Ao se ver ameaçada, Natasha foi obrigada a tomar uma decisão irrevogável. Lutar ou fugir? As consequências de sua escolha acabaram se provando letais para as pessoas mais importantes de sua vida. Isso fez com que ela se transformasse dramaticamente. Abandonou seu hábito de escrever; afastou-se de sua família; renunciou seus propósitos. Suas únicas companhias eram a culpa e as dúvidas: e se tivesse agido diferente? E se tivesse feito a escolha certa? Cinco anos se passam com o peso de décadas. Quando elementos do passado voltam à tona, as emoções sufocadas pelo tempo irrompem. Uma reviravolta implausível coloca Natasha numa inesperada situação: ela desperta num universo que não lhe pertence. Não demora muito para que perceba estar vivendo a vida de outra pessoa — da Natasha que ela mesma seria caso, cinco anos atrás, tivesse tomado a decisão certa em vez de a errada. Tudo está perturbadoramente diferente. Em busca de uma explicação, Natasha descobre que a versão alternativa de si própria guarda segredos obscuros. Por conta deles, ela se torna alvo fácil para os perigos presentes nessa realidade paralela. Agora ela precisa desvendar os mistérios que tiveram início na fatídica noite em que tomou sua decisão mais difícil... antes que seja tarde.
Ler maisTempestade Perfeita é tanto uma ode àquilo com que eu mais me importo quanto um completo desrespeito comigo mesmo. Eu poderia, honestamente, tê-lo escrito às escondidas, com um sorriso maníaco no rosto, engendrando maneiras de evitar uma merecida palmatória. Esse é o motivo pelo qual, em primeiro lugar, incluo esta nota. Desde o início, tive o ímpeto de dizer a mim mesmo “você não deveria fazer isso”.Uns anos atrás, sujeitei-me a não escrever nada. Precisava investir meu tempo e canalizar minhas energias à realização de outras tarefas — mais importantes e imediatas. Tentando encontrar uma brecha nas regras, comecei a escrever um diário. De certo modo, eu me desobedeci.Algum tempo depois, recebi um conselho precioso: “bons escritores não escrevem apenas sobre aquilo no que têm especialidade; caso contrário, ac
Outubro de 2013Está chovendo. Eu costumava observar as gotas escorrendo pelo vidro da janela, deixando rastro. Você me ensinou a não apenas admirar coisas bonitas, mas a me integrar a elas. É por isso que escrevo sob um guarda-chuva. As extremidades desta carta devem estar um pouco retorcidas — o papel está molhado neste momento. Até chegar a você, estará seco, e a chuva já terá passado; mas isso não faz diferença. Não sei se o lugar em que você está tem janela; não sei se pode olhar o céu. Escreverei, então, apenas sobre o que sei de fato.Minha família decidiu se mudar de Santa Alice. Não acham mais esta cidade “segura o suficiente”. Acho que vão para algum lugar ao sul, pelo menos até Ariel finalmente conseguir passar na prova de admissão para ingre
… do carro.Um estampido agudo torturava meus ouvidos. Algo viscoso e quente escorria do meu nariz.Saiam do carro!— Você está bem? — Leon perguntou ao meu lado. Levantei a cabeça, tonta. Tudo doía. Meu rosto, meus braços, minhas pernas. Olhei pelo para-brisa despedaçado e vi a árvore bem perto de nós. Fumaça cinza-escura saía do motor. Havíamos parado. — Natasha, me responda!— Estou — falei.O estampido ia diminuindo. Eu ouvia choro… o choro de Eva:— Não. Não, não, não, não, não…Saiam agora!Passei a mão pelos cabelos e senti dezenas de fragmentos de vidro presos neles. Olhei pelo retrovisor e vi que os passageiros haviam conseguido se segurar bem. Ninguém parecia machucado; ninguém além de mim.
Era como não conseguir despertar de um sono inquieto.Eu sabia onde estava, mas estava em muitos lugares. O tempo era como uma criança, tentando encaixar a peça quadrada no buraco circular — no triangular, no retangular… várias outras formas geométricas, até, finalmente, encontrar o encaixe correto.A discussão na cozinha do apartamento. Giu me olhando com estranhamento no quarto da pensão, após eu sair do banheiro com a blusa molhada e suja de café. O corpo de Eva, suspenso no ar. O gosto podre da corda. O cheiro característico do hospital. Os quadros post mortem no museu. As mãos que apertavam minha garganta. O beijo. As plantas do pomar. A chuva…De novo, mas diferente. De novo e igual.Algo estava finalmente mudando. As peças voltavam a se organizar. Senti meus braços, minhas pernas… mas não meu peso. Estava flut
— Fique longe de mim — murmurei. Comecei a andar.Leon me segurou com força pelo braço.— Espere. Vamos conversar — pediu. — Juro que não escondi mais nada de você. Juro que não vou esconder nada de agora para a frente.Pensei em pegar minha bolsa e sair pela porta. Dizer que ele desse meia-volta toda vez que me visse na rua. Mas seu toque me segurava no lugar; depois de eu ter feito tanto para tê-lo ali comigo, vivo, afastar-me dele seria como perder meu propósito na vida.Olhei em seus olhos.— Não sei…— Natasha, eu amo você. Nunca faria nada para machucá-la. — Eu percebia um tom de sinceridade em suas palavras. E se eu estivesse exagerando? — O que passou, já passou. Só temos o agora.Ele se aproximou ainda mais. Seu toque foi ficando cada vez mais delicado. Senti o cheiro de banho
Voltei o celular ao ouvido.— Henrique, chame a polícia! — gritei.O homem partiu para cima de mim, puxou o telefone e o lançou para longe.Soltei um berro, saltando para trás e chocando as costas contra a parede.Estudei-o. O cabelo estava muito curto, a barba ainda crescia; tinha a faixa em torno do braço. Era idêntico a Dário. Mas não era ele.Lembrei-me de que, mais cedo, ele se recusara a tomar a canja. Produto animal; o tipo de alimento que Dário normalmente comia, mas não o Dário daquela tarde.— Você não é ele — acusei, juntando as informações. — Ela trouxe você para cá, não trouxe?Leon ainda sorria. Também não era o Leon que me seguira pelo corredor de seu prédio apenas de toalha. Era outro. Da mesma maneira que vinha existindo, esse tempo todo, duas Nat
Já era meio da tarde quando acordei de um pesadelo. Não, não havia sido um pesadelo. Eu havia visto outra vez a casa em chamas, mas, dessa vez, Dário não saía dela vivo. Era uma lembrança de outra ramificação. A mesma dor martelava minha cabeça.“Um paradoxo”, concluí, “provoquei mais um paradoxo”.Isso não importava agora. Em breve, estaria acabado. Precisava agir rapidamente.Servi canja para Dário mais uma vez e dei continuidade ao meu plano. Sobre a cama, o notebook mostrava o comprovante de passagem de ônibus. A viagem começaria às 21:00; quando eu chegasse à capital, partiria para o aeroporto e compraria passagem para qualquer lugar: Uruguai, Canadá, Suécia ou sei lá.Glinda me seguia pela casa, sentia minha agitação. Juntei uma quantidade significativa de sucos de caixinha,
— Você mentiu para mim — sufoquei. Era como se estivessem comprimindo meu peito.Ele correu até mim e puxou violentamente o frasco.— Mexeu nas minhas coisas?— Você mentiu para mim…Leon tapou o frasco e se aproximou, levando as mãos ao meu rosto.— Natasha, escute…Dei um salto para trás.— Você disse que Natasha parecia feliz com Murilo. Disse que isso incentivou você a superá-la!Agora estava gritando, com os dentes trincados. Não sabia se sentia ira, medo, desapontamento. Talvez raiva de mim mesma. Os últimos minutos de felicidade e prazer se derretiam numa névoa tóxica. Se ele vinha me enganando desde o início, tudo o que dissera ou fizera desde então também podia ser mentira.— É verdade. Eu e Natasha não tínhamos nada — defend
— Você não é mais vegetariano? — perguntei.Leon parou, virou-se e abriu um sorriso ao me ver.Já era quinta-feira à noite, dois dias desde o incêndio. Eu havia deixado a rua cheia de curiosos, paramédicos, bombeiros, policiais e — antes que a notícia se espalhasse por outros meios — repórteres do Diário Catedral. Após isso, minha visita ao Hospital Memorial de Santa Alice não havia sido um passeio; eu passara a noite apoiando Leon enquanto não recebíamos novidade sobre Dário. Finalmente fôramos informados de que o homem estava bem, que seria mantido sedado por alguns dias, talvez semanas, e que depois poderia ir para a casa de algum parente. Eu não tivera a chance de conversar sobre nada relevante com Leon.Por isso eu estava ali hoje, no estacionamento atrás do Delícias Fluminenses, que já estava fecha