estremeci. Puxei a mão tão rápido que parecia que eu tinha tomado uma descarga elétrica. — Desculpe. Sacudi a cabeça, tentando me recompor, e continuei a ajudá-lo escada acima. Cada passo que eu dava parecia um teste de resistência, nem nos meus piores dias no pilates eu fui tão massacrada. Quando finalmente chegamos ao último degrau, eu estava ofegante e exausta. Dean se sentou no pequeno banco da varanda, analisando o lugar com calma, mas eu sabia que ele estava sentindo dor. Só que ele não diria isso, nitidamente ele não é o tipo de homem que admitiria fraqueza. Isso tinha ficado claro. Procurei as chaves na bolsa tentando recuperar o fôlego enquanto procurava. — Eu tinha razão sobre você não aguentar. Bufei, sei lhe dar atenção. Girei as chaves na fechadura, respirei fundo. A partir de agora, se você deixar esse homem sombrio entrar, não terá mais volta, Nora.— Como alguém pode viver nisso? Revirei os olhos, ofegante. Escancarei ainda mais a porta para, Dean, o estranho desmemoriado entrar. Aparentemente o lugar não foi feito para alguém do tamanho dele, porque agora, o apartamento foi reduzido a um cubículo. Na sala havia um sofá novo, uma TV, uma mesa de escritório com uma pilha de livros que servia de mesa para o telefone no canto, e o básico na cozinha. Era o que me restava da minha vida antes de ter ido morar com Dean Carter. A minúscula janela na sala estava emperrada desde que voltei e o aquecedor estava quebrado, eram coisas que eu tinha que dar um jeito. E rápido. Me apressei, tirei uma caixa de tralhas de cima da mesa. Eu não tinha organizado todas coisas que Chayse trouxe, ainda tava uma bagunça. — Desculpe pela bagunça,— disse enquanto olhava em volta, sentindo-me um pouco envergonhada com a desordem que dominava o apartamento— Eu não tive tempo para nada. Dean me olhou de cima. Seu rosto angular e os olhos negros
Eu ainda estava parada desfazendo as sacolas quando ele voltou para o quarto. Sei que não tenho escolha. Dei minha palavra ao dr Brown. Isso significava que, mesmo contra minha vontade, eu teria que lidar com ele. Senti um calafrio na nuca quando a imagem dele apareceu na minha mente. É apenas um curativo, nada de mais. Me convenci. Peguei a sacola com os remédios, bandagem, pomadas e tudo que era preciso para o curativo e fui para o quarto. — Vou tirar a calça Virei-me imediatamente, quase engasgando com o ar.— O quê? — Você pretende fazer o curativo por cima da roupa? Minha boca se abriu para protestar, mas não soube o que dizer. Ele tinha que ter uma resposta para tudo? Sem esperar por mim, ele simplesmente começou a puxar a calça de moletom. Eu imediatamente me virei. — Vires-se, Nora. Ao mesmo tempo que ele falava a cama rangeu sob seu peso. Quando me virei, Dean estava sentado com o travesseiro estrategicamente posicionado para cobrir a cueca.Meu corpo reagiu estranhame
Pisquei algumas vezes, e vi a figura obscura de Dean, sentado numa cadeira na minha frente. Ele levou a xicara à boca.— Você está atrasada, Nora. — Ah, droga! Dei um pulo desajeitada, enroscando a perna nas cobertas e indo de cara no chão. Dean apenas arqueou a sobrancelha, sem mover um músculo para me ajudar.— Porquê não me acordou? — Resmunguei alto, mas não tinha tempo para orgulho ou reclamações. Disparei para o banheiro, me enfiei no chuveiro e tomei o banho mais rápido da minha vida. Vesti a primeira roupa que encontrei — uma camisa preta amassada e uma calça que talvez nem combinasse. Corri de volta para a sala enquanto tentava enfiar os pés nos meus sapatos, ao mesmo tempo em que lutava para dar um jeito no meu cabelo ondulado, que mais parecia um ninho de pássaros.— Não volto antes das dezoito então, se vira, ok? Dean me lançou um olhar que me fez ranger os dentes, ele estava mesmo gosando da minha cara? Era possível. — Meu número está na mesinha. — cuspi pegando minh
Depois que Rachel saiu, fui atingida pela minha própria culpa. Isso não tinha nada haver com nossa ida naquela sessão, e ela tinha toda razão quando dizia isso. Onde eu estava com a cabeça? Afastei os pensamentos que doíam cada vez mais toda vez que eu pensava e terminei meu trabalho. Intercalando entre pensar no estranho incrivelmente atraente na minha casa e Carter, viajando sabe-se lá com quem. Talvez esse fosse o motivo de ter se mantido afastado, Dean Carter, sempre colocaria o trabalho em primeiro lugar. Isso me dava tempo para reunir coragem para dizer tudo que quero quando nos encontrarmos. As luzes do lado de fora da galeria acenderam, meu turno acabou. Recolhi minhas coisas. Mas assim que peguei meu celular algo dentro da minha cabeça dizia para ligar para meus pais, eu evitava esse momento a todo custo a dias, mas não podia mais. Quanto mais rápido fizer, menos eu tenho que me preocupar. Rolei em minha lista e cliquei. Esperei enquanto o barulho se estendia até cair na c
Uma semana tinha se passado desde a vinda de Dean e eu ainda não sabia nada sobre ele. Pelo menos, nada que valesse algo para chegar até sua família. Eu tinha chegado a algumas conclusões, breves, e talvez precipitadas, mas Dean não era um homem comum. Ninguém, comum, saberia fazer um curativo em si mesmo com tamanha precisão. As coisas ainda estavam estranhas, eu passava o dia na galeria tentando equilibrar o trabalho e a quebra dos vários contratos da organização do casamento. Tinha conseguido rescindir a maior parte dos contratos, e para minha desgraça, as mutas eram altas. Em algum momento eu teria que encontrar Carter, eu não pagaria por nada disso sozinha. Não quando ele é o causador do problema. Dia apos dia eu chegava exausta, porém algo me confortava, Dean não precisava mais de remédios. Hoje eu terei uma noite completa e livre do despertador da madrugada. Minha mente começava a aceitar o fato de tê-lo em minha casa, mesmo que ainda fosse estranho. Dean tinha uma vida fora
Um grito estridente saiu da minha garganta segundos depois de sentir seu cotovelo acertar meu rosto. A dor foi instantânea, levei as mãos ao nariz sentindo a dor martelar meus ossos faciais enquanto eu cambaleava para trás tentando não xingá-lo com todos os palavrões possíveis. Antes que eu pudesse assimilar de onde vinha a dor, sentir o sangue nas mãos.— Merda, Nora – resmungou puxando a camisa pela cabeça em um movimento rápido — Deixe-me ver isso!Eu não consegui esboçar nenhuma reação quando Dean se aproximou com a camisa embolada na minha direção. Quando tirei as mãos do rosto, o sangue escorria de um corte no meu lábio inferior. Gosto pungente, metálico, invadindo minha boca.— Você tinha que estar tão perto de mim? – perguntou com algo retórico — Levante a cabeça e respire devagar. Eu mal olhei pra cara dele. A raiva doía tanto quanto o corte em meu lábio, mas a droga da culpa era minha. Dean estava tão perto, tão grande, tão presente, que parecia ocupar todo o espaço da min
Carter estreitou os olhos, e deu um passo à frente, desafiando o tamanho de Dean. Ele parecia um menino tentando intimidar um leão, com sua camisa bem passada de botões alinhados. Seu atrevimento mascarava o medo. — Ah, agora entendi — Carter rosnou, o rosto se contorcendo na minha direção em desprezo. — Então é isso. Você já arrumou outro. Enquanto eu me afastei tentando te dar espaço, você tava aqui transando com esse… você é uma vadia. Suas palavras me cortaram como uma faca, e eu senti o sangue ferver nas minhas veias. Minhas mãos tremeram, mas antes que eu pudesse reagir, Dean se moveu. Foi rápido, quase sobrenatural, o punho cerrado zumbindo pelo ar como um projétil. Ele avançou em direção a Carter, até que o baque oco dos dedos dele acertaram o rosto de Cárter. — Não! — eu gritei, sem perceber. Empurrei as mãos contra o peito de Dean, tentando conter ele. Meu corpo magro era fraco demais para alguém com o porte dele, mas ele me viu tentar e recuou. Por um momento, ele paro
— Então é sempre culpa minha? Ok, eu não prestei atenção, e eu sempre faço isso na minha casa. Ah, mas você não tem como saber,porque não sabe nada da minha vida. Pronto, satisfeito? Ele se afastou enquanto eu banhava minha mão ardida de baixo da torneira. — Não se trata de satisfazer ninguém, — ele respondeu nitidamente zangado, — Você tem essa... habilidade de ignorar o perigo quando ele está bem na sua frente. É até patético, ver como aquele idiota não tá nem ai pra você. Tá na cara dele, só você não percebeu. Meu peito apertou com a bomba de palavras, meu sangue fervendo na mesma intensidade da panela que acabou de me queimar. Ah, eu não darei esse gosto a você. — E você, o que é? Meu guarda-costas agora? Porque, pra ser sincera, você tá falando como se fosse dono da verdade, mas não sabe nada sobre nada. Alias, se soubesse que não estaria aqui ainda não é. Foda-se você com sua superioridade e soberba, foda-se toda essa merda de vida. Voltei a respirar olhando pra ele. de rep