Raul chegou à cidade e encontrou Vicente, um amigo de infância que também voltava do trabalho. Os dois caminharam até o boteco em frente à praça.
“E aí, camarada, já conseguiu se achegar à donzela?” “Oxi! Nem te conto, hoje quase levei umas munhecadas do pai dela. Ele só não me botou para correr porque precisava do meu serviço.” “Que derrota! Sinto muito, meu amigo, mas o velho quer casar a filha com um cabra que ele não vai encontrar por aqui na região.” “Estou arretado com aquele velho.” “Mas você ainda tem a Ludmila, que vive rastejando em cima de você.” “Dispensei! Já te disse, não gosto de mulher fácil.” Ludmila era uma mulher linda, loira de cabelos compridos, olhos claros e um corpo admirável. Ela estudou o colegial com Raul, porém não era bem afamada já que, por ser bonita, vivia rodeada de homens. Era provocativa, fogosa e não tinha bons modos. “Se você que é estudado, um renomado engenheiro agrônomo, não consegue uma donzela, imagina eu, um peão sem eira nem beira.” “É, meu amigo, tá difícil encontrar uma tampa para a nossa panela.” Os dois amigos prosavam entre as doses de pinga. Em casa depois do almoço, Raul estava sério e pensativo enquanto a família prosava entretida. Dona Quitéria, percebendo a dispersão do filho, perguntou: “Meu filho, você está bem? Parece tão longe, faz tempo que te vejo quietinho.” “Nada demais, mãe, só estou pensando no trabalho.” “Hum, trabalho, né?” Cutucou Catarina. Bibiana também se atreveu a perguntar: “E aí, Lio, já conquistou o seu algodão-doce? Soube que você deu uma carona para ela.” “Sim, eu a levei para casa, porém o pai dela já me dispensou.” “Que velho rabugento!”, exclamou Catarina indignada e aconselhou o irmão: “Lio, esquece essa dondoca, ela não te merece.” Ele respondeu resignado: “Não se preocupem comigo, estou de boa.” “Vou te apresentar uma amiga da cidade, ela estuda comigo. O nome dela é Yelena, ela é linda! Você promete que vai dar uma chance para ela?” “Primeiro quero conhecê-la.” “Então vamos marcar.” “Tudo bem, depois a gente vê. Agora preciso ir, tenho algumas coisas para resolver.” [...] Era um dia acalorado de sábado, Felícia estava na casa de Sarah e as duas estavam se aprontando para uma festa de casamento de uma amiga de ambas. Sarah colocou um vestido de seda rosa pink. Já Felícia usou um vestido preto um pouco acima do joelho, que realçava o seu corpo. Seus cabelos volumosos castanhos cobriam o trançado do vestido nas costas e ela também usava um salto alto. As duas se produziram, chamaram um táxi e partiram para a igreja. Após a cerimônia, todos se dirigiram à recepção da festa na casa da família da noiva, que foi oferecida no quintal. Felícia e algumas amigas sentaram juntas numa mesa no fundo do quintal. Logo Sarah cutucou a amiga e sussurrou no ouvido dela: “Olha quem está ali.” Felícia procurou. “Onde? Quem?” Ela mirou um pouco mais ao lado e trocou olhares com Raul, que já a encarava com firmeza. “Aff...” Ela bufou revirando os olhos com desprezo. As duas deram risada. Raul foi convidado pelo noivo, os dois eram amigos. Vicente também fora convidado. “Continua paquerando a sua deusa grega?”, perguntou Vicente tirando a concentração do amigo. “Ela está na minha frente.” “Esquece ela, amigo. Olhe à sua volta, tantas mulheres bonitas. Tome essa pinga e divirta-se!” “Um dia ela será minha, você vai ver!”, disse Raul sério com uma expressão indecifrável, quase hipnotizado. Ele tentava desviar o olhar, mas não conseguia. Contemplava cada detalhe da moça, seu comportamento atraente e seu corpo sedutor, sua bela aparência que esbaldava compostura e, ao mesmo tempo, simplicidade e delicadeza genuína. Na hora da noiva jogar o buquê, todas as moças levantaram-se eufóricas, porém Felícia permaneceu sentada assistindo à tradição. Enfim, ele se convenceu de que realmente a moça não tinha interesse em casar com ninguém. [...] O fazendeiro Molina era amigo do grande aristocrata Leopoldo Gregório. Molina, apesar de rico, tinha posses, poder e prestígio que não se comparavam ao amigo, conhecido como o Barão de Gran Sierra. Era um homem imponente que emanava prestígio e extrema nobreza, dono vários engenhos de açúcar e proprietário da fazenda mais requintada da região: a fazenda Gran Sierra. Como de costume, no domingo à tarde o Sr. Molina visitou o amigo. Os velhos adoravam jogar conversa fora enquanto jogavam xadrez e tomavam café e cachaça. Nesse dia, o advogado do Barão, Dr. Damião Toledo, também estava presente. O advogado passou a semana na casa do senhor Leopoldo elaborando o seu testamento. Em meio às bicadas de cachaça, o Barão revelou o seu segredo para o amigo: “Dante, sabe porque Damião está por aqui?” Sr. Molina respondeu despreocupado: “Não faço ideia.” “Veio formalizar o meu testamento. Estou velho, meu amigo, à beira da sepultura. Preciso preparar-me para não deixar o meu nome e a minha nobreza morrerem junto comigo.” Sr. Molina o repreendeu: “Para com isso, velho, você vai viver muito tempo ainda.” “Não, meu amigo, sinto que o meu dia está perto e tenho medo. Não quero deixar minha riqueza nas mãos das minhas filhas com aqueles maridos medíocres que eu mesmo arrumei para elas. Quanta falta de sorte!”, o Barão se lamentou. “Ainda bem que eu tenho um herdeiro macho e inteligente para administrar meus bens.” O Sr. Molina, cheio de curiosidade, sondou com uma sobrancelha erguida: “Herdeiro macho?! Nunca soube da existência de um herdeiro além das suas duas filhas.” “É um segredo, velho, jamais abra o bico!” O velho se inclinou e revelou falando baixinho: “Sabe aquele engenheiro agrônomo de Santa Rita, um tal de Raul Trajano? Ele é o meu filho bastardo.”O Sr. Molina quase deu um pulo ao ouvir aquela revelação. Arregalou os olhos, seu coração se alterou e ele suspirou. O pecado da cobiça se alastrou profundamente em sua alma.Ele lembrou que poucas semanas antes o engenheiro havia pedido a mão da sua filha Felícia em casamento e ele negara incondicionalmente.Naquela altura, o Sr. Molina não escutava mais a prosa do amigo. A sua mente não saia da burrice que ele tinha feito. O Barão continuou a revelar o seu segredo sem perceber a aflição do amigo tratante: “No passado, a mãe dele trabalhou em minha fazenda. Ela era novinha, tivemos um caso e eu a engravidei. No final, a expulsei da fazenda quando descobri que estava buchuda.”O Sr. Molina já estava agoniado para ir embora.“Depois que vi o meu filho bem criado e transformado num homem robusto, inteligente e bem instruído, me arrependi do erro que cometi no passado e senti vergonha de procurá-lo. Damião já registrou tudo, o engenheiro ficará com setenta por cento dos meus bens. Aman
Dona Quitéria percebeu de longe o entusiasmo do filho ao adentrar em casa.“O que aconteceu? Que alegria é essa, meu filho?”Ele tirou as botas antes de entrar e abraçou a mãe como de costume. “Eu consegui, mãe! Vou casar com a filha do fazendeiro Molina.” “Minha Santa Rita! E ela aceitou?” “O pai dela me procurou e marcou um jantar para sábado à noite. Vou conversar com a família e pedir a mão dela formalmente.”“Tomara que ela aceite, filho.” Catarina manifestou-se insatisfeita: “Lio, como você vai casar com essa mulher que te rejeitou o tempo todo?” “Ela mudou de ideia, agora ela quer casar, irmã.” “E Yelena, minha amiga? Você prometeu que queria conhecê-la, até já liguei e marquei com ela.” “Então a dispense, o meu coração agora tem dona! O nome dela é Felícia Molina”, ele respondeu sorridente, ignorando os planos da irmã.Depois da conversa com a família, fez questão de procurar o seu amigo Vicente para compartilhar seu triunfo.“Eu não te falei? Eu não te fa
Era um dia festivo na Fazenda Bela Vista. Felícia, a filha caçula do fazendeiro Dante Molina, estava completando dezoito anos. A família e alguns amigos da jovem comemoravam com uma festa simples, mas com bastante música, comida e alegria. “Amiga, você está linda!”Elogiou Sarah, melhor amiga de Felícia. Desde a infância as duas compartilhavam os melhores momentos da vida juntas.Elas tinham a mesma idade, estudavam na mesma escola desde o primário e estavam quase terminado o colegial. Conversavam sobre tudo e às vezes Sarah dormia na casa da amiga, elas se consideravam irmãs. “Deixa eu colocar mais base, vai te dar mais brilho... Pronto! Agora só falta arranjar um fazendeiro rico.” “Já falei, não quero namorar com ninguém agora”, respondeu Felícia revirando os olhos. “Tudo bem! Só toma cuidado para não ficar donzela.”“Prefiro ficar donzela do que casar com esses homens daqui de Santa Rita.” “Agora vamos descer? Todos estão esperando para os parabéns.” [...]Felícia Molina era
No final do ano, a cidade de Santa Rita festejava a festa da padroeira. Felícia, o seu irmão Dionísio e sua cunhada Isla participavam das comemorações em uma tarde de domingo. “Vou procurar Sarah”, comunicou Felícia ao seu irmão mais velho. “Vá, mas volte logo!” Ela saiu no meio da multidão em direção a padaria da família de sua amiga. Raul, que também participava da festividade, avistou a bela jovem de longe. Quase que hipnotizado, contemplava a postura séria e elegante da donzela. Felícia exibia uma aparência decente, trajava um vestido azul-marinho cintado um pouco acima dos joelhos, com botões na frente que firmava um discreto decote. Tinha cabelos castanhos longos, ondulados e bem tratados e sua face era graciosa, caprichada em uma maquiagem leve e discreta, e usava um sapato preto scarpin de salto médio. Obstinado, ele deixou os amigos e caminhou apressadamente atrás da moça. Em um tom educado e respeitoso, ele pronunciou:“Senhorita Felícia, espere!” Ela parou e ol
Na segunda-feira, Catarina, irmã de Raul, voltou da capital para casa, de férias da faculdade. Raul foi pegar a irmã na estação de trem de Santa Rita. Ao chegarem em casa, ela foi recebida pela mãe Dona Quitéria e pela irmã Bibiana. “Minha filha, seja bem-vinda! Que felicidade recebê-la e te ver bem, até pegou uns quilinhos.” “Obrigada, mamãe, também estava com saudades!” “Que saudade, irmã!” Todas a abraçaram. “Obrigada pela recepção, meus amores, também estava morrendo de saudades. Agora preciso tomar um banho, a viagem foi bem cansativa.” “Então suba, a comida está quase pronta.” Em meio à conversação durante o almoço, Catarina anunciou:“Tenho uma novidade para contar a vocês.” A caçula da família, Bibiana, perguntou curiosa:“O que é? Fala!” Ela revelou, sem jeito: “Eu vou me casar!”, Catarina falou já mostrando uma aliança no dedo. Raul se pronunciou como o homem da casa: “Posso saber onde está o noivo?” “Ele também estuda na capital, os seus pais são
“Mas é claro, com muito prazer, senhorita! Minha caminhonete está estacionada na rua de trás, me acompanhe.” Os dois caminharam juntos, viraram a esquina e subiram uma rua pouco movimentada onde estava estacionada a caminhonete de Raul. Ele abriu a porta e pediu que ela entrasse. Ligou o carro e saiu todo feliz e satisfeito. Durante o percurso, ele puxou assunto. “Agora a pouco lhe vi chorar. Desculpe-me pelo atrevimento, senhorita, seria pelo concurso?” “Sim, meu pai não me permitiu desfilar.” “Você é tão linda, se o seu pai deixasse tenho certeza que venceria aquele concurso facilmente.” “Infelizmente o meu pai preza por princípios ultrapassados e me obriga a fazer o mesmo.” “Sinto muito por você não conseguir subir na passarela, adoraria te ver desfilar!” Felícia não se sentia à vontade com o rumo daquela conversa, estava incomodada e rezando para chegar em casa logo. “Você está bem? Parece ansiosa!”, ele perguntou.“Estou preocupada, com medo de alguém ter presenciado eu