— Você só pode estar louca, Rachel. — esbravejei entrando no meu carro — Videntes? Sério? Vai jogar dinheiro fora!
Rachel revirou os olhos enquanto fechava o cinto. — Se eu contasse antes, você não iria comigo. — Tem toda razão, não iria mesmo. — Nora, sua insensível, você só diz isso porque está prestes a se casar — Ralhou ela — mas eu não. Caramba, eu tenho 32 anos e com nenhum cara rolou conexão. Só pode ter alguma coisa errada. Olhei para a aliança de noivado dourada no meu dedo no mesmo instante que o sol tocava a jóia pelo vidro do carro. Eu vinha tentando não me arrepender de tê-la convidado para ser madrinha no casamento. O convite, inevitavelmente, tocou a num ponto fraco que ela tentava de todas as formas não pensar. Agora deu nisso. — Que conexão, Rachel? — questionei quase rindo, tentando não ficar para trás do sinal vermelho. — Conexão com quem? Você espera que uma cigana te dê conexões? Ela vai esvaziar sua carteira, isso sim. — Ai, cala a boca. — Rachel sorriu, sem um pingo de irritação. — Você fala como se isso fosse fácil. Ah, eu sei. Era mais fácil nevar no deserto que esvaziar a carteira dela. Isso era uma das qualidades herdadas do pai dela. Ao entrar na rua onde o GPS indicava, avistei o movimento de carros e estacionei logo em frente ao lugar. — Vamos logo com isso, não quero passar o resto do horário de almoço enfiada aqui. Rachel me olhou com uma carreta e não falou mais nada. Ela apenas apontou para uma entrada estreita entre dois prédios antigos, com uma placa que pendia de ganchos na parede do lado da porta “ Universo da Madame Irna”. Dava pra ver a respiração dela agitada enquanto sorria pra mim como uma criança quando ganha um doce. — É aqui! Rachel, radiante, abriu a porta e um sino tocou acima de nós. O cheiro sufocante de incensos queimando, entupiu minhas narinas. Levei a mão ao rosto numa tentativa de proteger meus pulmões da fumaça. Olhei para Rachel que entrava na frente e não parecia nem um pouco incomodada. O espaço interno do lugar era apertado, com algumas poltronas de veludo e objetos decorativos numa prateleira presa a parede da ante sala. Por falar nisso, as paredes foram revestidas com um tecido púrpura grosso que mais parecia gritar "coviu" Ah, Rachel, você me paga! — Não tem ninguém, vamos embora. Antes que Rachel pudesse tocar na cortina de miçangas à nossa frente, alguém apareceu dentro da sala de atendimento, além das cortinas. Uma velha Cigana de pelo menos cinquenta anos estava de pé a poucos passos de nós. — Entrem, e desliguem os celulares. Não permito que a minha sessão seja interrompida. Que grossa, Sra Irna. Minha amiga irritante, Rachel, mergulhou na sala empurrando a cortina na minha cara. Eu nunca estive numa Cigana que lê cartas antes, mas sabia que ciganos tinham fama de golpistas. Talvez, Rachel, não soubesse. Inclinei um pouco para dentro e dei uma olhada desconfiada na sala de atendimento. — Rachel, eu vou ficar esperando aqui fora. Ela juntou as sobrancelhas e eu sabia pela cara feia que ela fez, que estava brava, mas e daí? Ela nunca vai sossegar até encontrar um namorado. Mas isso já é perda de tempo. Ignorando o olhar insistente de Rachel, me afundei numa das poltronas encostadas na parede. Não havia nada para passar o tempo além de livros, o que era bom porque gosto de ler. Apesar da leitura nada empolgante sobre ervas, o tempo estava se arrastando e minha paciência não durava mais que um minuto. Fui obrigada a deixar o livro onde estava e ir ver através da cortina de miçangas de novo. — Entre logo e sentisse! Engoli o nó em minha garganta. Não tive escolha, fiz o que a Cigana mandou. Entrei na sala e me sentei no banco de couro ao lado de Rachel. — Pode continuar. Não quero atrapalhar. Madame Irna tinha a aparência caricata de uma Cigana Vidente, com argolas douradas penduradas nas orelhas, pulseira extravagantes e seu típico lenço floral sobre o cabelo cheio. O que mais eu esperava? A velha Cigana estava sentada atrás da mesa redonda. Ela tinha espalhado cartas de tarô sobre a toalha de lantejoulas douradas. Aquele deveria ser o belo destino de Rachel. Depois de me encarar friamente por ter atrapalhado a sessão, ela se voltou para Rachel. — Você encontrará alguém que espera por você — começou a falar apontando para uma carta que mostrava dois caminhos divergentes. — Mas ele estará longe, talvez em outro lugar. — Longe? Que tipo de longe? Outra cidade? Outro país? — Rachel perguntou instantaneamente. — O destino não dá pistas. Você o encontrará, e não demora muito para que isso aconteça. — a Cigana disse e começou a juntar as cartas na mesa. — Ah que bom Rachel, já podemos ir. Levantei e peguei em seu braço induzindo a fazer o mesmo. Antes que a velha pudesse recolher todo o baralho nas mãos, uma carta deslizou sozinha dos dedos dela, caindo sobre a mesa virada para cima. Irna franziu a testa, me olhando. — É para você. Minha respiração parou por um momento. — Não. Eu não estou aqui para ver o futuro. Já sei tudo que preciso saber. Obrigada, mas estamos indo, não é mesmo Rachel? Fuzilei minha amiga. — O universo não comete erros. — Irna inclinou-se sobre a carta. — A Torre. Isto é um aviso do universo, Nora. Um ciclo está se encerrando para você e para isso algo terá que acontecer. Sua vida está prestes a mudar drasticamente. Uma reviravolta. E você vai sofrer. Eu ri sem vontade. — Isso é ridículo. Vamos embora, agora. Puxei o antebraço dela mais uma vez até que ela levantou. Rachel olhou para a Cigana ainda sentada com a carta da torre nas mãos e apenas se desculpou. — Sinto muito pela minha amiga.Isso é ridículo, eu repeti mentalmente assim que a porta se fechou atrás de nós. Mesmo que essa golpista tenha feito a cabeça de Rachel, não faria a minha. Simplesmente porque isso é ridículo. Era por isso que eu detestava esse tipo de coisa. Ignorei a tagarelice sem sentido de Rachel e enfiei a mão dentro da bolsa à procura das chaves do sedã, quando finalmente abri a porta do motorista notei minhas mãos tremendo. Meus nervos estavam gritando. Eu tinha tantas coisas do casamento para me preocupar e estou aqui, no meio de uma sessão fajuta para descobrir se o futuro namorado de Rachel existe. Saímos da rua esquisita onde encontramos a cigana e logo estávamos indo em direção ao centro comercial de Portland. Vê os prédios altos e vitrines nas ruas principais reduziram a tensão que eu sentia antes. Estamos chegando na galeria, pensei.Rachel sentada no banco do carona não parou de falar até que eu precisei interromper:— Sério, Rachel? aquela mulher estava fazendo o trabalho dela. Vo
— Você é um canalha! Toda o meu alto controle escorreu por ralo abaixo assim que entrei no carro. Meu mundo estava dismoronando. Girei as chaves na ignição e dei partida. O mais rápido que eu podia para sair dali. Pra esquecer aquele desgraçado. Pisei no acelerador com força, meu carro disparou pela rua, a borracha dos pneus gritando com o atrito no asfalto. A dor me consumia a cada segundo, e era tanta que até mesmo as lágrimas que turvavam meus olhos doíam. Soquei o volante com ódio. — Maldito! — gritei — Como pôde? Como pôde fazer isso comigo?Seis longos anos juntos, jogados fora! A gente ia casar em dois meses, droga. Mordi o lábio entando conter meu desespero. Eu estava morando na sua casa! Como eu não percebi isso, como? Meu coração se partia cada vez que eu lembrava da cena dos dois aos beijos. Do sorriso que deveria ser pra mim. A rua era um borrão de luzes e sombras enquanto eu dirigia, completamente destruída. Nada mais importava. Tudo que tínhamos planejado pro futur
Hoje cedo, dei um beijo no meu noivo ao sair para trabalhar no meu sedã branco, encontrei Rachel para o almoço no salão de festas que contratei para a festa de casamento. Até aquele momento eu não podia imaginar que uma sequência de acontecimentos iam me trazer onde estou pondo os pés agora. Devia ter anoitecido em algum momento no trajeto até a delegacia, mas eu nem mesmo pude perceber, estava apenas sendo levada pela maré direto para o fundo. A ante sala da delegacia estava bem iluminada por um excesso de lâmpadas fluorescentes que pareciam refletores virados para mim. Ofuscando minha visão ao olhar para o policial que me algemou. Ele disse que eu teria que falar com o delegado de plantão e depois poderia ligar para alguém. Fui levada até o delegado, um homem robusto de meia idade com olhos cansados.Ele estava atrás de uma mesa bagunçada falando estridente com alguém no telefone. Assim que me viu ao lado do policial parado na porta, interrompeu a ligação.— Ótimo, encerrando o c
Abri os olhos, da pequena janela do quarto, o céu apareceu alaranjado ao nascer do sol. Estiquei-me sobre o colchão. Que noite horrível, meu corpo estava moído, eu precisava comprar uma cama urgentemente. Me sentei devagar, esfregando os olhos que deviam estar cheios de olheiras roxas em volta. Eram as consequências dos últimos acontecimentos. Levantei e tomei ar. — Chega, tenho coisas mais importantes para me preocupar. O apartamento estava um grande caos, caixas e alguns móveis que deviam ter ido pro lixo estavam pelos cantos. Olhei pela mesma janela mais uma vez, dava pra ver parte do rio. A rua tranquila e a vizinha antiga foi o que me cativou. Lembrei do dia que encontrei este apartamento, eu tinha acabado a faculdade e pouco dinheiro, e foi aí que o micro apartamento apareceu pra mim. Não podia ser mais perfeito que isso. Até hoje ainda era perfeito. Um pouco vazio e bagunçado, mas perfeito. Abri as portas do armário e encontrei algumas roupas que deveria ter doado. — Graç
O efeito da sedação deve passar em breve — explicou a enfermeira, empurrando a porta de vidro com um movimento suave. — Pode ficar por alguns minutos, só não o toque. Eu não prestei muita atenção no que ela dizia, a única coisa que tomava meus sentidos era a imagem do homem. Seus ombros largos e braços fortes imóveis na cama de hospital. Mesmo assim ele ainda tinha uma figura imponente, que, pra falar a verdade, não combinava em nada com o lugar. Mal podia acreditar que logo ele acordaria e descobriria que não vai lembrar da própria vida. Ele vai me odiar, me processar ou até tentar me matar. Ou tudo isso ao mesmo tempo. Droga! Senti o peso do meu corpo mudar de um pé para o outro e percebi que passei um longo momento ali, parada. Realmente, me mantive paralisada ao lado da cama que claramente não suportava o tamanho dele, mas não era isso que me mantinha concentrada. E sim a forma perfeitamente esculpida de um um homem de verdade, que fora capaz de hipnotizar até mesmo à mim —u
Mergulhei para fora do elevador como um raio. Na recepção, a enfermeira, Shirly, abriu um sorriso largo assim que me viu e deu a volta no balcão de informações. — Ei, Nora, ele está no quarto, — ela anunciou vindo na minha direção— antes, Dr Brown quer falar com você. Venha, vou levá-la até lá. — Há algum problema? Ela abriu uma porta e indicou com a mão para eu passar. — Não, nada. São apenas as orientações de cuidado. Cuidados? Dra Brown estendeu a mão para a cadeira e disse: — Sente-se, não vou tomar muito seu tempo. Só quero deixar algumas orientações. Quando eu continuei em silêncio ele disse: — Os curativos devem ser trocados diariamente e feito a limpeza do ferimento. Vou prescrever uma pomada para acelerar a cicatrização. — E... quanto à medicação? Eles imprimiu um papel. — São analgésicos e um antibiótico. Aqui estão doses específicas, e ele não pode esquecer de tomá-los nos horários certos, ok? — E se ele esquecer? — questionei nervosa Ele se inclinou
— Como alguém pode viver nisso? Revirei os olhos, ofegante. Escancarei ainda mais a porta para, Dean, o estranho desmemoriado entrar. Aparentemente o lugar não foi feito para alguém do tamanho dele, porque agora, o apartamento foi reduzido a um cubículo. Na sala havia um sofá novo, uma TV, uma mesa de escritório com uma pilha de livros que servia de mesa para o telefone no canto, e o básico na cozinha. Era o que me restava da minha vida antes de ter ido morar com Dean Carter. A minúscula janela na sala estava emperrada desde que voltei e o aquecedor estava quebrado, eram coisas que eu tinha que dar um jeito. E rápido. Me apressei, tirei uma caixa de tralhas de cima da mesa. Eu não tinha organizado todas coisas que Chayse trouxe, ainda tava uma bagunça. — Desculpe pela bagunça,— disse enquanto olhava em volta, sentindo-me um pouco envergonhada com a desordem que dominava o apartamento— Eu não tive tempo para nada. Dean me olhou de cima. Seu rosto angular e os olhos negros
Eu ainda estava parada desfazendo as sacolas quando ele voltou para o quarto. Sei que não tenho escolha. Dei minha palavra ao dr Brown. Isso significava que, mesmo contra minha vontade, eu teria que lidar com ele. Senti um calafrio na nuca quando a imagem dele apareceu na minha mente. É apenas um curativo, nada de mais. Me convenci. Peguei a sacola com os remédios, bandagem, pomadas e tudo que era preciso para o curativo e fui para o quarto. — Vou tirar a calça Virei-me imediatamente, quase engasgando com o ar.— O quê? — Você pretende fazer o curativo por cima da roupa? Minha boca se abriu para protestar, mas não soube o que dizer. Ele tinha que ter uma resposta para tudo? Sem esperar por mim, ele simplesmente começou a puxar a calça de moletom. Eu imediatamente me virei. — Vires-se, Nora. Ao mesmo tempo que ele falava a cama rangeu sob seu peso. Quando me virei, Dean estava sentado com o travesseiro estrategicamente posicionado para cobrir a cueca.Meu corpo reagiu estranhame