Na segunda-feira, Catarina, irmã de Raul, voltou da capital para casa, de férias da faculdade. Raul foi pegar a irmã na estação de trem de Santa Rita.
Ao chegarem em casa, ela foi recebida pela mãe, Dona Quitéria e pela irmã, Bibiana. “Minha filha, seja bem-vinda! Que felicidade recebê-la e te ver bem, até pegou uns quilinhos.” “Obrigada, mamãe, também estava com saudades!” “Que saudade, irmã!” Todas a abraçaram. “Obrigada pela recepção, meus amores, também estava morrendo de saudades. Agora preciso tomar um banho, a viagem foi bem cansativa.” “Então suba, a comida está quase pronta.” Em meio à conversação durante o almoço, Catarina anunciou: “Tenho uma novidade para contar a vocês.” A caçula da família, Bibiana, perguntou curiosa: “O que é? Fala!” Ela revelou, sem jeito: “Eu vou me casar!”, Catarina falou já mostrando uma aliança no dedo. Raul se pronunciou como o homem da casa: “Posso saber onde está o noivo?” “Ele também estuda na capital, os seus pais são fazendeiros.” “Depois traga ele aqui, queremos conhecê-lo.” “Claro, antes do ano novo ele virá.” “E você, irmão, vai ficar solteiro para sempre?”, perguntou Bibiana, em tom de brincadeira. “Acho que sim, pois quem eu quero não me quer.” “E quem é essa moça que está mexendo com o seu coração?” “Felícia, filha do fazendeiro Dante Molina.” “Ui! Logo ela? Esnobe, fresquinha e sem graça”, disparou Catarina. “Procuro uma moça decente e não simpática.” Bibiana continuou: “Ouvi boatos por aí de que ela vai participar do concurso Dama do Milho. Capaz de ela ganhar, pois é muito bonita.” Catarina perguntou: “Pelo menos você chegou para ela e se declarou?” “Sim, cheguei, mas ela não mostrou interesse, falou que não queria casar com ninguém.” “Hum, sei! Você sabe porque ela não te quer, não é mesmo? Se você fosse um homem de posses, certeza que ela cairia em cima.” “Com certeza!”, confirmou Bibiana. “Vamos parar com essa prosa e esquecer essa história, ela já falou que não tem nenhum interesse por ninguém e tem o direito de escolher homem rico ou pobre.” [...] Chegou o grande dia. Todos os povoados do interior da cidade estavam presentes na festa da colheita de milho com o concurso da Dama do Milho. O Sr. Molina também se fazia presente com sua família. Felícia participou da festividade toda a tarde. Depois pediu autorização do pai para ir à casa da sua amiga, Sarah. Se arrumou com a ajuda da amiga, contando com a sorte de seu pai permitir que ela participasse do concurso. “Fê, o desfile será em menos de uma hora, você ainda não conversou com seu pai, amiga?” “Ai nega, não tive coragem. Vou conversar quando tiver bem próximo mesmo, só assim sofro menos.” “E se ele não permitir?” “Infelizmente, terei que me lamentar.” “Suba naquela passarela sem a autorização dele.” “Tá louca, ele sobe atrás de mim e me tira de lá pelos cabelos. Mas estou preparada, passei a semana treinando. Caso ele permita, vou arrasar lá em cima e receber aquela faixa.” Sarah brincou: “Convencida!” “Lógico!” As duas riram. Raul e seu amigo Vicente caminhavam no meio da multidão, ele viera com a intenção de ver Felícia desfilar. Logo deparou-se com a família dela parada num quiosque ao lado da praça. Ele cumprimentou o Sr. Molina, que estava comendo pamonha com a esposa, o filho e a nora. Espiou do lado procurando Felícia, mas não a encontrou. Ficou por ali como quem não quer nada, esperando a moça aparecer. Já era quase hora do desfile e ele estava ansioso em vê-la na passarela. O palco estava montado logo ali na frente e as outras moças começavam a aparecer, uma mais emperiquitada que a outra. Felícia retornou deslumbrante, maquiada e com o cabelo solto, usando um vestido verde musgo justo um pouco acima do joelho. Raul a observava de longe com as mãos nos bolsos, hipnotizado, quase babando com a beleza peculiar da moça. Ele reparou que ela se aproximou da família e falou algo para o pai. Porém o Sr. Molina respondeu ríspido e autoritário. Raul tentava escutar a conversa quando Felícia saiu apressada e emburrada. Sem entender o que estava acontecendo, ele saiu às pressas atrás dela. Na esquina da padaria da família de Sarah, Felícia parou e tirou o salto com os olhos cheios de lágrimas e uma aparência de frustração. “Senhorita, o que aconteceu, posso ajudar?” Raul se dirigiu preocupado, com a boa intenção de ajudar a jovem, mesmo ciente de sua inconveniência. “Não preciso de nada, obrigada!”, ela respondeu irritada. De longe, Dionísio sondava o engenheiro puxando conversa com a irmã. Ela estava arrasada e furiosa com a prepotência do pai, o que a fez mudar de ideia, virar e chamar o homem: “Engenheiro!” Ele, que já estava partindo, virou-se surpreso ao escutá-la: “O senhor pode me levar para casa?”“Mas é claro, com muito prazer, senhorita! Minha caminhonete está estacionada na rua de trás, me acompanhe.” Os dois caminharam juntos, viraram a esquina e subiram uma rua pouco movimentada onde estava estacionada a caminhonete de Raul. Ele abriu a porta e pediu que ela entrasse. Ligou o carro e saiu todo feliz e satisfeito. Durante o percurso, ele puxou assunto. “Agora a pouco lhe vi chorar. Desculpe-me pelo atrevimento, senhorita, seria pelo concurso?” “Sim, meu pai não me permitiu desfilar.” “Você é tão linda, se o seu pai deixasse tenho certeza que venceria aquele concurso facilmente.” “Infelizmente o meu pai preza por princípios ultrapassados e me obriga a fazer o mesmo.” “Sinto muito por você não conseguir subir na passarela, adoraria te ver desfilar!” Felícia não se sentia à vontade com o rumo daquela conversa, estava incomodada e rezando para chegar em casa logo. “Você está bem? Parece ansiosa!”, ele perguntou. “Estou preocupada, com medo de alguém
Raul chegou à cidade e encontrou Vicente, um amigo de infância que também voltava do trabalho. Os dois caminharam até o boteco em frente à praça. “E aí, camarada, já conseguiu se achegar à donzela?” “Oxi! Nem te conto, hoje quase levei umas munhecadas do pai dela. Ele só não me botou para correr porque precisava do meu serviço.” “Que derrota! Sinto muito, meu amigo, mas o velho quer casar a filha com um cabra que ele não vai encontrar por aqui na região.” “Estou arretado com aquele velho.” “Mas você ainda tem a Ludmila, que vive rastejando em cima de você.” “Dispensei! Já te disse, não gosto de mulher fácil.” Ludmila era uma mulher linda, loira de cabelos compridos, olhos claros e um corpo admirável. Ela estudou o colegial com Raul, porém não era bem afamada já que, por ser bonita, vivia rodeada de homens. Era provocativa, fogosa e não tinha bons modos. “Se você que é estudado, um renomado engenheiro agrônomo, não consegue uma donzela, imagina eu, um peão sem ei
O Sr. Molina quase deu um pulo ao ouvir aquela revelação. Arregalou os olhos, seu coração se alterou e ele suspirou. O pecado da cobiça se alastrou profundamente em sua alma. Ele lembrou que poucas semanas antes o engenheiro havia pedido a mão da sua filha Felícia em casamento e ele negara incondicionalmente. Naquela altura, o Sr. Molina não escutava mais a prosa do amigo. A sua mente não saia da burrice que ele tinha feito. O Barão continuou a revelar o seu segredo sem perceber a aflição do amigo tratante: “No passado, a mãe dele trabalhou em minha fazenda. Ela era novinha, tivemos um caso e eu a engravidei. No final, a expulsei da fazenda quando descobri que estava buchuda.” O Sr. Molina já estava agoniado para ir embora. “Depois que vi o meu filho bem criado e transformado num homem robusto, inteligente e bem instruído, me arrependi do erro que cometi no passado e senti vergonha de procurá-lo. Damião já registrou tudo, o engenheiro ficará com setenta por cento dos meus
Dona Quitéria percebeu de longe o entusiasmo do filho ao adentrar em casa. “O que aconteceu? Que alegria é essa, meu filho?” Ele tirou as botas antes de entrar e abraçou a mãe como de costume. “Eu consegui, mãe! Vou casar com a filha do fazendeiro Molina.” “Minha Santa Rita! E ela aceitou?” “O pai dela me procurou e marcou um jantar para sábado à noite. Vou conversar com a família e pedir a mão dela formalmente.” “Tomara que ela aceite, filho.” Catarina manifestou-se insatisfeita: “Raul, como você vai casar com essa mulher que te rejeitou o tempo todo?” “Ela mudou de ideia, agora ela quer casar, irmã.” “E Yelena, minha amiga? Você prometeu que queria conhecê-la, até já liguei e marquei com ela.” “Então a dispense, o meu coração agora tem dona! O nome dela é Felícia Molina”, ele respondeu sorridente, ignorando os planos da irmã. Depois da conversa com a família, fez questão de procurar o seu amigo Vicente para compartilhar seu triunfo. “Eu não te fa
Sr. Molina desceu e recebeu o genro cheio de cerimônia. “Boa noite, meu futuro genro!” “Boa noite, Sr. Molina!” “Venha, sente-se, vamos tomar um vinho antes de jantar." Depois da conversa, o velho fazendeiro gritou de longe: “Salete, o jantar já tá pronto?” Dona Salete chegou perto, cumprimentou o engenheiro e respondeu: “Está sim, vamos para a mesa.” Durante a refeição, o velho fazendeiro e o engenheiro Trajano conversavam a todo o tempo sobre as lavouras, as inovações no mercado agrícola e o trabalho de Raul. Raul tinha um olho no sogro e o outro na futura esposa, se esforçava para se concentrar na prosa do sogro, observava Felícia quieta. Senhor Molina por fim, entrou na parte do casamento: “Então, vamos fazer o seguinte: o casório será realizado aqui na capela da fazenda em três semanas. Felícia já vai ter terminado a escola, é o tempo de nos prepararmos para a celebração.” “Por mim tudo bem, Sr. Molina”, Raul concordou de imediato. No final da refei
Os dois saíram de carro e Felícia permaneceu a noite e o dia escondida no quarto de Sarah. Ela fugiu e se escondeu na casa dos amigos, esperando o trem para capital. O trem só saía uma vez na semana, no domingo de manhã, dia de seu casamento. Os primeiros raios de sol começou a surgir. Dona Salete se levantou cedo, pois era sábado, dia dos preparativos para festa de casamento da filha. “Felícia, filha, acorde! A gente precisa adiantar a arrumação para o seu casório amanhã.” Ela entrou no quarto e viu a cama da filha arrumada. Dona Salete procurou a filha por toda a casa, porém não a encontrou. Movida pelo desespero, não viu outra alternativa a não ser falar com o marido: “Dante, Dante, a nossa filha sumiu! Felícia não está aqui.” O Sr. Molina se levantou nervoso da mesa do café da manhã. “Tem certeza, mulher? Já procurou por toda a casa?” “Já sim, velho, ela sumiu!” O Sr. Molina pediu que os empregados procurassem nas redondezas. Em seguida, pegou sua caminhonete e, junto de
O engenheiro morava em Santa Rita com a mãe e a irmã mais nova num sobrado modesto e aconchegante de três quartos com um quintal extenso. A irmã mais velha, Catarina, vivia na capital estudando enfermagem. Já em casa, a sogra Dona Quitéria apresentava a moradia para a nora: “... E esse será seu quarto e do seu marido. Lá na frente é o banheiro. Amanhã, lhe apresento o quintal.” “Obrigada, Dona Quitéria, agora vou tomar um banho, estou muito cansada.” Na simplicidade do seu novo lar, Felícia olhava tudo com desgosto, lembrando do luxo da sua vida na fazenda. Já no quarto, ela não estava com nenhuma disposição de ter a sua primeira noite numa cama velha e num colchão duro. Enquanto mexia na sua mala, Raul entrou no quarto. “Você pode usar essa parte do armário e o que precisar pode me solicitar, farei de tudo para que se sinta feliz aqui.” Ela só respondeu “Obrigada”, bem baixinho. “Agora você pode sair, pois vou me trocar.” “Não precisa ter vergonha, agora somos casados, vamo
“Agora preciso trabalhar, volto meio-dia para o almoço. Espero que fique bem.” “Vou ficar sim, bom trabalho!”, ela falou com afago, esboçando um sorriso discreto, porém carregado de docilidade e gentileza. Raul prestou serviço numa fazenda durante a manhã e voltou para casa para almoçar e matar a saudade da esposa. Quando passava pelo centro da cidade com sua caminhonete, foi abordado por seu amigo Vicente. “Bom dia, camarada, você está com tempo? Preciso falar com você, tenho algo importante para conversar. A gente pode ir ali no boteco do seu Zé?” “Só vou porque fiquei curioso, seja breve. Não vejo a hora de chegar em casa para cheirar o meu brotinho.” “Vamos, então.” Eles pediram uma bebida. Depois disso, Vicente muito inquieto começou a relatar os boatos que vinha ouvindo na cidade. “Meu amigo, quero falar com você sobre uma história que escutei de uma pessoa aqui na cidade.” “Do que se trata?” “Dizem que a sua esposa fugiu com outro homem na véspera do seu casa