No final do ano, a cidade de Santa Rita festejava a festa da padroeira. Felícia, o seu irmão Dionísio e sua cunhada Isla participavam das comemorações em uma tarde de domingo.
“Vou procurar Sarah”, comunicou Felícia ao seu irmão mais velho. “Vá, mas volte logo!” Ela saiu no meio da multidão em direção a padaria da família de sua amiga. Raul, que também participava da festividade, avistou a bela jovem de longe. Quase que hipnotizado, contemplava a postura séria e elegante da donzela. Felícia exibia uma aparência decente, trajava um vestido azul-marinho cintado um pouco acima dos joelhos, com botões na frente que firmava um discreto decote. Tinha cabelos castanhos longos, ondulados e bem tratados. Sua face era graciosa, caprichada em uma maquiagem leve e discreta, usava um sapato preto scarpin de salto médio. Obstinado, ele deixou os amigos e caminhou apressadamente atrás da moça. Em um tom educado e respeitoso, ele pronunciou: “Senhorita Felícia, espere!” Ela parou e olhou para trás quando ouviu o seu nome sendo pronunciado por uma voz masculina grave. “O que deseja?”, perguntou ela. “Eu preciso falar com a senhorita.” “Então fale!” Ele chegou mais perto, sem jeito e atordoado com o agradável aroma do perfume adocicado que a moça exalava. “Mais tarde vai ter o arrasta-pé na palhoça, quero convidá-la para dançar.” Ela respondeu gentilmente: “Agradeço o convite, engenheiro, mas hoje não vim para dançar com ninguém.” Raul se sentiu frustrado com a rejeição da moça, mas mesmo assim não desistiu: “Senhorita, sei que és uma moça solteira... não sei se percebeu, mas ando lhe cortejando. Queria saber se a senhorita aceita compromisso?” Ela respondeu com um semblante maduro e respeitoso: “Sr. engenheiro, estou solteira e vou continuar, no momento não pretendo assumir compromisso com ninguém.” O homem cedeu os ombros desapontado. Ela continuou com palavras francas: “Além do mais, não gosto de homens velhos!” Raul ouviu aquilo com bom humor e retrucou com um belo sorriso: “Mas eu só tenho vinte e nove anos!” “E eu acabei de fazer dezoito, sou muito nova para casar.” “Não estou te pedindo em casamento. Apenas um compromisso de namoro.” “Não tenho interesse. Desejo-lhe boa sorte para arranjar uma moça formidável.” “Tenho sentimentos por você, Felícia, é uma pena não aceitá-los. Mas quem sabe no futuro, não é mesmo?" Ela respondeu firme e determinada: “Talvez!” Felícia o deixou. Ao chegar na padaria, encontrou sua amiga Sarah. “Você está trabalhando, não vai aproveitar a festa?” “Não dá! Otávio está gripado lá em casa, minha mãe está cuidando dele.” Felícia chegou perto e se apoiou no balcão para contar o mexerico: “Amiga, você não sabe da última!” Sarah exclamou curiosa: “Então me conta logo!” “Sabe aquele engenheiro, Raul Trajano?” “Sei, eu o conheço.” “Ele está me cortejando, menina! Me parou ali agora pouco na esquina e declarou-se para mim.” Sarah colocou a mão na boca e as duas deram risada. “Imagina se o meu pai souber de uma coisa dessas, corta a cabeça dele.” “E você aceitou?” “Que nada, dispensei na lata.” “Mas ele é bonito e tem profissão.” “Não me importo, falei para ele que não gosto de homens velhos.” “Credo, você falou isso?” “Falei sim, para ver se ele se toca e larga do meu pé.” “Coitado! Já te falei, você vai morrer donzela!” “Pois que seja, não me preocupo. Melhor morrer donzela do que ter de casar com um velho.” [...] Na semana seguinte, o engenheiro estava prestando serviço na fazenda da família de Felícia. “Pronto, Sr. Molina! Deixei anotado as recomendações de compra de suprimentos para a plantação de abacaxi e milho, siga todas as orientações da nossa conversa.” O engenheiro finalizou seu trabalho na fazenda Bela Vista e guardou os seus equipamentos. “Espero que esse próximo ano seja próspero para o senhor e que as suas lavouras lhe traga uma boa safra.” “Obrigado, filho, mas sem chuva duvido essa colheita vingar. De qualquer forma, retorne daqui a um mês, para ver se o trabalho deu resultado.” “Pode deixar, estarei por aqui em breve.” "Eu lhe acompanho.” O engenheiro caminhava pelo vasto alpendre da casa grande da família Molina, observando o local na esperança de ter a sorte de ver a donzela Felícia, filha do prestigioso fazendeiro Dante Molina. Deu um suspiro de frustração e partiu aluado. [...] Todos os sábados, Sarah partia para a fazenda de sua amiga Felícia para tratar os cabelos com coquetel natural. Elas mesmas faziam o produto com extratos de plantas e essências extraídas de rosas, jasmins, folhas de mamona, alecrim, cera de lavanda e babosa. “Fê, hoje eu trouxe folhas de alecrim e babosa do quintal lá de casa para a gente produzir o coquetel.” Elas prosavam enquanto aplicavam o produto uma na outra. “Está quase chegando a festa da colheita de milho, agora que fez dezoito anos você não vai se inscrever no concurso Dama do Milho?”, perguntou Sarah. “Ah! Eu não sei. Queria muito, mas tenho certeza que o meu pai não vai permitir.” “Converse com ele. Não é nada demais, só um concurso de mulheres bonitas vestidas com roupas elegantes.” “O meu pai nasceu com a cabeça na idade média. Tudo para ele é indecente.” “Dá um jeitinho, amiga, você é tão linda, com um corpão bonito, tenho certeza que vencerá.” “Vou tentar enfrentar a fera do meu pai, mas duvido ele deixar.” Todos os anos a cidade de Santa Rita comemorava a festa da colheita de milho. Era uma festa grandiosa com várias atrações por toda a cidade. Durante as festividades, a cidade tinha como tradição promover o concurso de Miss Santa Rita. A jovem mais bonita levava o título de Dama do Milho e um valor em dinheiro. Durante a semana, Felícia realizou a sua inscrição para o concurso sem o consentimento do seu pai. Ela garantiu a inscrição planejando conversar com o pai próximo ao dia do evento.Na segunda-feira, Catarina, irmã de Raul, voltou da capital para casa, de férias da faculdade. Raul foi pegar a irmã na estação de trem de Santa Rita. Ao chegarem em casa, ela foi recebida pela mãe, Dona Quitéria e pela irmã, Bibiana. “Minha filha, seja bem-vinda! Que felicidade recebê-la e te ver bem, até pegou uns quilinhos.” “Obrigada, mamãe, também estava com saudades!” “Que saudade, irmã!” Todas a abraçaram. “Obrigada pela recepção, meus amores, também estava morrendo de saudades. Agora preciso tomar um banho, a viagem foi bem cansativa.” “Então suba, a comida está quase pronta.” Em meio à conversação durante o almoço, Catarina anunciou: “Tenho uma novidade para contar a vocês.” A caçula da família, Bibiana, perguntou curiosa: “O que é? Fala!” Ela revelou, sem jeito: “Eu vou me casar!”, Catarina falou já mostrando uma aliança no dedo. Raul se pronunciou como o homem da casa: “Posso saber onde está o noivo?” “Ele também estuda na capital,
“Mas é claro, com muito prazer, senhorita! Minha caminhonete está estacionada na rua de trás, me acompanhe.” Os dois caminharam juntos, viraram a esquina e subiram uma rua pouco movimentada onde estava estacionada a caminhonete de Raul. Ele abriu a porta e pediu que ela entrasse. Ligou o carro e saiu todo feliz e satisfeito. Durante o percurso, ele puxou assunto. “Agora a pouco lhe vi chorar. Desculpe-me pelo atrevimento, senhorita, seria pelo concurso?” “Sim, meu pai não me permitiu desfilar.” “Você é tão linda, se o seu pai deixasse tenho certeza que venceria aquele concurso facilmente.” “Infelizmente o meu pai preza por princípios ultrapassados e me obriga a fazer o mesmo.” “Sinto muito por você não conseguir subir na passarela, adoraria te ver desfilar!” Felícia não se sentia à vontade com o rumo daquela conversa, estava incomodada e rezando para chegar em casa logo. “Você está bem? Parece ansiosa!”, ele perguntou. “Estou preocupada, com medo de alguém
Raul chegou à cidade e encontrou Vicente, um amigo de infância que também voltava do trabalho. Os dois caminharam até o boteco em frente à praça. “E aí, camarada, já conseguiu se achegar à donzela?” “Oxi! Nem te conto, hoje quase levei umas munhecadas do pai dela. Ele só não me botou para correr porque precisava do meu serviço.” “Que derrota! Sinto muito, meu amigo, mas o velho quer casar a filha com um cabra que ele não vai encontrar por aqui na região.” “Estou arretado com aquele velho.” “Mas você ainda tem a Ludmila, que vive rastejando em cima de você.” “Dispensei! Já te disse, não gosto de mulher fácil.” Ludmila era uma mulher linda, loira de cabelos compridos, olhos claros e um corpo admirável. Ela estudou o colegial com Raul, porém não era bem afamada já que, por ser bonita, vivia rodeada de homens. Era provocativa, fogosa e não tinha bons modos. “Se você que é estudado, um renomado engenheiro agrônomo, não consegue uma donzela, imagina eu, um peão sem ei
O Sr. Molina quase deu um pulo ao ouvir aquela revelação. Arregalou os olhos, seu coração se alterou e ele suspirou. O pecado da cobiça se alastrou profundamente em sua alma. Ele lembrou que poucas semanas antes o engenheiro havia pedido a mão da sua filha Felícia em casamento e ele negara incondicionalmente. Naquela altura, o Sr. Molina não escutava mais a prosa do amigo. A sua mente não saia da burrice que ele tinha feito. O Barão continuou a revelar o seu segredo sem perceber a aflição do amigo tratante: “No passado, a mãe dele trabalhou em minha fazenda. Ela era novinha, tivemos um caso e eu a engravidei. No final, a expulsei da fazenda quando descobri que estava buchuda.” O Sr. Molina já estava agoniado para ir embora. “Depois que vi o meu filho bem criado e transformado num homem robusto, inteligente e bem instruído, me arrependi do erro que cometi no passado e senti vergonha de procurá-lo. Damião já registrou tudo, o engenheiro ficará com setenta por cento dos meus
Dona Quitéria percebeu de longe o entusiasmo do filho ao adentrar em casa. “O que aconteceu? Que alegria é essa, meu filho?” Ele tirou as botas antes de entrar e abraçou a mãe como de costume. “Eu consegui, mãe! Vou casar com a filha do fazendeiro Molina.” “Minha Santa Rita! E ela aceitou?” “O pai dela me procurou e marcou um jantar para sábado à noite. Vou conversar com a família e pedir a mão dela formalmente.” “Tomara que ela aceite, filho.” Catarina manifestou-se insatisfeita: “Raul, como você vai casar com essa mulher que te rejeitou o tempo todo?” “Ela mudou de ideia, agora ela quer casar, irmã.” “E Yelena, minha amiga? Você prometeu que queria conhecê-la, até já liguei e marquei com ela.” “Então a dispense, o meu coração agora tem dona! O nome dela é Felícia Molina”, ele respondeu sorridente, ignorando os planos da irmã. Depois da conversa com a família, fez questão de procurar o seu amigo Vicente para compartilhar seu triunfo. “Eu não te fa
Sr. Molina desceu e recebeu o genro cheio de cerimônia. “Boa noite, meu futuro genro!” “Boa noite, Sr. Molina!” “Venha, sente-se, vamos tomar um vinho antes de jantar." Depois da conversa, o velho fazendeiro gritou de longe: “Salete, o jantar já tá pronto?” Dona Salete chegou perto, cumprimentou o engenheiro e respondeu: “Está sim, vamos para a mesa.” Durante a refeição, o velho fazendeiro e o engenheiro Trajano conversavam a todo o tempo sobre as lavouras, as inovações no mercado agrícola e o trabalho de Raul. Raul tinha um olho no sogro e o outro na futura esposa, se esforçava para se concentrar na prosa do sogro, observava Felícia quieta. Senhor Molina por fim, entrou na parte do casamento: “Então, vamos fazer o seguinte: o casório será realizado aqui na capela da fazenda em três semanas. Felícia já vai ter terminado a escola, é o tempo de nos prepararmos para a celebração.” “Por mim tudo bem, Sr. Molina”, Raul concordou de imediato. No final da refei
Os dois saíram de carro e Felícia permaneceu a noite e o dia escondida no quarto de Sarah. Ela fugiu e se escondeu na casa dos amigos, esperando o trem para capital. O trem só saía uma vez na semana, no domingo de manhã, dia de seu casamento. Os primeiros raios de sol começou a surgir. Dona Salete se levantou cedo, pois era sábado, dia dos preparativos para festa de casamento da filha. “Felícia, filha, acorde! A gente precisa adiantar a arrumação para o seu casório amanhã.” Ela entrou no quarto e viu a cama da filha arrumada. Dona Salete procurou a filha por toda a casa, porém não a encontrou. Movida pelo desespero, não viu outra alternativa a não ser falar com o marido: “Dante, Dante, a nossa filha sumiu! Felícia não está aqui.” O Sr. Molina se levantou nervoso da mesa do café da manhã. “Tem certeza, mulher? Já procurou por toda a casa?” “Já sim, velho, ela sumiu!” O Sr. Molina pediu que os empregados procurassem nas redondezas. Em seguida, pegou sua caminhonete e, junto de
O engenheiro morava em Santa Rita com a mãe e a irmã mais nova num sobrado modesto e aconchegante de três quartos com um quintal extenso. A irmã mais velha, Catarina, vivia na capital estudando enfermagem. Já em casa, a sogra Dona Quitéria apresentava a moradia para a nora: “... E esse será seu quarto e do seu marido. Lá na frente é o banheiro. Amanhã, lhe apresento o quintal.” “Obrigada, Dona Quitéria, agora vou tomar um banho, estou muito cansada.” Na simplicidade do seu novo lar, Felícia olhava tudo com desgosto, lembrando do luxo da sua vida na fazenda. Já no quarto, ela não estava com nenhuma disposição de ter a sua primeira noite numa cama velha e num colchão duro. Enquanto mexia na sua mala, Raul entrou no quarto. “Você pode usar essa parte do armário e o que precisar pode me solicitar, farei de tudo para que se sinta feliz aqui.” Ela só respondeu “Obrigada”, bem baixinho. “Agora você pode sair, pois vou me trocar.” “Não precisa ter vergonha, agora somos casados, vamo