LAURA
Domingo eu nunca sabia o que fazer. Já passavam das onze da manhã e ainda não havia saído da cama, nem mesmo para tomar o café da manhã. Uma batida soou na porta antes que fosse aberta vagarosamente.
— Você morreu? — perguntou Caio, passando a sua cabeça por uma fresta.
— Não, só estou com preguiça — respondi-o, escondendo a minha cabeça sob o edredom.
— Levanta, vai. Vamos almoçar fora, eu pago.
Permaneci em silêncio e quieta. Escutei a porta ranger ao ser mais aberta. O edredom foi puxado de mim e jogado nos pés da cama.
— Saía, Caio! Me deixa! — reclamei irritada, puxando o edredom e cobrindo-me novamente até o topo da cabeça.
— Qual é? Você está doente? Só pode estar doente, você nunca recusa comida, ainda mais quando sou eu quem vai pagar.
— Só não estou a fim!
— Okay. Vou sair para comer tacos e não vou trazer para você! — avisou antes de fechar a porta em um baque.
Permaneci quieta e fechei os meus olhos, rezando para que a segunda chegasse logo, mas, infelizmente, as minhas preces não foram atendidas. Por que domingos são tão deprimentes? A tarde demorou séculos para passar. Eu dormia e acordava várias vezes e os ponteiros do relógio não se moviam do lugar. As ocasiões em que saí do quarto, Caio olhava-me pelos cantos dos olhos de cara emburrada deitado no sofá da sala. Tive que ignorar os seus olhares irados por eu tê-lo abandonado no nosso único dia juntos, até às cinco da tarde, quando ele saiu para o trabalho. Sentia-me péssima por não poder fazer com ele as suas programações, mas não me sentia em um bom dia para nada.
Quando o despertador tocou às seis e meia, finalmente a segunda chegou. Levantei-me e após me arrumar, fui para mais um dia de trabalho. Quando saí de casa, Caio ainda não havia chegado. Fiquei um pouco preocupada, ele não tinha avisado se demoraria a voltar para casa naquela manhã. Liguei para ele a caminho da cafeteria, mas não atendeu. Era difícil saber se ainda estava com raiva de mim pelo dia anterior, ou se algo sério poderia ter acontecido.
Cheguei ao trabalho e lá estavam eles, os meus colegas que tanto gostava. Entrei atrás do balcão e comecei a atender os clientes. Estava um dia agitado, mal vi o tempo passar. Saí para o meu almoço e, quando pisei na calçada, avistei Caio escorado em um carro estacionado em frente à cafeteria. Ele estava lindo como sempre, vestindo calça jeans um pouco justa, camiseta preta de gola “V” e uma jaqueta de couro preto aberta. Os cabelos um pouco bagunçados e cara cansada denunciavam a noite não dormida.
— Quero conversar com você — disse cruzando os braços à frente.
— Tudo bem. Está com fome? Estou indo almoçar.
Ele desencostou do carro e me seguiu em silêncio até o restaurante japonês uma quadra dali. Entramos e sentamos no balcão fazendo os nossos pedidos.
— Então... O que está rolando? Por que você está tão tenso? — perguntei notando os seus ombros rígidos e as suas mãos, que se esfregavam uma na outra freneticamente com agonia.
— Me meti em uma confusão ontem à noite.
— O quê? — perguntei alto. — Que tipo de confusão, Caio? Você sabe que não podemos dar bobeira! — repreendi-o, sentindo o meu coração disparado.
— Tinha um cara no bar ontem e ele estava muito bêbado. Ele começou a gritar falando coisas emboladas e tentou agredir uma das dançarinas, e... — interrompeu abaixando a cabeça.
— Você tentou defendê-la — concluí. Ele assentiu envergonhado.
— Não podia apenas assistir um homem louco bater em uma mulher indefesa. Você sabe disso, Laura. É algo que simplesmente não posso aceitar!
— E qual foi a consequência desse ato heróico?
— Ele era um policial.
— Meu Deus, Caio!
— Fique calma. Não fui preso, mas ele é o tipo de cara problema. Foi retirado do bar pelos seguranças e saiu me ameaçando. Estou jurado de morte e não quero pagar para ver se era só papo de bêbado, ou não. Tommy, o outro barman, me mandou tomar cuidado com ele. Por isso não fui para casa hoje de manhã. Não podia correr o risco de ele estar me seguindo e descobrir onde moramos, estaria colocando você em perigo também.
— Você não pode voltar para o bar. Tem que procurar outro emprego, ele vai procurá-lo lá. É melhor pedir a conta, não podemos arriscar em nos meter em problemas, Caio.
— Eu sei. Desculpe-me.
— Você não teve culpa — disse segurando firme a sua mão. — Foi seu instinto protegê-la, nós sabemos o quanto isso é ruim. Mas não podemos nos colocar em perigo, não depois de tudo o que passamos para chegar aqui.
Depois que comemos, Caio me acompanhou de volta até a cafeteria. Nós nos despedimos e ele seguiu de táxi para casa, achei mais seguro do que ficar perambulando por aí nas calçadas. Ao entrar pela porta lateral, Salim veio apressado até mim com um jarro de café quente nas mãos.
— Ei! Cuidado! Quer queimar alguém por aí? — perguntei a ele.
— É aquele cara — disse nervoso.
— Que cara? — questionei confusa.
— Aquele italiano.
— O quê? Ele está aqui? — perguntei olhando discretamente em volta, à sua procura.
— Sim, no mezanino. E com uma garota. Estou servindo lá em cima esta tarde no lugar do Johnas. Mas... será que você pode...
— Ir servir no seu lugar? — perguntei interrompendo-o e ele assentiu.
Olhei para o mezanino e lá estava ele sentando à mesa, usando um terno cinza-chumbo e uma gravata mostarda, perfeitamente alinhada sobre a camisa branca. Uma mulher loira estava sentada à sua frente e ela não me parecia nada confortável na cafeteria, com toda certeza aquele não era seu tipo de ambiente. Por que ele a trouxe para cá? Com a grana que esse homem com certeza tem, ele pode levá-la para os melhores restaurantes da cidade.
LAURA— E então? — perguntou Salim.— Posso sim — concordei, enfim, ao ver o jarro balançar levemente na sua mão trêmula.Peguei-o e fui em direção ao balcão. Amarrei o meu avental na cintura, abasteci o jarro com mais café, servi os clientes que estavam sentados no piso de baixo e depois subi para o mezanino. Ao chegar lá em cima, parecia haver um imã que puxaram os seus olhos diretamente para os meus. Ele encarou-me com frieza e arqueou a sobrancelha exalando superioridade pelos poros. Caminhei até a mesa adiante e anotei o pedido antes de seguir até a sua. Ao me aproximar, pude sentir o perfume exageradamente doce que a mulher sentada à sua frente usava. Ela encarou-me dos pés à cabeça e fez uma expressão de nojo. Olhei para ele e por fim perguntei o que desejavam. Ele pediu dois cafés sem creme e açúcar. A garota em momento algum me direcionou uma palavra nem sequer. Saí para buscar os pedidos e mesmo de costas senti que ele ainda me olhava.— Aqui está. — Coloquei as canecas sobre
LAURAVoltei para casa e ao entrar na propriedade, encontrei Lorenzo correndo no jardim da frente sob a guarda dos meus homens. Quando ele me viu descer do carro, veio na minha direção com o seu sorriso lindo e angelical, pulando nos meus braços.— Papai! Você chegou cedo. — Abraçou o meu pescoço.— Sim, filho.— Senhor — chamou Serra.— Sim. — Olhei para ele e vi que tinha uma pasta em mãos. — Filho... Entre e vá brincar no seu quarto. Está frio aqui fora.— Tudo bem, papai — concordou e deu-me um beijo estalado no rosto.Coloquei-o no chão e o observei correndo em direção à Sra. Poulinsk, nossa governanta.— O que tem para mim? — perguntei ao Serra.Ele não disse nada, apenas se aproximou e estendeu-me a pasta. Peguei-a da sua mão e abri. Havia fotos da Laura e, a julgar pelas roupas, eram de hoje. Ela andava pela calçada ao lado de um homem. A minha mandíbula se contraiu instintivamente e as minhas mãos apertaram com força a beirada da pasta, amassando-a.— Quem é ele? — perguntei o
LAURAJá fazia uma semana desde o episódio épico na cafeteria com o italiano e a modelo loira. Eu estava trabalhando mais do que nunca, fazendo todas as horas extras possíveis para não atrasar o aluguel, já que Caio ainda não havia conseguido um emprego.— Vamos almoçar? — convidou Angelita.— Vamos. Estou morrendo de fome.— Aquele food truck árabe que você gosta está estacionado a uma quadra daqui.— Maravilha. Vamos logo, então.Fomos até lá caminhando e fizemos os nossos pedidos após enfrentar uma pequena fila com oito pessoas à nossa frente. Enquanto aguardávamos o nosso almoço, nos sentamos na praça sob o sol do meio-dia para nos esquentar, estava fazendo bastante frio com a chegada do inverno em Boston.— Caio já conseguiu um emprego?— Ainda não. Ele colocou o currículo em alguns sites, fez algumas entrevistas, mas até agora nada. Coitado, anda tão preocupado.— Eu imagino. Mas relaxe, ele vai conseguir alguma coisa. Tenha fé.Almoçamos e voltamos logo para o trabalho. A tarde
LAURARodrigo estava parado sobre a calçada no outro lado da rua com as mãos dentro dos bolsos do seu casaco preto. Ele me observava com atenção e, quando viu o meu espanto em vê-lo ali, curvou os seus lábios em um sorriso sombrio e tenebroso, aquele que ainda assombrava os meus piores pesadelos.— Você está bem? — perguntou a voz grave de sotaque italiano. — Laura? — chamou-me colocando-se de pé e tocando a minha mão, atraindo o meu olhar para ele.— O quê?— Perguntei se você está bem?— Desculpe. Vou pedir para alguém vir atendê-lo.Antes de me afastar, olhei novamente para o outro lado da rua e Rodrigo não estava mais lá. Eu estava me sentindo à beira de um ataque de pânico. Saí apressada e fui para o fundo da cafeteria quase atropelando Salim pelo caminho, fazendo-o deixar a sua bandeja cair no chão. Precisava contar ao Caio o que havia acabado de ver. Tinha certeza de que não era minha imaginação, aquilo foi real! Rodrigo havia nos achado e estava em Boston.Entrei no banheiro do
LAURAO motorista abriu a porta e ele saiu primeiro, ajudando-me a descer de dentro do carro em seguida. Parei por um instante diante dos degraus que levavam à entrada e virei-me para ele, encarando-o confusa. Somente naquele momento a minha ficha havia caído.— Como sabe onde eu moro? — perguntei dando-me conta de que em momento algum passei para ele ou ao seu motorista meu endereço.— É uma longa história, Laura — disse dando um passo na minha direção.— Afinal... Como você sabe o meu nome? — questionei, começando a me sentir ainda mais assustada.— Meu nome é Enzo...— Não estou nem aí para o seu nome, não te perguntei! — gritei. — Quero saber como sabe onde moro? Como pode saber tanto, se nunca nem mesmo disse o meu nome a você?— Fique calma. Não precisa se exaltar. Por que a gente não entra para conversar?— Nem morta vou convidar um estranho para dentro do meu apartamento — interrompi-o. — Obrigada pela gentileza, mas acaba por aqui a sua boa ação do dia. — Dei-lhe as costas e s
LAURAÀs vezes, sair de casa era inevitável. Precisava sair às ruas, buscar emprego, comprar comida e pagar as contas. Mas a cada passo que dava pela cidade, sentia-me observada. Eu tentava dizer para mim mesma que era coisa da minha cabeça e que já estava ficando louca, mas sentia e podia jurar isso.Ainda me perguntava quem era Enzo e como ele sabia tanto sobre mim. Ele chamar-me pelo meu verdadeiro nome e saber onde morava, além de deixar-me apavorada, provou que não estávamos tão escondidos em Boston como pensávamos. Eu temia por minha vida e muito mais pela do Caio. Tinha medo de que o monstro fizesse algo com ele para me atingir. O meu coração se acalmava somente quando ele voltava para casa pela manhã. Esperava-o acordada diariamente andando de um lado para o outro no apartamento, com o coração apertado de preocupação. O meu sono só vinha quando o via passar inteiro pela porta.Estava sentada no balcão de uma cafeteria, folheando o jornal do dia em busca de alguma vaga de empreg
ENZODeixei o quarto fechando a porta atrás de mim e desci a escada indo em direção à cozinha. Encontrei a Sra. Poulinsk sentada à mesa tomando uma xícara de chá. Sentei-me na cadeira do outro lado e sem eu precisar pedir, ela levantou-se e me serviu de uma xícara do chá de camomila, adicionando uma dose especial de um conhaque inglês.— Precisamos arrumar outra babá — falou ela ao se sentar novamente.— Eu sei. Mas não posso pôr qualquer mulher aqui para cuidar do meu filho.— Concordo com o senhor. Mas estou velha para correr atrás de um menino agitado e levado. A minha cota de descabelamentos se esgotou com você quando era criança. — Sorriu fazendo-me rir.— Eu sei. Peço desculpas pelo Lorenzo. Não sei mais o que fazer com ele.— Acho que ele destrata as babás, porque acredita que a mãe só irá voltar quando elas se forem. Afinal, é o senhor quem diz sempre ao menino que elas cuidam dele somente até Monalisa voltar para casa.Olhei-a sentindo-me desconfortável, julgado e culpado.— E
ENZOOs dias foram passando e eu evitando a minha mãe a todo custo. Sempre saindo muito cedo de casa e voltando muito tarde para nos encontrarmos o mínimo de tempo possível. Ela parecia não entender que não estava a fim de casamento algum, ainda mais com Melissa. Às vezes, chegava a perder a paciência e gritava com ela. Passava por pouco de mandá-la embora, mas não podia, eu precisava dela. Não podia mais abusar da boa vontade da Sra. Poulinsk. Ela era uma mulher que já devia estar aposentada, mas se recusa a me deixar e a deixar o meu filho. Por mais complicada que a Sra. Albertinni fosse, ela era necessária até que eu encontrasse alguém para cuidar do meu filho.Já passava da meia-noite quando entrei em casa. Subi a escada a passos silenciosos para não acordar ninguém. Parei diante do quarto do Lorenzo e girei a maçaneta vagarosamente abrindo a porta. Ele dormia embolado debaixo do seu cobertor na sua cama pequena, agarrado ao seu ursinho. Caminhei até ele e sentei-me na beirada do c