Points Of View Isabella
O relógio da parede parecia zombar de mim, os ponteiros arrastando-se como se soubessem que eu não tinha pressa de encarar o que vinha depois do expediente. As horas naquele escritório pareciam mais longas do que nunca. A cada clique do mouse, cada e-mail enviado, mais um pedaço da minha alma se desgastava. Trabalhar naquela empresa há tanto tempo me dava a sensação de estar presa em uma teia, incapaz de escapar e sem saber para onde ir. O trabalho em si nunca foi o problema, mas a falta de reconhecimento, de propósito... era sufocante. Eu me esforçava, fazia tudo certo, mas no final do dia, parecia que nada importava.
Suspirei profundamente, afastando o olhar da tela do computador. Meus olhos ardiam de cansaço, mas não era apenas isso. Era um cansaço que ia além do físico, era emocional, mental. A empresa estava em colapso, e eu, por mais dedicada que fosse, não conseguiria salvar um navio que já estava afundando. Sabia que os dias estavam contados, tanto para o negócio quanto para mim. Mas esse pensamento, embora alarmante, parecia pequeno diante dos problemas reais que me aguardavam fora dali.
O relógio finalmente marcou o fim do expediente, e eu desliguei o computador, pegando minha bolsa e saindo sem olhar para trás. Não havia nada naquele lugar que eu queria levar comigo, nem mesmo as lembranças dos dias em que eu ainda acreditava que tudo valeria a pena. Atravessar a porta da empresa deveria ser libertador, mas o peso que carregava nos ombros não diminuía. Talvez fosse o peso de decisões que eu ainda não tinha tomado. Ou o medo de enfrentar o que estava por vir.
Caminhei até o café onde eu e Pedro costumávamos nos encontrar depois do trabalho. Ele era meu ponto de equilíbrio, a pessoa que sempre me ouvia sem julgamentos, sem me dizer o que eu deveria fazer, mas ainda assim me dando a força para seguir em frente. Hoje, mais do que nunca, eu precisava dessa força.
Quando cheguei, Pedro já estava lá, com uma xícara de café à sua frente, me esperando com o olhar de sempre — atento, preocupado. Sentei-me à sua frente, soltando um longo suspiro enquanto ele me observava, como se tentasse adivinhar o que eu diria primeiro.
— Como você está, Isa? — ele perguntou, a voz calma, mas com uma ponta de preocupação.
Olhei para ele e tentei forçar um sorriso, mas tudo o que consegui foi um franzir de lábios que logo desapareceu. Eu sabia que não precisava fingir com Pedro.
— Estou... sobrevivendo — respondi, a voz mais fraca do que eu gostaria. — As coisas não estão fáceis, Pedro. As contas médicas da minha mãe continuam aumentando, e a cada dia parece que estou mais afundada em dívidas. Eu não sei mais o que fazer. Estou me afogando.
Pedro ficou em silêncio por alguns segundos, e eu sabia que ele estava escolhendo as palavras com cuidado. Ele sempre fazia isso. Não era alguém que jogava conselhos prontos no ar, sabia que a vida não era tão simples assim.
— Eu sei que parece impossível agora, Isa. E eu não vou mentir, a situação é difícil. Mas você é forte, já passou por tanta coisa. Se alguém pode dar um jeito nisso, é você.
Suas palavras eram bem-intencionadas, mas não consegui evitar a sensação de impotência que me envolvia. Minha mãe... era por ela que eu estava lutando, e a cada dia que passava, parecia que ela estava escapando de mim. O tratamento que ela precisava era caro demais, e cada visita ao hospital era um lembrete cruel de que o tempo estava se esgotando.
— Eu me sinto uma fracassada, Pedro — admiti, a voz embargada. — Eu queria ter feito mais, sabe? Ter conseguido mais. Mas parece que tudo o que eu faço é correr atrás de um sonho que nunca se concretiza. O trabalho... eu pensei que era temporário, só até eu conseguir algo melhor. E agora estou presa lá, sem perspectivas, sem nada.
Pedro inclinou-se para frente, olhando diretamente nos meus olhos, como se quisesse garantir que eu o ouvisse de verdade.
— Você fez o que podia, Isa. E continua fazendo. Isso já é mais do que muita gente faria. Eu sei que você está se sentindo impotente agora, mas não se culpe. Não é sua culpa que as coisas tenham chegado a esse ponto.
Eu queria acreditar nas palavras dele. Queria acreditar que eu estava fazendo o meu melhor, que de alguma forma, tudo daria certo no final. Mas a realidade era implacável. As contas médicas não paravam de chegar, o salário não aumentava, e o emprego estava por um fio. E a cada dia, eu via minha mãe definhar mais um pouco, seu corpo já frágil lutando contra uma doença implacável.
— E quanto ao trabalho? Alguma novidade? — Pedro perguntou, mudando de assunto na tentativa de aliviar a tensão.
— Nenhuma. Acho que não vão demorar muito para me dispensar. A empresa está caindo aos pedaços, e eu não vejo como vão conseguir segurar as pontas. Eu tenho que começar a procurar outra coisa... mas ao mesmo tempo, não posso me dar ao luxo de sair agora. Preciso do dinheiro, por pior que a situação esteja.
Pedro assentiu, compreendendo a encruzilhada em que eu estava. Ele sabia o quanto eu dependia daquele emprego, mesmo que fosse um beco sem saída. E sabia o quanto aquilo me frustrava.
— Talvez essa seja a hora de pensar em outra solução, Isa — ele sugeriu, com cautela. — Sei que não é fácil, mas quem sabe existe uma saída que você ainda não considerou.
— Que saída, Pedro? — perguntei, exasperada. — Eu já pensei em todas as alternativas possíveis. Nenhuma delas vai me tirar desse buraco. E a cada dia que passa, parece que o buraco só fica maior.
Ele não respondeu de imediato. Em vez disso, olhou para mim com aquele olhar que sempre me fazia pensar que ele sabia algo que eu não sabia.
— A vida às vezes nos surpreende, Isa. Eu sei que parece sem esperança agora, mas você nunca sabe o que pode acontecer. Talvez algo inesperado apareça... uma oportunidade.
Balancei a cabeça, soltando uma risada amarga.
— Estou esperando essa oportunidade há anos, Pedro. E olha onde isso me trouxe.
Ele deu de ombros, sem perder o otimismo.
— Talvez ela esteja mais perto do que você imagina.
Eu queria acreditar nele. Queria acreditar que, de alguma forma, algo milagroso aconteceria e tiraria esse peso dos meus ombros. Mas, naquele momento, tudo o que eu conseguia enxergar era o caos. E o tempo, implacável, continuava correndo.
Olhei pela janela do café, observando as pessoas passando apressadas, mergulhadas em suas próprias vidas e problemas. Perguntei-me se algum dia eu teria a chance de viver a vida que sempre sonhei. Porque, naquele momento, parecia que o tempo estava se esgotando para mim também.
— Vamos ver o que o futuro nos reserva, Pedro — murmurei, embora eu mesma não acreditasse nas minhas palavras.
A luz fria e intensa do hospital iluminava o quarto onde minha mãe estava internada. O cheiro de desinfetante e a batida distante de equipamentos médicos criavam uma atmosfera pesada. Eu me aproximei da cama, e um nó se formou na minha garganta ao vê-la deitada ali, tão vulnerável. As cobertas brancas contrastavam com sua pele pálida, quase translúcida. Um ventilador girava lentamente no canto, mas sua presença não trazia alívio ao calor que queimava dentro de mim.— Oi, minha linda, — ela disse com um sorriso cansado, mas cheio de amor. Era um sorriso que sempre me fez sentir que tudo ficaria bem, mesmo em meio a tempestades.— Oi, mamãe. — Sentei-me na beira da cama, segurando sua mão. Ela estava tão leve, como se a vida estivesse lentamente esvaindo-se dela. O toque de sua pele ressecada e quente era um lembrete cruel da fragilidade que agora dominava nossa realidade.— Como você está se sentindo hoje? — perguntei, tentando esconder a preocupação em minha voz.— Ah, você sabe, um d
Points Of View Leonardo FerrazObservei a cidade do alto do meu escritório, cercada por vidros e concreto. O sol poente refletia em meus olhos frios enquanto meus advogados se revezavam para explicar os termos do testamento de meu pai. Cada palavra parecia uma marretada em minha mente, e eu não estava preparado para isso.— Então é isso? Eu tenho que me casar para manter o controle da empresa? — perguntei, com uma pitada de cinismo. O advogado à minha frente, o velho Sr. Braga, ajeitou os óculos enquanto mexia nos papéis à sua frente.— Exatamente, senhor Leonardo. A cláusula no testamento de seu pai é bem clara. Caso não contraia matrimônio dentro de seis meses, o controle acionário da empresa passará para o seu meio-irmão Ricardo — ele explicou calmamente, como se estivesse falando de algo trivial, quando na verdade estava colocando meu futuro em xeque.Ricardo. Só de ouvir o nome dele meu estômago se revirava. O oportunista, sempre à espreita, esperando que eu cometesse um deslize.
Points Of View Isabella RossiO som dos monitores e o cheiro de desinfetante hospitalar pareciam impregnados na minha pele. Minha rotina tinha se tornado uma série de idas e vindas ao hospital, somada às preocupações financeiras que só aumentavam. Minha mãe, sempre otimista e cheia de vida, agora se recuperava lentamente em um leito hospitalar, e, a cada dia, eu sentia que estava perdendo um pouco mais dela.Olhei para o relógio: meu turno começaria em uma hora. As contas não paravam de chegar, e o tratamento dela era caro demais para o meu salário cobrir. Eu já tinha vendido praticamente tudo que possuía e não sabia mais a quem recorrer. Meu trabalho atual, embora importante, pagava pouco, e as oportunidades pareciam sempre fora do meu alcance.Meu emprego na Meridiana Consultoria já estava por um fio, assim como a própria empresa. Sabíamos que os dias estavam contados; os atrasos nos pagamentos e a falta de novos projetos eram sinais claros de que a situação era grave. A equipe já e
Ao abrir a porta do meu apartamento, o cheiro familiar da madeira e do ar condicionado se misturou com a realidade sombria que havia me acompanhado desde a reunião com Leonardo Ferraz. O apartamento, embora modesto, era um refúgio. No entanto, aquela noite não seria suficiente para me afastar da tempestade emocional que se abatia sobre mim.O som do meu celular vibrando na mesa da cozinha interrompeu meu turbilhão de pensamentos. Pedro, meu amigo e colega de trabalho, estava ligando. Sempre alguém em quem eu podia confiar, sua presença era uma âncora em tempos de incerteza.— Oi, Pedro. — Minha voz soou mais trêmula do que eu esperava. Eu tentei disfarçar a apreensão que estava crescendo dentro de mim.— Isabella! O que aconteceu? Você parece preocupada — ele respondeu, a preocupação evidente em seu tom.Respirei fundo, tentando organizar as ideias antes de explicar a proposta absurda que me foi apresentada. A dor que senti ao reviver aquele momento era quase palpável, mas eu sabia qu
Enquanto observava minha mãe deitada na cama do hospital, as máquinas ao redor dela monitorando cada respiração, uma série de pensamentos começaram a se formar na minha mente. As luzes fluorescentes do quarto criavam um ambiente opressivo, e cada batida do meu coração parecia ecoar a realidade sombria que enfrentávamos. Eu não conseguia me afastar da proposta que Leonardo Ferraz havia me feito. A ideia de aceitar um casamento sem amor me deixava enjoada, mas a necessidade de segurança financeira me deixava dividida.Pensei em minha mãe. Ela sempre foi o pilar da minha vida, a mulher que me ensinou a valorizar a dignidade acima de tudo. Lembro-me das longas conversas que tivemos, quando ela me dizia que amor e respeito deveriam ser os alicerces de qualquer relacionamento. Como eu poderia olhar para ela nos olhos e dizer que estava considerando uma transação tão fria e sem alma? Mas, por outro lado, como eu poderia ignorar a gravidade da situação que estávamos vivendo?O tratamento dela
A luz da tarde entrava pela janela do meu pequeno apartamento, filtrada por cortinas desbotadas que há tempos não eram trocadas. O silêncio era quase ensurdecedor, uma constante lembrança da falta de movimento na minha vida. Ouvia apenas o som do meu próprio coração acelerado, batendo forte contra o peito, enquanto tentava processar a proposta de Leonardo Ferraz e o que isso significava para mim.A pressão emocional começou a se acumular, como se estivesse carregando o peso do mundo sobre meus ombros. A imagem da minha mãe no hospital se sobrepunha a tudo. Seu sorriso, uma luz que sempre me guiou, agora estava apagado, e a preocupação em seu olhar me atormentava. Lembrei-me de nossas conversas, de como ela sempre dizia para eu pensar no futuro, para não deixar que os problemas do presente me dominassem. Mas como eu poderia fazer isso agora? A saúde dela estava em jogo, e as minhas finanças estavam em ruínas.Pensei na proposta de Leonardo, naquele "casamento" que não passava de uma tr
Na manhã seguinte, levantei-me mais cedo do que o habitual. O sono me escapara completamente, mas minha decisão estava firme. Eu não podia mais perder tempo; a vida da minha mãe dependia de uma escolha que eu jamais imaginei ter que fazer. Olhei para o telefone em minha mão, os dedos levemente trêmulos, e decidi que Pedro precisava saber.Atravessar essa situação sozinha parecia impossível, e Pedro, com toda sua honestidade e amizade, poderia me ajudar a ter certeza de que eu estava tomando a decisão certa — ou, ao menos, me ajudar a suportá-la.Respirei fundo e disquei o número. Ele atendeu no segundo toque, como se estivesse esperando por isso.— Isa? Tudo bem? — A preocupação estava clara na voz dele, e eu podia imaginar seu rosto franzido.— Pedro, eu decidi... — minha voz saiu baixa, quase um sussurro. Respirei fundo e repeti, agora com mais firmeza. — Eu vou aceitar.Houve uma pausa do outro lado da linha, um silêncio carregado de incredulidade e desapontamento.— Isabella... vo
A caneta parecia pesar uma tonelada entre meus dedos, mesmo com minha mão já sobre o papel. Assinar aquele contrato representava muito mais do que uma simples formalidade; era um ponto de ruptura na minha vida. Eu me vi suspirando fundo e, então, numa última tentativa de bloquear toda a frustração e a revolta que surgiam em meu peito, coloquei meu nome, traçando a assinatura com uma mistura de raiva e resignação.Leonardo, por sua vez, me olhava com um controle glacial, como se estivéssemos apenas finalizando uma compra qualquer. Sua indiferença era um lembrete constante de que, para ele, eu era apenas uma peça em seu jogo. Para ele, um casamento não passava de um acordo de negócios e, se não fosse pelo último desejo do pai, ele jamais se sujeitaria a algo assim. Quando o advogado finalmente pegou o contrato, senti um misto de alívio e um peso sufocante.— Agora está feito, — disse ele, com um leve sorriso de satisfação. — A partir de amanhã, você se mudará para a cobertura que provid