ENZO
Os seus cabelos loiros com corte pouco abaixo do ombro balançavam com o vento forte que batia ao encontro do seu rosto. Droga! Como queria me lembrar da cor dos seus olhos. Será que são azuis como os meus? Ou castanhos?
— Não soube ler o aviso de: "não se aproxime da mureta de proteção"? — chamei a sua atenção.
— Não! Não sei ler! — respondeu com rispidez.
Ainda com a mesma língua afiada. Isso me deixou um tanto furioso. Qual era o problema com aquela mulher? Não teve educação?
— Além de estúpida, é analfabeta? De que parte do mundo você surgiu, criatura?
Todos me devem respeito! Eu sou o capo da máfia italiana, porra! Ela também terá de me respeitar. Se não sabe quem sou, irei mostrar!
— De um lugar onde te mandariam para o inferno com um pontapé na bunda, seu italiano arrogante! — respondeu alto e com raiva.
Dei a ela um olhar duro e ameaçador.
— O que faz aqui? Não notou que esse lugar não é para gente como você?
— Por que você não vai à merda?
Deu um passo de encontro a mim, lançando-me um olhar desafiador com o seu narizinho empinado.
— Você é muito atrevida. — Encarei os seus olhos. Eram verdes... Belos como duas esmeraldas.
Ela não iria abaixar a sua guarda. Aquela mulher não era fácil. Se fosse outra qualquer, estaria cheia de dedos para cima de mim e um sorriso sedutor.
— E você é o quê? Existe palavra melhor que imbecil para te definir?
Imbecil? Esta mulher está ultrapassando os limites.
— Você não tem noção de quem está enfrentando, garota estúpida!
— É você quem não tem noção com quem está mexendo.
Respirei fundo, olhando-a de cima. Isso foi uma ameaça? Quem é esta garota? Problemas para mim ou para a máfia? Nunca sabemos que cara tem o inimigo. Olhei minuciosamente o seu rosto descendo os meus olhos dos seus até a sua boca desenhada pintada por um batom vermelho levemente desbotado.
— Saia da minha boate!
Ela encarou-me de um jeito que eu não soube decifrar. Um sorriso debochado brotou no canto dos seus lábios. Olhei novamente para seus olhos de esmeraldas, esperando por xingamentos ou um ataque histérico que não veio.
— Com o maior prazer, Sr. Imbecil! — disse baixo antes de passar por mim e sair pela porta sem olhar para trás.
Definitivamente, ela não era como as outras. Precisava saber quem era aquela mulher. Sentia cheiro de perigo e não costumava me enganar. Se fosse outra, teria contornado a situação numa tentativa de ficar e ter uma noite comigo. Mas ela não. Ela pareceu satisfeita em ir embora e isso me deixou intrigado.
Desci novamente para a boate e saí pela porta da frente com os meus soldados. Ao pisar na calçada, a vi andar em direção ao táxi e entrar no carro.
— Descubra quem é aquela mulher — pedi para o Serra, meu braço direito na máfia, que estava parado ao meu lado. — Procure nas filmagens e descubra quem estava na portaria na hora em que ela chegou. Pergunte tudo que ele possa se lembrar. Quero saber cada detalhe sobre o seu passado e presente. Veja se chegou acompanhada e se sim, investigue também. Quero isso amanhã de manhã nas minhas mãos.
— Sim, senhor.
— Se achar algo suspeito, mande alguém ficar na cola dela.
— Como queira.
Deixei a boate e segui para casa. Ao chegar, subi a escada sentindo o meu corpo clamar por um banho quente e cama. Ao abrir a porta do meu quarto, avistei um montinho sob o cobertor. Aproximei-me a passos silenciosos e puxei-o lentamente descobrindo um pequeno corpinho. A sua cabeça estava deitada sobre o travesseiro de penas de ganso e os seus curtos bracinhos agarravam com força seu fiel companheiro há quatro anos, um urso de pelúcia marrom com gravata vermelha. Tirei o meu paletó e sentei-me na beirada da cama vagarosamente, acariciando os seus cabelos tão pretos quanto os meus. Curvei-me para frente e senti o seu cheirinho de bebê impregnado no pescoço. Depositei um beijo na sua bochecha gorducha e levantei-me indo ao banheiro.
Entrei no box ligando o chuveiro e deixando a água quente cair sobre o meu corpo, relaxando os meus músculos. Ao sair, passei direto para o closet e vesti uma calça de moletom confortável. Deitei-me com cuidado na cama para não acordar o meu pequeno anjinho que adormecia sereno. Deitado de barriga para cima e olhos fechados, sem minha permissão, minha mente levou-me até a mulher abusada de horas atrás. Por que diabos estava pensando nela? Saí dos pensamentos e concentrei-me em dormir. Já estava quase caindo no sono quando fui abraçado e ganhei um beijo no olho esquerdo.
— Eu te amo, papai — sussurrou no meu ouvido.
Abri os meus olhos e olhei para o lado, encontrando somente a sombra do sorriso mais lindo que iluminava os meus dias, curando toda a minha dor.
— Também te amo, meu filho. — Retribuí o carinho dando um beijo na sua testa, por cima dos cabelos lisos que caia sobre ela. — Agora durma, Lorenzo. Já é tarde.
Ele assentiu e deitou no meu peito, abraçando-me.
ENZOAcordei com os raios do sol batendo no meu rosto. Abri os meus olhos vagarosamente, tentando me acostumar à claridade no quarto. Olhei para o lado procurando por meu garoto, mas não o encontrei. O relógio sobre o criado-mudo, ao lado da cama, mostrava que já passavam das sete da manhã.Depois de um banho e vestido adequadamente para mais um dia de trabalho, desci para o desjejum encontrando a mesa ainda posta e sinais de que Lorenzo havia passado por ali. As migalhas e manchas de suco de uva no guardanapo de pano, denunciaram isso. Sorri sentando-me no meu lugar à cabeceira. Ele era tão arteiro quanto já fui um dia quando criança. Há tanto de mim nele quanto existe da sua mãe.Monalisa foi a única mulher que amei na vida. Ela que foi capaz de ver coisas boas em mim quando nem mesmo eu enxergava e me amou mesmo eu sendo um homem cheio de sangue nas mãos. Ela não pertencia à máfia, não nasceu no meio de tudo isso. Era lei se casar com quem era da família, mas eu lutei contra isso. L
LAURADomingo eu nunca sabia o que fazer. Já passavam das onze da manhã e ainda não havia saído da cama, nem mesmo para tomar o café da manhã. Uma batida soou na porta antes que fosse aberta vagarosamente.— Você morreu? — perguntou Caio, passando a sua cabeça por uma fresta.— Não, só estou com preguiça — respondi-o, escondendo a minha cabeça sob o edredom.— Levanta, vai. Vamos almoçar fora, eu pago.Permaneci em silêncio e quieta. Escutei a porta ranger ao ser mais aberta. O edredom foi puxado de mim e jogado nos pés da cama.— Saía, Caio! Me deixa! — reclamei irritada, puxando o edredom e cobrindo-me novamente até o topo da cabeça.— Qual é? Você está doente? Só pode estar doente, você nunca recusa comida, ainda mais quando sou eu quem vai pagar.— Só não estou a fim!— Okay. Vou sair para comer tacos e não vou trazer para você! — avisou antes de fechar a porta em um baque.Permaneci quieta e fechei os meus olhos, rezando para que a segunda chegasse logo, mas, infelizmente, as minh
LAURA— E então? — perguntou Salim.— Posso sim — concordei, enfim, ao ver o jarro balançar levemente na sua mão trêmula.Peguei-o e fui em direção ao balcão. Amarrei o meu avental na cintura, abasteci o jarro com mais café, servi os clientes que estavam sentados no piso de baixo e depois subi para o mezanino. Ao chegar lá em cima, parecia haver um imã que puxaram os seus olhos diretamente para os meus. Ele encarou-me com frieza e arqueou a sobrancelha exalando superioridade pelos poros. Caminhei até a mesa adiante e anotei o pedido antes de seguir até a sua. Ao me aproximar, pude sentir o perfume exageradamente doce que a mulher sentada à sua frente usava. Ela encarou-me dos pés à cabeça e fez uma expressão de nojo. Olhei para ele e por fim perguntei o que desejavam. Ele pediu dois cafés sem creme e açúcar. A garota em momento algum me direcionou uma palavra nem sequer. Saí para buscar os pedidos e mesmo de costas senti que ele ainda me olhava.— Aqui está. — Coloquei as canecas sobre
LAURAVoltei para casa e ao entrar na propriedade, encontrei Lorenzo correndo no jardim da frente sob a guarda dos meus homens. Quando ele me viu descer do carro, veio na minha direção com o seu sorriso lindo e angelical, pulando nos meus braços.— Papai! Você chegou cedo. — Abraçou o meu pescoço.— Sim, filho.— Senhor — chamou Serra.— Sim. — Olhei para ele e vi que tinha uma pasta em mãos. — Filho... Entre e vá brincar no seu quarto. Está frio aqui fora.— Tudo bem, papai — concordou e deu-me um beijo estalado no rosto.Coloquei-o no chão e o observei correndo em direção à Sra. Poulinsk, nossa governanta.— O que tem para mim? — perguntei ao Serra.Ele não disse nada, apenas se aproximou e estendeu-me a pasta. Peguei-a da sua mão e abri. Havia fotos da Laura e, a julgar pelas roupas, eram de hoje. Ela andava pela calçada ao lado de um homem. A minha mandíbula se contraiu instintivamente e as minhas mãos apertaram com força a beirada da pasta, amassando-a.— Quem é ele? — perguntei o
LAURAJá fazia uma semana desde o episódio épico na cafeteria com o italiano e a modelo loira. Eu estava trabalhando mais do que nunca, fazendo todas as horas extras possíveis para não atrasar o aluguel, já que Caio ainda não havia conseguido um emprego.— Vamos almoçar? — convidou Angelita.— Vamos. Estou morrendo de fome.— Aquele food truck árabe que você gosta está estacionado a uma quadra daqui.— Maravilha. Vamos logo, então.Fomos até lá caminhando e fizemos os nossos pedidos após enfrentar uma pequena fila com oito pessoas à nossa frente. Enquanto aguardávamos o nosso almoço, nos sentamos na praça sob o sol do meio-dia para nos esquentar, estava fazendo bastante frio com a chegada do inverno em Boston.— Caio já conseguiu um emprego?— Ainda não. Ele colocou o currículo em alguns sites, fez algumas entrevistas, mas até agora nada. Coitado, anda tão preocupado.— Eu imagino. Mas relaxe, ele vai conseguir alguma coisa. Tenha fé.Almoçamos e voltamos logo para o trabalho. A tarde
LAURARodrigo estava parado sobre a calçada no outro lado da rua com as mãos dentro dos bolsos do seu casaco preto. Ele me observava com atenção e, quando viu o meu espanto em vê-lo ali, curvou os seus lábios em um sorriso sombrio e tenebroso, aquele que ainda assombrava os meus piores pesadelos.— Você está bem? — perguntou a voz grave de sotaque italiano. — Laura? — chamou-me colocando-se de pé e tocando a minha mão, atraindo o meu olhar para ele.— O quê?— Perguntei se você está bem?— Desculpe. Vou pedir para alguém vir atendê-lo.Antes de me afastar, olhei novamente para o outro lado da rua e Rodrigo não estava mais lá. Eu estava me sentindo à beira de um ataque de pânico. Saí apressada e fui para o fundo da cafeteria quase atropelando Salim pelo caminho, fazendo-o deixar a sua bandeja cair no chão. Precisava contar ao Caio o que havia acabado de ver. Tinha certeza de que não era minha imaginação, aquilo foi real! Rodrigo havia nos achado e estava em Boston.Entrei no banheiro do
LAURAO motorista abriu a porta e ele saiu primeiro, ajudando-me a descer de dentro do carro em seguida. Parei por um instante diante dos degraus que levavam à entrada e virei-me para ele, encarando-o confusa. Somente naquele momento a minha ficha havia caído.— Como sabe onde eu moro? — perguntei dando-me conta de que em momento algum passei para ele ou ao seu motorista meu endereço.— É uma longa história, Laura — disse dando um passo na minha direção.— Afinal... Como você sabe o meu nome? — questionei, começando a me sentir ainda mais assustada.— Meu nome é Enzo...— Não estou nem aí para o seu nome, não te perguntei! — gritei. — Quero saber como sabe onde moro? Como pode saber tanto, se nunca nem mesmo disse o meu nome a você?— Fique calma. Não precisa se exaltar. Por que a gente não entra para conversar?— Nem morta vou convidar um estranho para dentro do meu apartamento — interrompi-o. — Obrigada pela gentileza, mas acaba por aqui a sua boa ação do dia. — Dei-lhe as costas e s
LAURAÀs vezes, sair de casa era inevitável. Precisava sair às ruas, buscar emprego, comprar comida e pagar as contas. Mas a cada passo que dava pela cidade, sentia-me observada. Eu tentava dizer para mim mesma que era coisa da minha cabeça e que já estava ficando louca, mas sentia e podia jurar isso.Ainda me perguntava quem era Enzo e como ele sabia tanto sobre mim. Ele chamar-me pelo meu verdadeiro nome e saber onde morava, além de deixar-me apavorada, provou que não estávamos tão escondidos em Boston como pensávamos. Eu temia por minha vida e muito mais pela do Caio. Tinha medo de que o monstro fizesse algo com ele para me atingir. O meu coração se acalmava somente quando ele voltava para casa pela manhã. Esperava-o acordada diariamente andando de um lado para o outro no apartamento, com o coração apertado de preocupação. O meu sono só vinha quando o via passar inteiro pela porta.Estava sentada no balcão de uma cafeteria, folheando o jornal do dia em busca de alguma vaga de empreg