Isso é ridículo, eu repeti mentalmente assim que a porta se fechou atrás de nós.
Mesmo que essa golpista tenha feito a cabeça de Rachel, não faria a minha. Simplesmente porque isso é ridículo. Era por isso que eu detestava esse tipo de coisa. Ignorei a tagarelice sem sentido de Rachel e enfiei a mão dentro da bolsa à procura das chaves do sedã, quando finalmente abri a porta do motorista notei minhas mãos tremendo. Meus nervos estavam gritando. Eu tinha tantas coisas do casamento para me preocupar e estou aqui, no meio de uma sessão fajuta para descobrir se o futuro namorado de Rachel existe. Saímos da rua esquisita onde encontramos a cigana e logo estávamos indo em direção ao centro comercial de Portland. Vê os prédios altos e vitrines nas ruas principais reduziram a tensão que eu sentia antes. Estamos chegando na galeria, pensei. Rachel sentada no banco do carona não parou de falar até que eu precisei interromper: — Sério, Rachel? aquela mulher estava fazendo o trabalho dela. Você pagou para e ela respondeu convenientemente. E pra completar, me enfiou nisso. Que grande amiga você é, não é mesmo? Ela revirou os olhos — Não seja tão pessimista, eu confio nas previsões dela. Madame Irmã tem boa reputação e falou coisas certeiras sobre mim e... Meu deus, ela está louca Soltei uma risada seca. — Carteira tipo "alguém estará esperando por você, mas não estará perto"? Isso é tão inútil que me faz pensar que ela deve dizer isso para todos que a procuram. Esse é o script perfeito, Rachel. Convincente. — disse ironicamente, mas logo me arrependi — você é linda, inteligente, e tem uma capacidade inexplicável de se lembrar de todos os nomes das obras de Monet, mas esquece o meu aniversário todo ano. Rachel jogou o celular na sua bolsa preta de franjas, habitual. — E você acha que é tão simples assim? Eu sei que sou bonita, Nora, não sou cega. Mas isso não resolve. Quero alguém que me entenda. Ri alto balançando a cabeça. — Impossível, Rachel, tá bom, você pode escolher. Quer que eu te arrume um tarot ou um óculos? Porque só assim você vai encontrar um cara sem graça que seja compassivo com você. Você vai enjoar Ela revirou os olhos, sorrindo. — Você me entendeu. De repente um carro entrou na minha frente e eu pisei forte no freio. — Que droga, Nora, você deveria voltar para as aulas de direção. Desdenhei balançando a cabeça, sem tirar os olhos da rua. Nunca fui uma ótima motorista, mas ninguém podia se queixar quanto a minha pontualidade. Honestamente, eu quase nunca pego um sinal vermelho. — Só estou tentando nos levar a tempo para a curadoria dos artistas de Chicago. Você se lembra disso, né? Nossa cabeça vai rodar se Chayse não nos encontrar lá. Finalmente, Rachel se calou e eu pude dar atenção ao trânsito. Era início de julho, então não tinha tantos carros nas ruas, se tornava fácil dirigir. Olhei pro lado e vi Rachel pensativa. E deveria mesmo. Nem posso imaginar o que aconteceria com nossos empregos se não conseguíssemos chegar. Chayse era uma ótima chefe, mas não era tolerante quando o assunto era os artistas que vinham conhecer a galeria. Reduzi a velocidade para entrar numa rua à esquerda quando vi, Dean, saindo do carro dele. Por um momento achei ter visto errado, mas não, aquele era mesmo meu noivo. — Espera... aquele é o Dean? — Rachel perguntou inclinando para o meu lado. Senti um aperto no peito inexplicável ao passar pelo carro dele e parar mais na frente. Olhei pelo retrovisor. Ele estava arrumado, com o cabelo bem penteado, vestia aquele terno cinza que eu mesma comprei no ano passado. — O que ele faz aqui? — eu disse, mas era uma pergunta feita para mim mesma — ele nunca me falou que vinha para esses lados da cidade. Ele deu a volta no carro e abriu a porta como um cavalheiro. Foi aí que meu coração disparou. Ele estava acompanhado. Uma mulher loura de corpo modelado por um vestido preto, pegou na mão dele e saiu do carro. — Quem diabos é essa?— eu murmurei, apertando meus dedos no volante com força. — Nora, eles vão entrar no restaurante. Pode ser reunião de trabalho… — Rachel falou ao mesmo tempo que abria a porta do carro — vem, vamos segui-lo Meu coração estava disparado, como se um sentimento ruim acontecer. Mas, não, Dean não faria isso. Vamos nos casar em dois meses, está tudo pronto. Respirei profundamente tentando colocar a cabeça no lugar e segui Rachel. Eles se sentaram em uma mesa no meio do salão do restaurante. Enquanto eu e Rachel observamos de longe, quase escondidas numa mesa distante. Estava imperceptível nossa presença atrás de um vaso de plantas. Logo um garçom veio até nós, Rachel foi mais rápida que eu e pediu o vinho mais caro da carta. Ele nunca me trouxe aqui. Isso era um problema? Eu devo me preocupar? Minha cabeça estava a mil. A atmosfera elegante e sofisticada não combinava com os restaurantes que costumávamos ir juntos. Sem tirar meus olhos da mesa dos dois, eu acompanhei cada gesto. Até que Dean inclinou-se, sorrindo daquele jeito íntimo. Do jeito que ele sorria pra mim. Ela retribuiu de volta e se inclinou sobre a mesa. Então, como num filme terrível, ele a beijou. Não consegui ouvir mais nada. Tudo parecia abafado, como se eu estivesse submersa em água. Literalmente me afogando. O chão parecia ter desaparecido sob meus pés e um buraco atravessou meu peito como um tiro. Mal conseguia respirar. Senti uma gota quente escorrer no meu rosto, mas eu não queria chorar. — Nora… Eu vou matar… Mas antes que ela pudesse terminar a frase eu levantei. Disparei para longe, enquanto Rachel ia na direção da mesa dele. Prendi a respiração por alguns segundos tentando controlar meu choro e sem pensar, sai correndo de volta para o carro.— Você é um canalha! Toda o meu alto controle escorreu por ralo abaixo assim que entrei no carro. Meu mundo estava dismoronando. Girei as chaves na ignição e dei partida. O mais rápido que eu podia para sair dali. Pra esquecer aquele desgraçado. Pisei no acelerador com força, meu carro disparou pela rua, a borracha dos pneus gritando com o atrito no asfalto. A dor me consumia a cada segundo, e era tanta que até mesmo as lágrimas que turvavam meus olhos doíam. Soquei o volante com ódio. — Maldito! — gritei — Como pôde? Como pôde fazer isso comigo?Seis longos anos juntos, jogados fora! A gente ia casar em dois meses, droga. Mordi o lábio entando conter meu desespero. Eu estava morando na sua casa! Como eu não percebi isso, como? Meu coração se partia cada vez que eu lembrava da cena dos dois aos beijos. Do sorriso que deveria ser pra mim. A rua era um borrão de luzes e sombras enquanto eu dirigia, completamente destruída. Nada mais importava. Tudo que tínhamos planejado pro futur
Hoje cedo, dei um beijo no meu noivo ao sair para trabalhar no meu sedã branco, encontrei Rachel para o almoço no salão de festas que contratei para a festa de casamento. Até aquele momento eu não podia imaginar que uma sequência de acontecimentos iam me trazer onde estou pondo os pés agora. Devia ter anoitecido em algum momento no trajeto até a delegacia, mas eu nem mesmo pude perceber, estava apenas sendo levada pela maré direto para o fundo. A ante sala da delegacia estava bem iluminada por um excesso de lâmpadas fluorescentes que pareciam refletores virados para mim. Ofuscando minha visão ao olhar para o policial que me algemou. Ele disse que eu teria que falar com o delegado de plantão e depois poderia ligar para alguém. Fui levada até o delegado, um homem robusto de meia idade com olhos cansados.Ele estava atrás de uma mesa bagunçada falando estridente com alguém no telefone. Assim que me viu ao lado do policial parado na porta, interrompeu a ligação.— Ótimo, encerrando o c
Abri os olhos, da pequena janela do quarto, o céu apareceu alaranjado ao nascer do sol. Estiquei-me sobre o colchão. Que noite horrível, meu corpo estava moído, eu precisava comprar uma cama urgentemente. Me sentei devagar, esfregando os olhos que deviam estar cheios de olheiras roxas em volta. Eram as consequências dos últimos acontecimentos. Levantei e tomei ar. — Chega, tenho coisas mais importantes para me preocupar. O apartamento estava um grande caos, caixas e alguns móveis que deviam ter ido pro lixo estavam pelos cantos. Olhei pela mesma janela mais uma vez, dava pra ver parte do rio. A rua tranquila e a vizinha antiga foi o que me cativou. Lembrei do dia que encontrei este apartamento, eu tinha acabado a faculdade e pouco dinheiro, e foi aí que o micro apartamento apareceu pra mim. Não podia ser mais perfeito que isso. Até hoje ainda era perfeito. Um pouco vazio e bagunçado, mas perfeito. Abri as portas do armário e encontrei algumas roupas que deveria ter doado. — Graç
O efeito da sedação deve passar em breve — explicou a enfermeira, empurrando a porta de vidro com um movimento suave. — Pode ficar por alguns minutos, só não o toque. Eu não prestei muita atenção no que ela dizia, a única coisa que tomava meus sentidos era a imagem do homem. Seus ombros largos e braços fortes imóveis na cama de hospital. Mesmo assim ele ainda tinha uma figura imponente, que, pra falar a verdade, não combinava em nada com o lugar. Mal podia acreditar que logo ele acordaria e descobriria que não vai lembrar da própria vida. Ele vai me odiar, me processar ou até tentar me matar. Ou tudo isso ao mesmo tempo. Droga! Senti o peso do meu corpo mudar de um pé para o outro e percebi que passei um longo momento ali, parada. Realmente, me mantive paralisada ao lado da cama que claramente não suportava o tamanho dele, mas não era isso que me mantinha concentrada. E sim a forma perfeitamente esculpida de um um homem de verdade, que fora capaz de hipnotizar até mesmo à mim —u
Mergulhei para fora do elevador como um raio. Na recepção, a enfermeira, Shirly, abriu um sorriso largo assim que me viu e deu a volta no balcão de informações. — Ei, Nora, ele está no quarto, — ela anunciou vindo na minha direção— antes, Dr Brown quer falar com você. Venha, vou levá-la até lá. — Há algum problema? Ela abriu uma porta e indicou com a mão para eu passar. — Não, nada. São apenas as orientações de cuidado. Cuidados? Dra Brown estendeu a mão para a cadeira e disse: — Sente-se, não vou tomar muito seu tempo. Só quero deixar algumas orientações. Quando eu continuei em silêncio ele disse: — Os curativos devem ser trocados diariamente e feito a limpeza do ferimento. Vou prescrever uma pomada para acelerar a cicatrização. — E... quanto à medicação? Eles imprimiu um papel. — São analgésicos e um antibiótico. Aqui estão doses específicas, e ele não pode esquecer de tomá-los nos horários certos, ok? — E se ele esquecer? — questionei nervosa Ele se inclinou
— Como alguém pode viver nisso? Revirei os olhos, ofegante. Escancarei ainda mais a porta para, Dean, o estranho desmemoriado entrar. Aparentemente o lugar não foi feito para alguém do tamanho dele, porque agora, o apartamento foi reduzido a um cubículo. Na sala havia um sofá novo, uma TV, uma mesa de escritório com uma pilha de livros que servia de mesa para o telefone no canto, e o básico na cozinha. Era o que me restava da minha vida antes de ter ido morar com Dean Carter. A minúscula janela na sala estava emperrada desde que voltei e o aquecedor estava quebrado, eram coisas que eu tinha que dar um jeito. E rápido. Me apressei, tirei uma caixa de tralhas de cima da mesa. Eu não tinha organizado todas coisas que Chayse trouxe, ainda tava uma bagunça. — Desculpe pela bagunça,— disse enquanto olhava em volta, sentindo-me um pouco envergonhada com a desordem que dominava o apartamento— Eu não tive tempo para nada. Dean me olhou de cima. Seu rosto angular e os olhos negros
Eu ainda estava parada desfazendo as sacolas quando ele voltou para o quarto. Sei que não tenho escolha. Dei minha palavra ao dr Brown. Isso significava que, mesmo contra minha vontade, eu teria que lidar com ele. Senti um calafrio na nuca quando a imagem dele apareceu na minha mente. É apenas um curativo, nada de mais. Me convenci. Peguei a sacola com os remédios, bandagem, pomadas e tudo que era preciso para o curativo e fui para o quarto. — Vou tirar a calça Virei-me imediatamente, quase engasgando com o ar.— O quê? — Você pretende fazer o curativo por cima da roupa? Minha boca se abriu para protestar, mas não soube o que dizer. Ele tinha que ter uma resposta para tudo? Sem esperar por mim, ele simplesmente começou a puxar a calça de moletom. Eu imediatamente me virei. — Vires-se, Nora. Ao mesmo tempo que ele falava a cama rangeu sob seu peso. Quando me virei, Dean estava sentado com o travesseiro estrategicamente posicionado para cobrir a cueca.Meu corpo reagiu estranhame
— Você só pode estar louca, Rachel. — esbravejei entrando no meu carro — Videntes? Sério? Vai jogar dinheiro fora! Rachel revirou os olhos enquanto fechava o cinto. — Se eu contasse antes, você não iria comigo. — Tem toda razão, não iria mesmo. — Nora, sua insensível, você só diz isso porque está prestes a se casar — Ralhou ela — mas eu não. Caramba, eu tenho 32 anos e com nenhum cara rolou conexão. Só pode ter alguma coisa errada. Olhei para a aliança de noivado dourada no meu dedo no mesmo instante que o sol tocava a jóia pelo vidro do carro. Eu vinha tentando não me arrepender de tê-la convidado para ser madrinha no casamento. O convite, inevitavelmente, tocou a num ponto fraco que ela tentava de todas as formas não pensar. Agora deu nisso. — Que conexão, Rachel? — questionei quase rindo, tentando não ficar para trás do sinal vermelho. — Conexão com quem? Você espera que uma cigana te dê conexões? Ela vai esvaziar sua carteira, isso sim. — Ai, cala a boca. — Rachel