LAURA
Caminhei para uma beirada mais afastada e encarei a bela vista noturna da cidade. Encostei-me à mureta de proteção e fechei os meus olhos sentindo o vento forte contra o meu rosto bagunçando um pouco os meus cabelos de comprimento médio. Ao abrir os meus olhos, pensei na minha mãe. Como sentia a sua falta. Gostaria de ter tido tempo suficiente para levá-la conosco. Era muito triste ela não ter tido a chance de estar ali e lembrar-me do inferno que viveu até o seu último dia. Uma lágrima solitária e atrevida desceu por meu rosto. Será que esta dor e angústia nunca irá passar, ou ao menos diminuir?
— Não soube ler o aviso de: "não se aproxime da mureta de proteção"? — perguntou uma voz masculina e rude atrás de mim, com um sotaque italiano.
Aquele sotaque não me era estranho, eu reconhecia. Não fazia nem uma semana que queria mandar o dono daquela voz para o inferno. Sequei a minha bochecha esquerda e virei-me para trás encarando o homem estúpido que me destratou na cafeteria.
— Não! Não sei ler! — respondi-o no mesmo tom rude.
— Além de estúpida, é analfabeta! — debochou. — De que parte do mundo você surgiu, criatura?
Ah... Mas este homem não sabe com quem está mexendo. Quem ele pensa que é?
— De um lugar onde te mandariam para o inferno com um pontapé na bunda, seu italiano arrogante! — rebati irada.
— O que faz aqui? Não notou que esse lugar não é para gente como você? — perguntou com arrogância, aproximando-se.
— Por que você não vai à merda? — retruquei-o, dando um passo na sua direção e fechando o pouco espaço que havia entre nós.
— Você é muito atrevida! — rosnou baixo, cerrando a sua mandíbula.
— E você é o quê? Existe palavra melhor do que imbecil para te definir? — perguntei encarando-o nos olhos.
— Você não tem noção de quem está enfrentando, garota estúpida!
— É você quem não tem noção com quem está mexendo.
Ele respirou fundo empinando um pouco o seu queixo e encarou-me de cima, deslizando o seu olhar por cada centímetro de pele do meu rosto, desde os meus olhos até a minha boca, parando ali o seu olhar por alguns segundos.
— Saia da minha boate! — ordenou em um tom baixo, firme e ameaçador.
Esse homem pensa que tenho medo dele? Dei-lhe um sorriso debochado quando os seus olhos voltaram aos meus.
— Com o maior prazer, Sr. Imbecil.
Passei por ele e deixei o terraço sem olhar para trás. Desci a escada e comecei a andar à procura de Angelita, mas não a vi em lugar algum. Tirei o meu celular do bolso da saia e mandei uma mensagem avisando que já estava indo para casa. Aquela noite já havia rendido tudo o que podia e mais um pouco para mim.
Peguei o meu casaco na portaria e saí para a calçada. Por sorte, um táxi estava sendo desocupado alguns metros mais adiante. Corri até ele e entrei. Não estava acreditando, que com tantas boates em Boston, fui parar justamente na daquele homem grosso e babaca! Quando o táxi estacionou próximo ao meio-fio, em frente ao meu prédio, saltei apressada após pagar a corrida.
Ao entrar em casa, tudo estava escuro e silencioso. Sentei-me na sala e tirei as minhas botas jogando-as de lado, enquanto me recordava do episódio de estresse no terraço com aquele homem. Pelo menos uma coisa tinha que admitir: o italiano estúpido era muito cheiroso. As minhas narinas agradeceram por respirar a sua fragrância máscula e suave após ficarem horas cercadas pelo odor do homem nojento na pista de dança.
***
ENZO
Cansaço era a palavra que me definia naquela noite. Sentado no banco traseiro do meu carro, a caminho de casa, tentei recordar-me de quando foi a última vez que tive uma mulher sob mim, servindo-me e cedendo a todos os meus prazeres e caprichos. Desde que me tornei Capo da máfia italiana nos Estados Unidos, há três anos, não tive muito mais tempo para nada na minha vida. Enquanto o meu pai continuava a cuidar da nossa terra natal atuando como Don, eu estava em Boston aguentando aquela gente estúpida e cheia de si que eram os americanos. Quanta gente petulante havia naquele país.
O meu celular vibrou no bolso interno do meu paletó, fazendo-me bufar e revirar os olhos, irritado. O que querem tanto falar comigo a uma hora da manhã?
— Seja rápido — disse ao atender a ligação do Cássio, um dos meus soldados.
— Senhor... Achamos o Salazar. Ele voltou à cidade e não irá acreditar onde.
— Fale logo de uma vez! — mandei irritado.
— Está na Luxes, senhor. Na sua boate, rodeado por modelos no camarote e pagando bebida para uma porção de gente.
— Desgraçado! Mande todos ficarem de olho nele, estou indo para aí. Não o percam de vista e não deixem que ele saia do camarote. Avise que chegarei pelos fundos, ainda não quero que saibam que sou o novo dono deste lugar.
— Sim, senhor.
— Para a Luxes — informei ao motorista após encerrar a chamada.
Ele assentiu e deu meia-volta. Ao chegarmos, outros soldados já esperavam por mim nos fundos.
— Senhor Albertinni — cumprimentou Cássio, quando desci do carro. — Ele continua no camarote, não fizemos alarde. O pegará de surpresa.
— Ótimo! É assim que eu gosto. Desprevenido — disse enroscando o silenciador na ponta da minha pistola.
ENZOEntrei e observei o lugar lotado de gente bêbada e drogada. Andei em meio àquelas pessoas até chegar à escada que levava a área VIP elevada. Assim que me viu aproximar, o segurança retirou o cordão de veludo azul para eu passar. Lá em cima, caminhei até o homem que me devia milhões e fugia de mim há meses, gerando sérios problemas com o meu pai e o Conselho.— Salazar — chamei-o parando à sua frente.— A-Albertinni — gaguejou quando me viu.O seu rosto ficou pálido e os seus olhos arregalaram-se. Ele retirou apressado as mulheres que estavam sentadas no seu colo, jogando-as para os lados como sacos de batatas.— Sente-se, por favor — convidou-me com um sorriso forçado, indicando com a mão a poltrona à sua frente.— Obrigado. — Sentei-me. — Soube que está pagando bebida para todo mundo. Não vai pagar uma para mim também? — Sorri com sarcasmo.— Mas é claro! — respondeu-me e chamou uma garçonete. — O que vai beber? — A sua hospitalidade forçada me deixou irritado.— O seu sangue em
ENZOOs seus cabelos loiros com corte pouco abaixo do ombro balançavam com o vento forte que batia ao encontro do seu rosto. Droga! Como queria me lembrar da cor dos seus olhos. Será que são azuis como os meus? Ou castanhos?— Não soube ler o aviso de: "não se aproxime da mureta de proteção"? — chamei a sua atenção.— Não! Não sei ler! — respondeu com rispidez.Ainda com a mesma língua afiada. Isso me deixou um tanto furioso. Qual era o problema com aquela mulher? Não teve educação?— Além de estúpida, é analfabeta? De que parte do mundo você surgiu, criatura?Todos me devem respeito! Eu sou o capo da máfia italiana, porra! Ela também terá de me respeitar. Se não sabe quem sou, irei mostrar!— De um lugar onde te mandariam para o inferno com um pontapé na bunda, seu italiano arrogante! — respondeu alto e com raiva.Dei a ela um olhar duro e ameaçador.— O que faz aqui? Não notou que esse lugar não é para gente como você?— Por que você não vai à merda?Deu um passo de encontro a mim, l
ENZOAcordei com os raios do sol batendo no meu rosto. Abri os meus olhos vagarosamente, tentando me acostumar à claridade no quarto. Olhei para o lado procurando por meu garoto, mas não o encontrei. O relógio sobre o criado-mudo, ao lado da cama, mostrava que já passavam das sete da manhã.Depois de um banho e vestido adequadamente para mais um dia de trabalho, desci para o desjejum encontrando a mesa ainda posta e sinais de que Lorenzo havia passado por ali. As migalhas e manchas de suco de uva no guardanapo de pano, denunciaram isso. Sorri sentando-me no meu lugar à cabeceira. Ele era tão arteiro quanto já fui um dia quando criança. Há tanto de mim nele quanto existe da sua mãe.Monalisa foi a única mulher que amei na vida. Ela que foi capaz de ver coisas boas em mim quando nem mesmo eu enxergava e me amou mesmo eu sendo um homem cheio de sangue nas mãos. Ela não pertencia à máfia, não nasceu no meio de tudo isso. Era lei se casar com quem era da família, mas eu lutei contra isso. L
LAURADomingo eu nunca sabia o que fazer. Já passavam das onze da manhã e ainda não havia saído da cama, nem mesmo para tomar o café da manhã. Uma batida soou na porta antes que fosse aberta vagarosamente.— Você morreu? — perguntou Caio, passando a sua cabeça por uma fresta.— Não, só estou com preguiça — respondi-o, escondendo a minha cabeça sob o edredom.— Levanta, vai. Vamos almoçar fora, eu pago.Permaneci em silêncio e quieta. Escutei a porta ranger ao ser mais aberta. O edredom foi puxado de mim e jogado nos pés da cama.— Saía, Caio! Me deixa! — reclamei irritada, puxando o edredom e cobrindo-me novamente até o topo da cabeça.— Qual é? Você está doente? Só pode estar doente, você nunca recusa comida, ainda mais quando sou eu quem vai pagar.— Só não estou a fim!— Okay. Vou sair para comer tacos e não vou trazer para você! — avisou antes de fechar a porta em um baque.Permaneci quieta e fechei os meus olhos, rezando para que a segunda chegasse logo, mas, infelizmente, as minh
LAURA— E então? — perguntou Salim.— Posso sim — concordei, enfim, ao ver o jarro balançar levemente na sua mão trêmula.Peguei-o e fui em direção ao balcão. Amarrei o meu avental na cintura, abasteci o jarro com mais café, servi os clientes que estavam sentados no piso de baixo e depois subi para o mezanino. Ao chegar lá em cima, parecia haver um imã que puxaram os seus olhos diretamente para os meus. Ele encarou-me com frieza e arqueou a sobrancelha exalando superioridade pelos poros. Caminhei até a mesa adiante e anotei o pedido antes de seguir até a sua. Ao me aproximar, pude sentir o perfume exageradamente doce que a mulher sentada à sua frente usava. Ela encarou-me dos pés à cabeça e fez uma expressão de nojo. Olhei para ele e por fim perguntei o que desejavam. Ele pediu dois cafés sem creme e açúcar. A garota em momento algum me direcionou uma palavra nem sequer. Saí para buscar os pedidos e mesmo de costas senti que ele ainda me olhava.— Aqui está. — Coloquei as canecas sobre
LAURAVoltei para casa e ao entrar na propriedade, encontrei Lorenzo correndo no jardim da frente sob a guarda dos meus homens. Quando ele me viu descer do carro, veio na minha direção com o seu sorriso lindo e angelical, pulando nos meus braços.— Papai! Você chegou cedo. — Abraçou o meu pescoço.— Sim, filho.— Senhor — chamou Serra.— Sim. — Olhei para ele e vi que tinha uma pasta em mãos. — Filho... Entre e vá brincar no seu quarto. Está frio aqui fora.— Tudo bem, papai — concordou e deu-me um beijo estalado no rosto.Coloquei-o no chão e o observei correndo em direção à Sra. Poulinsk, nossa governanta.— O que tem para mim? — perguntei ao Serra.Ele não disse nada, apenas se aproximou e estendeu-me a pasta. Peguei-a da sua mão e abri. Havia fotos da Laura e, a julgar pelas roupas, eram de hoje. Ela andava pela calçada ao lado de um homem. A minha mandíbula se contraiu instintivamente e as minhas mãos apertaram com força a beirada da pasta, amassando-a.— Quem é ele? — perguntei o
LAURAJá fazia uma semana desde o episódio épico na cafeteria com o italiano e a modelo loira. Eu estava trabalhando mais do que nunca, fazendo todas as horas extras possíveis para não atrasar o aluguel, já que Caio ainda não havia conseguido um emprego.— Vamos almoçar? — convidou Angelita.— Vamos. Estou morrendo de fome.— Aquele food truck árabe que você gosta está estacionado a uma quadra daqui.— Maravilha. Vamos logo, então.Fomos até lá caminhando e fizemos os nossos pedidos após enfrentar uma pequena fila com oito pessoas à nossa frente. Enquanto aguardávamos o nosso almoço, nos sentamos na praça sob o sol do meio-dia para nos esquentar, estava fazendo bastante frio com a chegada do inverno em Boston.— Caio já conseguiu um emprego?— Ainda não. Ele colocou o currículo em alguns sites, fez algumas entrevistas, mas até agora nada. Coitado, anda tão preocupado.— Eu imagino. Mas relaxe, ele vai conseguir alguma coisa. Tenha fé.Almoçamos e voltamos logo para o trabalho. A tarde
LAURARodrigo estava parado sobre a calçada no outro lado da rua com as mãos dentro dos bolsos do seu casaco preto. Ele me observava com atenção e, quando viu o meu espanto em vê-lo ali, curvou os seus lábios em um sorriso sombrio e tenebroso, aquele que ainda assombrava os meus piores pesadelos.— Você está bem? — perguntou a voz grave de sotaque italiano. — Laura? — chamou-me colocando-se de pé e tocando a minha mão, atraindo o meu olhar para ele.— O quê?— Perguntei se você está bem?— Desculpe. Vou pedir para alguém vir atendê-lo.Antes de me afastar, olhei novamente para o outro lado da rua e Rodrigo não estava mais lá. Eu estava me sentindo à beira de um ataque de pânico. Saí apressada e fui para o fundo da cafeteria quase atropelando Salim pelo caminho, fazendo-o deixar a sua bandeja cair no chão. Precisava contar ao Caio o que havia acabado de ver. Tinha certeza de que não era minha imaginação, aquilo foi real! Rodrigo havia nos achado e estava em Boston.Entrei no banheiro do