Dona Quitéria percebeu de longe o entusiasmo do filho ao adentrar em casa.
“O que aconteceu? Que alegria é essa, meu filho?” Ele tirou as botas antes de entrar e abraçou a mãe como de costume. “Eu consegui, mãe! Vou casar com a filha do fazendeiro Molina.” “Minha Santa Rita! E ela aceitou?” “O pai dela me procurou e marcou um jantar para sábado à noite. Vou conversar com a família e pedir a mão dela formalmente.” “Tomara que ela aceite, filho.” Catarina manifestou-se insatisfeita: “Lio, como você vai casar com essa mulher que te rejeitou o tempo todo?” “Ela mudou de ideia, agora ela quer casar, irmã.” “E Yelena, minha amiga? Você prometeu que queria conhecê-la, até já liguei e marquei com ela.” “Então a dispense, o meu coração agora tem dona! O nome dela é Felícia Molina”, ele respondeu sorridente, ignorando os planos da irmã. Depois da conversa com a família, fez questão de procurar o seu amigo Vicente para compartilhar seu triunfo. “Eu não te falei? Eu não te falei que ela iria ser minha?” “Quem, a filha dos Molina?”, perguntou Vicente sem entender. “Isso mesmo, camarada, ela vai ser minha, vou me casar com ela em breve.” “Cabra macho, você é sortudo, hein?” “Sortudo não, persistente!” Os dois brindaram com um copo de pinga. [...] À noite, depois do jantar e ainda na mesa, o Sr. Molina revelou seus planos para a família: “Quero trazer uma decisão que tomei a respeito de você, filha.” Todos se silenciaram esperando a notícia. “Acatei o pedido do engenheiro e vou entregá-la como noiva. Prepare-se porque em breve você irá casar-se.” Todos ficaram surpresos, sem entender a decisão do patriarca a respeito da filha caçula. Felícia permaneceu consternada e até tentou questionar: “Papai, o que deu na sua cabeça? O que aconteceu para você querer me casar com aquele homem? Eu não gosto dele.” “Filha, não me afronte, já está decidido. Você vai casar e ponto final.” Dona Salete tentou, em vão, interceder pela filha, mas o Sr. Molina estava convicto de sua decisão. “Não se intrometa, Salete, já está decidido. Ela vai se casar o mais breve possível, inclusive já conversei com o engenheiro e sábado à noite ele virá jantar conosco para oficializarmos o noivado. Vocês podem começar os preparativos do casório.” “Mas minha nossa senhora! Não estou me intrometendo, só quero que você justifique, nos dê uma resposta para essa decisão tão precipitada. O que aconteceu?” “Nada demais. O engenheiro é um homem inteligente, íntegro, tem boa aparência e um trabalho promissor. Logo, logo, ele será um homem bem-sucedido. E, além disso, Dionísio e Isla estão demorando para engravidar, Felícia precisa se casar para nos dar netos.” Isla se entristeceu com aquele comentário insensato. Felícia saiu da mesa transtornada. Ela não queria casar-se tão cedo, muito menos com aquele homem, e não entendia o que deu na cabeça do pai em tomar aquela decisão tão drástica. Foi dormir abalada em meio às lágrimas, ainda se negando a acreditar em seu destino. Estava no último mês do colegial e em poucos dias seria sua formatura. Durante o intervalo da aula, chamou Sarah e a informou a respeito da notícia do seu casamento. Sarah a abraçou, lamentando-se pela amiga. “Sarah, eu não quero me casar, o meu pai está sendo cruel.” Na tentativa de ajudar a amiga, Sarah sugeriu: “E se você fugir? Você já fez dezoito anos, o seu pai não tem o direito de te obrigar a fazer algo que você não quer.” “Mas fugir para onde, amiga?” “Para a capital. Pegue o seu diploma da escola e vá procurar um trabalho de professora por lá, você tem o magistério completo, é linda e inteligente, não merece esses peões daqui de Santa Rita.” “Não sei, amiga, tenho medo. Vou pensar melhor nessa possibilidade.” “Tudo bem, mas saiba que eu estarei sempre do seu lado, pode contar comigo para o que precisar.” No final da aula as duas voltaram para casa, Felícia pedalava a sua bicicleta desanimada e inquieta, refletindo o conselho da amiga. [...] Conforme havia combinado com o sogro, sábado à noite o engenheiro compareceu à fazenda Bela Vista para jantar com a família da futura noiva. Resignada, Dona Salete conversou com Felícia. “Minha filha, aceite esse casamento, será mais fácil para você do que ficar sofrendo. Não terá outro jeito, você sabe como é seu pai e quando ele toma essas decisões, não volta atrás. Ele já conversou com o engenheiro, então já está tudo acertado. O engenheiro é um homem bom, filha, e vai te fazer feliz.” Felícia chorou, confessando para mãe: “Eu não o conheço, mãe, eu não gosto dele, porque tem que ser assim?” “Quando casei com o seu pai eu também não o conhecia. Com o tempo a gente aprendeu a se gostar, o importante é o respeito. Agora se apronte, seu noivo está quase chegando.” Felícia se levantou e se arrumou, colocou uma roupa simples e desceu do jeito que estava, abatida e entristecida. Não demorou muito para o engenheiro chegar, estava adiantado, todo contente e elegante, com o cabelo e a barba aparada. Usava um smoking preto, chapéu e um sapato social de couro polido brilhante, segurava um buquê de rosas vermelhas para a sua Felícia. Ela recebeu o buquê e o colocou no aparador, sem nem ao menos apreciar ou agradecer.Era um dia festivo na Fazenda Bela Vista. Felícia, a filha caçula do fazendeiro Dante Molina, estava completando dezoito anos. A família e alguns amigos da jovem comemoravam com uma festa simples, mas com bastante música, comida e alegria. “Amiga, você está linda!”Elogiou Sarah, melhor amiga de Felícia. Desde a infância as duas compartilhavam os melhores momentos da vida juntas.Elas tinham a mesma idade, estudavam na mesma escola desde o primário e estavam quase terminado o colegial. Conversavam sobre tudo e às vezes Sarah dormia na casa da amiga, elas se consideravam irmãs. “Deixa eu colocar mais base, vai te dar mais brilho... Pronto! Agora só falta arranjar um fazendeiro rico.” “Já falei, não quero namorar com ninguém agora”, respondeu Felícia revirando os olhos. “Tudo bem! Só toma cuidado para não ficar donzela.”“Prefiro ficar donzela do que casar com esses homens daqui de Santa Rita.” “Agora vamos descer? Todos estão esperando para os parabéns.” [...]Felícia Molina era
No final do ano, a cidade de Santa Rita festejava a festa da padroeira. Felícia, o seu irmão Dionísio e sua cunhada Isla participavam das comemorações em uma tarde de domingo. “Vou procurar Sarah”, comunicou Felícia ao seu irmão mais velho. “Vá, mas volte logo!” Ela saiu no meio da multidão em direção a padaria da família de sua amiga. Raul, que também participava da festividade, avistou a bela jovem de longe. Quase que hipnotizado, contemplava a postura séria e elegante da donzela. Felícia exibia uma aparência decente, trajava um vestido azul-marinho cintado um pouco acima dos joelhos, com botões na frente que firmava um discreto decote. Tinha cabelos castanhos longos, ondulados e bem tratados e sua face era graciosa, caprichada em uma maquiagem leve e discreta, e usava um sapato preto scarpin de salto médio. Obstinado, ele deixou os amigos e caminhou apressadamente atrás da moça. Em um tom educado e respeitoso, ele pronunciou:“Senhorita Felícia, espere!” Ela parou e ol
Na segunda-feira, Catarina, irmã de Raul, voltou da capital para casa, de férias da faculdade. Raul foi pegar a irmã na estação de trem de Santa Rita. Ao chegarem em casa, ela foi recebida pela mãe Dona Quitéria e pela irmã Bibiana. “Minha filha, seja bem-vinda! Que felicidade recebê-la e te ver bem, até pegou uns quilinhos.” “Obrigada, mamãe, também estava com saudades!” “Que saudade, irmã!” Todas a abraçaram. “Obrigada pela recepção, meus amores, também estava morrendo de saudades. Agora preciso tomar um banho, a viagem foi bem cansativa.” “Então suba, a comida está quase pronta.” Em meio à conversação durante o almoço, Catarina anunciou:“Tenho uma novidade para contar a vocês.” A caçula da família, Bibiana, perguntou curiosa:“O que é? Fala!” Ela revelou, sem jeito: “Eu vou me casar!”, Catarina falou já mostrando uma aliança no dedo. Raul se pronunciou como o homem da casa: “Posso saber onde está o noivo?” “Ele também estuda na capital, os seus pais são
“Mas é claro, com muito prazer, senhorita! Minha caminhonete está estacionada na rua de trás, me acompanhe.” Os dois caminharam juntos, viraram a esquina e subiram uma rua pouco movimentada onde estava estacionada a caminhonete de Raul. Ele abriu a porta e pediu que ela entrasse. Ligou o carro e saiu todo feliz e satisfeito. Durante o percurso, ele puxou assunto. “Agora a pouco lhe vi chorar. Desculpe-me pelo atrevimento, senhorita, seria pelo concurso?” “Sim, meu pai não me permitiu desfilar.” “Você é tão linda, se o seu pai deixasse tenho certeza que venceria aquele concurso facilmente.” “Infelizmente o meu pai preza por princípios ultrapassados e me obriga a fazer o mesmo.” “Sinto muito por você não conseguir subir na passarela, adoraria te ver desfilar!” Felícia não se sentia à vontade com o rumo daquela conversa, estava incomodada e rezando para chegar em casa logo. “Você está bem? Parece ansiosa!”, ele perguntou.“Estou preocupada, com medo de alguém ter presenciado eu
Raul chegou à cidade e encontrou Vicente, um amigo de infância que também voltava do trabalho. Os dois caminharam até o boteco em frente à praça.“E aí, camarada, já conseguiu se achegar à donzela?” “Oxi! Nem te conto, hoje quase levei umas munhecadas do pai dela. Ele só não me botou para correr porque precisava do meu serviço.” “Que derrota! Sinto muito, meu amigo, mas o velho quer casar a filha com um cabra que ele não vai encontrar por aqui na região.” “Estou arretado com aquele velho.”“Mas você ainda tem a Ludmila, que vive rastejando em cima de você.”“Dispensei! Já te disse, não gosto de mulher fácil.” Ludmila era uma mulher linda, loira de cabelos compridos, olhos claros e um corpo admirável. Ela estudou o colegial com Raul, porém não era bem afamada já que, por ser bonita, vivia rodeada de homens. Era provocativa, fogosa e não tinha bons modos. “Se você que é estudado, um renomado engenheiro agrônomo, não consegue uma donzela, imagina eu, um peão sem eira nem bei
O Sr. Molina quase deu um pulo ao ouvir aquela revelação. Arregalou os olhos, seu coração se alterou e ele suspirou. O pecado da cobiça se alastrou profundamente em sua alma.Ele lembrou que poucas semanas antes o engenheiro havia pedido a mão da sua filha Felícia em casamento e ele negara incondicionalmente.Naquela altura, o Sr. Molina não escutava mais a prosa do amigo. A sua mente não saia da burrice que ele tinha feito. O Barão continuou a revelar o seu segredo sem perceber a aflição do amigo tratante: “No passado, a mãe dele trabalhou em minha fazenda. Ela era novinha, tivemos um caso e eu a engravidei. No final, a expulsei da fazenda quando descobri que estava buchuda.”O Sr. Molina já estava agoniado para ir embora.“Depois que vi o meu filho bem criado e transformado num homem robusto, inteligente e bem instruído, me arrependi do erro que cometi no passado e senti vergonha de procurá-lo. Damião já registrou tudo, o engenheiro ficará com setenta por cento dos meus bens. Aman