Abri os olhos, da pequena janela do quarto, o céu apareceu alaranjado ao nascer do sol. Estiquei-me sobre o colchão. Que noite horrível, meu corpo estava moído, eu precisava comprar uma cama urgentemente.
Me sentei devagar, esfregando os olhos que deviam estar cheios de olheiras roxas em volta. Eram as consequências dos últimos acontecimentos. Levantei e tomei ar. — Chega, tenho coisas mais importantes para me preocupar. O apartamento estava um grande caos, caixas e alguns móveis que deviam ter ido pro lixo estavam pelos cantos. Olhei pela mesma janela mais uma vez, dava pra ver parte do rio. A rua tranquila e a vizinha antiga foi o que me cativou. Lembrei do dia que encontrei este apartamento, eu tinha acabado a faculdade e pouco dinheiro, e foi aí que o micro apartamento apareceu pra mim. Não podia ser mais perfeito que isso. Até hoje ainda era perfeito. Um pouco vazio e bagunçado, mas perfeito. Abri as portas do armário e encontrei algumas roupas que deveria ter doado. — Graças a Deus eu não dei isso. Eram roupas que eu já não usava mais, coisas que eu gostava e Dean odiava. Droga, porque eu fiz isso? Foca-se, Dean! Tirei um vestido chumbo de botões e uma toalha. Precisava de um banho. Quando a água gelada caiu na minha pele os pelos do meu corpo eriçaram. Preciso encontrar um encanador para arrumar a água quente urgentemente. Mesmo que a água estivesse fria a sensação era boa, dava dormência ao meu corpo, fazendo apenas minha mente planejar o que faria depois. Mas antes de qualquer coisa, havia algo mais urgente. Ir ao hospital. Desliguei a água e saí do banheiro. — Como será que ele está? Enquanto os pensamentos tentavam me dorminar me vesti rapidamente e sem me preocupar com a aparência do meu rosto, penteei meu cabelo longo num coque com um elástico. Olhei agradecida para minha bolsa, Chayse tinha pensado em tudo, pegou minhas coisas na delegacia e eu nem mesmo lembrava disso. Peguei a bolsa em cima do sofá e saí. Fiquei na rua apenas o suficiente para chamar um uber. Eu não tinha mais meu sedã comigo. O motorista me olhou pelo retrovisor assim que entrei. — Hospital Medical Center, certo? Confirmei com a cabeça. Enquanto atravessava a cidade, olhei pela janela, mas só conseguia pensar em como minha vida pôde ser destruída do dia para a noite. O que vai acontecer agora? Como está o homem? Como vou contar para meus pais que não haverá mais casamento? Engoli o choro. Estou bem! Tirei o celular da bolsa, religuei e uma enxurrada de notificações apareceu. Dean, Rachel… tentaram insistentemente contato, mas quem poderia imaginar que eu estava presa? Deslizei o dedo pela tela, ignorando todas as ligações. Eu lhe daria com isso depois. Busquei Chayse e apertei o botão de discagem. — Chayse? É a Nora. — Oi, como você está hoje? — Bem, — respondi, olhando pela janela do táxi enquanto as ruas deslizavam como um borrão. — Chayse, eu preciso de um dia livre. — Não se preocupe, você pode voltar na segunda. Tire alguns dias para colocar a cabeça no lugar. Mesmo sabendo que tínhamos muito trabalho para os últimos meses do ano, Chayse me deu folga. — Obrigada por tudo. Eu também não quero deixar nas suas costas. Posso entrar em contato com os artistas por e-mail e marcar as reuniões. Te envio os relatórios. — Está tudo bem. Cuide-se. Houve uma pausa. Hesitei, mas acabei pedindo: — Chayse, preciso de outro favor, — busquei as palavras — na galeria, na minha mesa... tem uma chave reservada para a casa do Dean. Você poderia ir na casa dele pegar algumas roupas e meu notebook? — Claro, Nora. Vou passar por lá hoje à tarde. — Obrigada, novamente. Desligou a ligação com um suspiro pesado. Assim que cheguei no hospital pedi auxilio para chegar até a emergência. Relatei o que eu sabia sobre o paciente. A atendente imediatamente me perguntou o parentesco. Meu corpo ficou tenso. — Sou parte da…. família. — disse engasgando — Nora Baker. Ela me deu uma identificação e um cartão guia para chegar até a área de emergência. Eu não queria mentir, mas precisei. Caminhei atentamente pelos corredores do hospital, o som de meus passos ecoando estavam me deixando ainda mais nervosa. Assim que virei, uma grande sala de espera se materializou. Emergência. Com zero paciência sentei no grande sofá marrom onde outras pessoas já aguardavam por notícias de seus parentes e esperei. Sei lá por quanto tempo, mas assim que um homem de jaleco apareceu dei um pulo do sofá. Parei abruptamente na frente dele, nervosa, ajustando a alça da bolsa no ombro. — O sr veio da emergência? Ele estendeu a mão para mim em cumprimento. — Sim, sou Kenneth Brown, — anunciou apertando minha mão — E você? Soltei sua mão. — Sou, Nora Baker, eu… eu vim para saber notícias de um homem — ele notou meu nervosismo — Ele deu entrada ontem. Atropelamento. Dr. Brown desviou o olhar por um momento, lembrando. — Claro — começou ele — O paciente está estável. Teve uma lesão na perna e outras superficiais, mas nada que não possa se recuperar. É um homem jovem, de boa condição física, isso ajuda bastante na recuperação. Um suspiro escapou dos meus lábios enquanto levei a mão ao peito. — Oh, isso é um grande alívio. Muito obrigado, dr. Ele baixou o olhar, não parecia tão feliz. Até que ele falou : — No entanto, Nora, ele sofreu uma pancada forte na cabeça. Isso causou uma perda de memória temporária. Ele não se lembra de nada antes do acidente. O chão embaixo dos meus pés começou a afundar e me engolir. O que eu fiz? — Amnésia? — murmurei sem acreditar — Mas, ele vai lembrar... algum dia? — Claro, essa é uma condição temporária como eu disse. Vai depender da recuperação total da parte afetada cérebro. Mas, não a um prazo para isso, pode levar dias, meses ou até anos. O que eu fiz? As palavras se repetiam na minha cabeça enquanto meu coração parecia disparado como em uma maratona. Dr. Kenneth notou que eu estava num estado de choque com a informação e continuou: — Ele vai se recuperar. Acredito que mais alguns dias em observação ele poderá receber alta e ir para casa. Você é parente? Um nó fechou minha garganta por um instante. Era culpa. — Sim. Eu... eu vou levá-lo, — murmurei, quase sem acreditar nas minhas próprias palavras — Vou... cuidar dele. Olhei para o médico, com uma expressão mista de preocupação e medo. Ele assentiu. — Entendo. Será bom para ele ter alguém conhecido por perto. Certifique-se apenas de continuar observando qualquer sinal de desconforto ou alteração no comportamento dele. Concordei balançando a cabeça e sentindo o nó crescer na minha garganta. — Farei isso — disse com a voz baixa — Dr... eu posso vê-lo? — O médico me olhou por um momento, a expressão neutra. — Ele está dormindo — disse, com a voz mais brando que antes. — Se quiser vê-lo, tudo bem, mas não o incomode. — Eu... eu só preciso vê-lo, por favor — murmurouO efeito da sedação deve passar em breve — explicou a enfermeira, empurrando a porta de vidro com um movimento suave. — Pode ficar por alguns minutos, só não o toque. Eu não prestei muita atenção no que ela dizia, a única coisa que tomava meus sentidos era a imagem do homem. Seus ombros largos e braços fortes imóveis na cama de hospital. Mesmo assim ele ainda tinha uma figura imponente, que, pra falar a verdade, não combinava em nada com o lugar. Mal podia acreditar que logo ele acordaria e descobriria que não vai lembrar da própria vida. Ele vai me odiar, me processar ou até tentar me matar. Ou tudo isso ao mesmo tempo. Droga! Senti o peso do meu corpo mudar de um pé para o outro e percebi que passei um longo momento ali, parada. Realmente, me mantive paralisada ao lado da cama que claramente não suportava o tamanho dele, mas não era isso que me mantinha concentrada. E sim a forma perfeitamente esculpida de um um homem de verdade, que fora capaz de hipnotizar até mesmo à mim —u
Mergulhei para fora do elevador como um raio. Na recepção, a enfermeira, Shirly, abriu um sorriso largo assim que me viu e deu a volta no balcão de informações. — Ei, Nora, ele está no quarto, — ela anunciou vindo na minha direção— antes, Dr Brown quer falar com você. Venha, vou levá-la até lá. — Há algum problema? Ela abriu uma porta e indicou com a mão para eu passar. — Não, nada. São apenas as orientações de cuidado. Cuidados? Dra Brown estendeu a mão para a cadeira e disse: — Sente-se, não vou tomar muito seu tempo. Só quero deixar algumas orientações. Quando eu continuei em silêncio ele disse: — Os curativos devem ser trocados diariamente e feito a limpeza do ferimento. Vou prescrever uma pomada para acelerar a cicatrização. — E... quanto à medicação? Eles imprimiu um papel. — São analgésicos e um antibiótico. Aqui estão doses específicas, e ele não pode esquecer de tomá-los nos horários certos, ok? — E se ele esquecer? — questionei nervosa Ele se inclinou
— Como alguém pode viver nisso? Revirei os olhos, ofegante. Escancarei ainda mais a porta para, Dean, o estranho desmemoriado entrar. Aparentemente o lugar não foi feito para alguém do tamanho dele, porque agora, o apartamento foi reduzido a um cubículo. Na sala havia um sofá novo, uma TV, uma mesa de escritório com uma pilha de livros que servia de mesa para o telefone no canto, e o básico na cozinha. Era o que me restava da minha vida antes de ter ido morar com Dean Carter. A minúscula janela na sala estava emperrada desde que voltei e o aquecedor estava quebrado, eram coisas que eu tinha que dar um jeito. E rápido. Me apressei, tirei uma caixa de tralhas de cima da mesa. Eu não tinha organizado todas coisas que Chayse trouxe, ainda tava uma bagunça. — Desculpe pela bagunça,— disse enquanto olhava em volta, sentindo-me um pouco envergonhada com a desordem que dominava o apartamento— Eu não tive tempo para nada. Dean me olhou de cima. Seu rosto angular e os olhos negros
Eu ainda estava parada desfazendo as sacolas quando ele voltou para o quarto. Sei que não tenho escolha. Dei minha palavra ao dr Brown. Isso significava que, mesmo contra minha vontade, eu teria que lidar com ele. Senti um calafrio na nuca quando a imagem dele apareceu na minha mente. É apenas um curativo, nada de mais. Me convenci. Peguei a sacola com os remédios, bandagem, pomadas e tudo que era preciso para o curativo e fui para o quarto. — Vou tirar a calça Virei-me imediatamente, quase engasgando com o ar.— O quê? — Você pretende fazer o curativo por cima da roupa? Minha boca se abriu para protestar, mas não soube o que dizer. Ele tinha que ter uma resposta para tudo? Sem esperar por mim, ele simplesmente começou a puxar a calça de moletom. Eu imediatamente me virei. — Vires-se, Nora. Ao mesmo tempo que ele falava a cama rangeu sob seu peso. Quando me virei, Dean estava sentado com o travesseiro estrategicamente posicionado para cobrir a cueca.Meu corpo reagiu estranhame
Pisquei algumas vezes, e vi a figura obscura de Dean, sentado numa cadeira na minha frente. Ele levou a xicara à boca.— Você está atrasada, Nora. — Ah, droga! Dei um pulo desajeitada, enroscando a perna nas cobertas e indo de cara no chão. Dean apenas arqueou a sobrancelha, sem mover um músculo para me ajudar.— Porquê não me acordou? — Resmunguei alto, mas não tinha tempo para orgulho ou reclamações. Disparei para o banheiro, me enfiei no chuveiro e tomei o banho mais rápido da minha vida. Vesti a primeira roupa que encontrei — uma camisa preta amassada e uma calça que talvez nem combinasse. Corri de volta para a sala enquanto tentava enfiar os pés nos meus sapatos, ao mesmo tempo em que lutava para dar um jeito no meu cabelo ondulado, que mais parecia um ninho de pássaros.— Não volto antes das dezoito então, se vira, ok? Dean me lançou um olhar que me fez ranger os dentes, ele estava mesmo gosando da minha cara? Era possível. — Meu número está na mesinha. — cuspi pegando minh
Depois que Rachel saiu, fui atingida pela minha própria culpa. Isso não tinha nada haver com nossa ida naquela sessão, e ela tinha toda razão quando dizia isso. Onde eu estava com a cabeça? Afastei os pensamentos que doíam cada vez mais toda vez que eu pensava e terminei meu trabalho. Intercalando entre pensar no estranho incrivelmente atraente na minha casa e Carter, viajando sabe-se lá com quem. Talvez esse fosse o motivo de ter se mantido afastado, Dean Carter, sempre colocaria o trabalho em primeiro lugar. Isso me dava tempo para reunir coragem para dizer tudo que quero quando nos encontrarmos. As luzes do lado de fora da galeria acenderam, meu turno acabou. Recolhi minhas coisas. Mas assim que peguei meu celular algo dentro da minha cabeça dizia para ligar para meus pais, eu evitava esse momento a todo custo a dias, mas não podia mais. Quanto mais rápido fizer, menos eu tenho que me preocupar. Rolei em minha lista e cliquei. Esperei enquanto o barulho se estendia até cair na c
Uma semana tinha se passado desde a vinda de Dean e eu ainda não sabia nada sobre ele. Pelo menos, nada que valesse algo para chegar até sua família. Eu tinha chegado a algumas conclusões, breves, e talvez precipitadas, mas Dean não era um homem comum. Ninguém, comum, saberia fazer um curativo em si mesmo com tamanha precisão. Pensando nisso, sinto uma sensação menos ruim. Ele tinha melhorado bastante, os remédios tinham feito um bom trabalho para o ferimento de sua perna. Nitidamente, não o incomodava mais ao caminhar ou fazer movimentos. As coisas ainda estavam estranhas, eu passava o dia na galeria tentando equilibrar o trabalho e a quebra dos vários contratos da organização do casamento. Tinha conseguido rescindir a maior parte dos contratos, e para minha desgraça, as mutas eram altas. Em algum momento eu teria que encontrar Carter, eu não pagaria por nada disso sozinha. Não quando ele é o causador do problema. Dia apos dia eu chegava exausta, porém algo me confortava, Dean
Um grito estridente saiu da minha garganta segundos depois de sentir seu cotovelo acertar meu rosto. A dor foi instantânea, levei as mãos ao nariz sentindo a dor martelar meus ossos faciais enquanto eu cambaleava para trás tentando não xingá-lo com todos os palavrões possíveis. Antes que eu pudesse assimilar de onde vinha a dor, sentir o sangue nas mãos.— Merda, Nora – resmungou puxando a camisa pela cabeça em um movimento rápido — Deixe-me ver isso!Eu não consegui esboçar nenhuma reação quando Dean se aproximou com a camisa embolada na minha direção. Quando tirei as mãos do rosto, o sangue escorria de um corte no meu lábio inferior. Gosto pungente, metálico, invadindo minha boca.— Você tinha que estar tão perto de mim? – perguntou com algo retórico — Levante a cabeça e respire devagar. Eu mal olhei pra cara dele. A raiva doía tanto quanto o corte em meu lábio, mas a droga da culpa era minha. Dean estava tão perto, tão grande, tão presente, que parecia ocupar todo o espaço da min