LAURA
Terminei o meu pote de sorvete e levantei indo ao banheiro. Após tomar banho, lavar os cabelos e depilar as pernas, saí enrolada na toalha e entrei no quarto.
Abri o armário e encarei a coleção de peças escuras nos cabides. Acho que devo ter ficado ali de pé por uns dez ou quinze minutos. Vesti uma saia curta de couro preto com zíper na lateral e um body de renda na cor marsala. Calcei as minhas adoráveis botas pretas de camurça que iam até acima dos joelhos. Após secar os meus cabelos, fiz uma maquiagem caprichada no delineador e no batom vermelho, que sempre adorei.
A campainha tocou e fui até a porta.
— Olha só para ela! — gritou Angelita quando me viu.
— Você disse trinta minutos. Tem mais de uma hora e meia, que nos falamos.
— Olha só... Ninguém nasce assim, toda perfeita como você, Laurinha. — Fingiu irritação, colocando as mãos na cintura e revirando os olhos.
— Para onde você vai me levar? — perguntei cruzando os meus braços à frente.
— Para uma boate recém-inaugurada no centro, você vai gostar. Só deixe a mente aberta, okay? Não terá nenhum cover do Pink Floyd por lá.
Respirei fundo, e quem revirou os olhos desta vez fui eu.
— Está bem. Vamos lá.
Caminhei até o sofá e peguei o meu celular e o meu casaco. Saímos do prédio e pegamos um táxi. Quando chegamos ao local, um amigo de Angelita, que trabalhava na portaria, nos ajudou a entrar furando a enorme fila quilométrica que dobrava a esquina. O lugar era lindo e chique. Com certeza não era o meu tipo de ambiente, mas tentaria suportar por algumas horas. As mulheres que passavam por mim vestiam vestidos de mil dólares ou mais. Os homens usavam relógios que custavam mais que um carro popular no Brasil. Estava começando a sentir-me incomoda e deslocada.
— Vamos até o bar! — chamou Angelita alto no meu ouvido.
Ela segurou a minha mão e tomou a frente abrindo caminho na multidão.
— Boa noite, lindas. O que vão querer? — perguntou o barman com um sorriso safado para Angelita.
— Dois shots de tequila e duas Estrella Galicia — pediu ela lançando uma piscada para ele.
— Acho que não precisava da piscada, você já seduziu o homem só com esse decote — brinquei.
— Se tem alguém que irá seduzir um homem esta noite, esse alguém será você! Essa saia de couro e esse body de renda estão para lá de sensuais. Arrasou, garota!
— Fala sério, olha a sua volta. Essas mulheres parecem modelos — disse olhando para os lados, observando tudo ao meu redor.
— Mas o que está havendo? Você é sempre tão alto-astral consigo mesma. Pare de bobagens! Você está linda!
— Sei lá... Só não tenho costume com esses lugares. Todo mundo é tão chique.
— Relaxe e beba! — falou entregando-me o shot de tequila. — Se solte, ao menos esta noite.
Ela brindou o seu pequeno copo no meu e viramos as doses que desceu queimando levemente pela minha garganta. Pegamos as nossas cervejas e fomos para a pista de dança. Lá, as pessoas não repararam muito umas nas outras, apenas dançavam curtindo as músicas de batida intensa que faziam o meu corpo balançar involuntariamente.
Dois homens se aproximaram e começaram a conversar conosco. Angelita logo se agarrou com um deles. Ele era negro e sarado, estilo jogador da NBA. Um verdadeiro gato! O seu amigo tentava se esfregar em mim enquanto eu dançava. Ele já estava bêbado e cheirava a uma mistura terrível de suor, cerveja, menta e tabaco. O seu mau cheiro estava deixando-me enjoada, eu precisava de ar, água e ir ao banheiro urgente. Ia chamar Angelita para ir comigo, mas ela estava envolvida demais com homem, então fui sozinha.
— Vou até o bar e já volto — avisei-a.
— Eu vou com você — falou o homem que se esfregava em mim.
— Não! Está tudo bem, vou sozinha.
Saí rapidamente de perto dele, esgueirando-me no meio das pessoas. Chegando ao bar, avistei o corredor que levava aos banheiros. Mudei o meu trajeto e fui até lá primeiro. Depois de alguns minutos na fila, finalmente consegui me aliviar e voltei para pegar uma água.
— Me dê uma água sem gás, por favor — pedi ao barman.
— Aqui está. — Entregou-me a garrafa.
— Obrigada. — Afastei-me para dar vez a quem estava atrás de mim.
De longe vi que o homem nojento ainda estava lá, ao lado da Angelita e o seu amigo, dançando sozinho como um maluco. Tudo o que menos queria era voltar para lá. Respirei fundo e observei o ambiente procurando algum canto para onde ir que desse para respirar melhor. Estava muito abafado.
Ao lado da escada que levava à área VIP, avistei uma porta por onde algumas pessoas entravam e saíam a todo instante. Caminhei até lá, atravessando o mar de gente suada, e abri encontrando uma escada que levava à outra porta. Ao empurrá-la, vi que dava para o terraço da boate. O lugar não tinha nada de especial, somente uma boa iluminação e ar fresco. Algumas poucas pessoas fumavam aos cantos em grupos de quatro ou cinco amigos.
LAURACaminhei para uma beirada mais afastada e encarei a bela vista noturna da cidade. Encostei-me à mureta de proteção e fechei os meus olhos sentindo o vento forte contra o meu rosto bagunçando um pouco os meus cabelos de comprimento médio. Ao abrir os meus olhos, pensei na minha mãe. Como sentia a sua falta. Gostaria de ter tido tempo suficiente para levá-la conosco. Era muito triste ela não ter tido a chance de estar ali e lembrar-me do inferno que viveu até o seu último dia. Uma lágrima solitária e atrevida desceu por meu rosto. Será que esta dor e angústia nunca irá passar, ou ao menos diminuir?— Não soube ler o aviso de: "não se aproxime da mureta de proteção"? — perguntou uma voz masculina e rude atrás de mim, com um sotaque italiano.Aquele sotaque não me era estranho, eu reconhecia. Não fazia nem uma semana que queria mandar o dono daquela voz para o inferno. Sequei a minha bochecha esquerda e virei-me para trás encarando o homem estúpido que me destratou na cafeteria.— Nã
ENZOEntrei e observei o lugar lotado de gente bêbada e drogada. Andei em meio àquelas pessoas até chegar à escada que levava a área VIP elevada. Assim que me viu aproximar, o segurança retirou o cordão de veludo azul para eu passar. Lá em cima, caminhei até o homem que me devia milhões e fugia de mim há meses, gerando sérios problemas com o meu pai e o Conselho.— Salazar — chamei-o parando à sua frente.— A-Albertinni — gaguejou quando me viu.O seu rosto ficou pálido e os seus olhos arregalaram-se. Ele retirou apressado as mulheres que estavam sentadas no seu colo, jogando-as para os lados como sacos de batatas.— Sente-se, por favor — convidou-me com um sorriso forçado, indicando com a mão a poltrona à sua frente.— Obrigado. — Sentei-me. — Soube que está pagando bebida para todo mundo. Não vai pagar uma para mim também? — Sorri com sarcasmo.— Mas é claro! — respondeu-me e chamou uma garçonete. — O que vai beber? — A sua hospitalidade forçada me deixou irritado.— O seu sangue em
ENZOOs seus cabelos loiros com corte pouco abaixo do ombro balançavam com o vento forte que batia ao encontro do seu rosto. Droga! Como queria me lembrar da cor dos seus olhos. Será que são azuis como os meus? Ou castanhos?— Não soube ler o aviso de: "não se aproxime da mureta de proteção"? — chamei a sua atenção.— Não! Não sei ler! — respondeu com rispidez.Ainda com a mesma língua afiada. Isso me deixou um tanto furioso. Qual era o problema com aquela mulher? Não teve educação?— Além de estúpida, é analfabeta? De que parte do mundo você surgiu, criatura?Todos me devem respeito! Eu sou o capo da máfia italiana, porra! Ela também terá de me respeitar. Se não sabe quem sou, irei mostrar!— De um lugar onde te mandariam para o inferno com um pontapé na bunda, seu italiano arrogante! — respondeu alto e com raiva.Dei a ela um olhar duro e ameaçador.— O que faz aqui? Não notou que esse lugar não é para gente como você?— Por que você não vai à merda?Deu um passo de encontro a mim, l
ENZOAcordei com os raios do sol batendo no meu rosto. Abri os meus olhos vagarosamente, tentando me acostumar à claridade no quarto. Olhei para o lado procurando por meu garoto, mas não o encontrei. O relógio sobre o criado-mudo, ao lado da cama, mostrava que já passavam das sete da manhã.Depois de um banho e vestido adequadamente para mais um dia de trabalho, desci para o desjejum encontrando a mesa ainda posta e sinais de que Lorenzo havia passado por ali. As migalhas e manchas de suco de uva no guardanapo de pano, denunciaram isso. Sorri sentando-me no meu lugar à cabeceira. Ele era tão arteiro quanto já fui um dia quando criança. Há tanto de mim nele quanto existe da sua mãe.Monalisa foi a única mulher que amei na vida. Ela que foi capaz de ver coisas boas em mim quando nem mesmo eu enxergava e me amou mesmo eu sendo um homem cheio de sangue nas mãos. Ela não pertencia à máfia, não nasceu no meio de tudo isso. Era lei se casar com quem era da família, mas eu lutei contra isso. L
LAURADomingo eu nunca sabia o que fazer. Já passavam das onze da manhã e ainda não havia saído da cama, nem mesmo para tomar o café da manhã. Uma batida soou na porta antes que fosse aberta vagarosamente.— Você morreu? — perguntou Caio, passando a sua cabeça por uma fresta.— Não, só estou com preguiça — respondi-o, escondendo a minha cabeça sob o edredom.— Levanta, vai. Vamos almoçar fora, eu pago.Permaneci em silêncio e quieta. Escutei a porta ranger ao ser mais aberta. O edredom foi puxado de mim e jogado nos pés da cama.— Saía, Caio! Me deixa! — reclamei irritada, puxando o edredom e cobrindo-me novamente até o topo da cabeça.— Qual é? Você está doente? Só pode estar doente, você nunca recusa comida, ainda mais quando sou eu quem vai pagar.— Só não estou a fim!— Okay. Vou sair para comer tacos e não vou trazer para você! — avisou antes de fechar a porta em um baque.Permaneci quieta e fechei os meus olhos, rezando para que a segunda chegasse logo, mas, infelizmente, as minh
LAURA— E então? — perguntou Salim.— Posso sim — concordei, enfim, ao ver o jarro balançar levemente na sua mão trêmula.Peguei-o e fui em direção ao balcão. Amarrei o meu avental na cintura, abasteci o jarro com mais café, servi os clientes que estavam sentados no piso de baixo e depois subi para o mezanino. Ao chegar lá em cima, parecia haver um imã que puxaram os seus olhos diretamente para os meus. Ele encarou-me com frieza e arqueou a sobrancelha exalando superioridade pelos poros. Caminhei até a mesa adiante e anotei o pedido antes de seguir até a sua. Ao me aproximar, pude sentir o perfume exageradamente doce que a mulher sentada à sua frente usava. Ela encarou-me dos pés à cabeça e fez uma expressão de nojo. Olhei para ele e por fim perguntei o que desejavam. Ele pediu dois cafés sem creme e açúcar. A garota em momento algum me direcionou uma palavra nem sequer. Saí para buscar os pedidos e mesmo de costas senti que ele ainda me olhava.— Aqui está. — Coloquei as canecas sobre
LAURAVoltei para casa e ao entrar na propriedade, encontrei Lorenzo correndo no jardim da frente sob a guarda dos meus homens. Quando ele me viu descer do carro, veio na minha direção com o seu sorriso lindo e angelical, pulando nos meus braços.— Papai! Você chegou cedo. — Abraçou o meu pescoço.— Sim, filho.— Senhor — chamou Serra.— Sim. — Olhei para ele e vi que tinha uma pasta em mãos. — Filho... Entre e vá brincar no seu quarto. Está frio aqui fora.— Tudo bem, papai — concordou e deu-me um beijo estalado no rosto.Coloquei-o no chão e o observei correndo em direção à Sra. Poulinsk, nossa governanta.— O que tem para mim? — perguntei ao Serra.Ele não disse nada, apenas se aproximou e estendeu-me a pasta. Peguei-a da sua mão e abri. Havia fotos da Laura e, a julgar pelas roupas, eram de hoje. Ela andava pela calçada ao lado de um homem. A minha mandíbula se contraiu instintivamente e as minhas mãos apertaram com força a beirada da pasta, amassando-a.— Quem é ele? — perguntei o
LAURAJá fazia uma semana desde o episódio épico na cafeteria com o italiano e a modelo loira. Eu estava trabalhando mais do que nunca, fazendo todas as horas extras possíveis para não atrasar o aluguel, já que Caio ainda não havia conseguido um emprego.— Vamos almoçar? — convidou Angelita.— Vamos. Estou morrendo de fome.— Aquele food truck árabe que você gosta está estacionado a uma quadra daqui.— Maravilha. Vamos logo, então.Fomos até lá caminhando e fizemos os nossos pedidos após enfrentar uma pequena fila com oito pessoas à nossa frente. Enquanto aguardávamos o nosso almoço, nos sentamos na praça sob o sol do meio-dia para nos esquentar, estava fazendo bastante frio com a chegada do inverno em Boston.— Caio já conseguiu um emprego?— Ainda não. Ele colocou o currículo em alguns sites, fez algumas entrevistas, mas até agora nada. Coitado, anda tão preocupado.— Eu imagino. Mas relaxe, ele vai conseguir alguma coisa. Tenha fé.Almoçamos e voltamos logo para o trabalho. A tarde