Points Of View Isabella Rossi
O som dos monitores e o cheiro de desinfetante hospitalar pareciam impregnados na minha pele. Minha rotina tinha se tornado uma série de idas e vindas ao hospital, somada às preocupações financeiras que só aumentavam. Minha mãe, sempre otimista e cheia de vida, agora se recuperava lentamente em um leito hospitalar, e, a cada dia, eu sentia que estava perdendo um pouco mais dela.
Olhei para o relógio: meu turno começaria em uma hora. As contas não paravam de chegar, e o tratamento dela era caro demais para o meu salário cobrir. Eu já tinha vendido praticamente tudo que possuía e não sabia mais a quem recorrer. Meu trabalho atual, embora importante, pagava pouco, e as oportunidades pareciam sempre fora do meu alcance.
Meu emprego na Meridiana Consultoria já estava por um fio, assim como a própria empresa. Sabíamos que os dias estavam contados; os atrasos nos pagamentos e a falta de novos projetos eram sinais claros de que a situação era grave. A equipe já estava reduzida ao mínimo, e muitos colegas haviam partido, deixando um clima de incerteza e tensão no escritório. O que me mantinha lá eram as contas intermináveis e, principalmente, a esperança de garantir o tratamento da minha mãe.
Sentada no ônibus, peguei meu celular para conferir e-mails, esperando receber alguma resposta positiva das diversas vagas para as quais havia me candidatado. Era algo que eu fazia com frequência: enviar currículos e esperar que alguma empresa pudesse me dar uma chance. Minha mente estava em um turbilhão quando vi uma nova mensagem na minha caixa de entrada, vinda de uma empresa desconhecida.
"Srta. Isabella,
Recebemos seu perfil por meio de nossa equipe de contatos e gostaríamos de discutir uma proposta profissional que acreditamos ser vantajosa para ambos. Nossa reunião será no Hotel Firenze, às 14h, com o Sr. Leonardo Ferraz.
Atenciosamente,
Equipe de Recrutamento.”
Leonardo Ferraz. O nome era familiar: o poderoso empresário e CEO de um dos maiores conglomerados do país. Por mais vaga que fosse a proposta, parecia uma oportunidade de ouro. Se ele me achava qualificada para uma posição, mesmo com a situação caótica da minha empresa, eu precisava considerar. Às 14h em ponto, eu estava no hotel.
Dois dias depois do convite, lá estava eu, parada na frente de um dos hotéis mais sofisticados do centro da cidade. Olhei para os detalhes luxuosos da fachada, tentando controlar a respiração. Esse não era o tipo de lugar onde eu costumava estar. O convite misterioso mencionava uma oportunidade de trabalho e incluía o nome de um homem importante: Leonardo Ferraz. Talvez essa fosse a chance que eu tanto precisava.
Entrei no saguão e me deparei com uma decoração que parecia digna de um palácio. Tudo ali exalava luxo, desde as colunas de mármore até os lustres de cristal. Escolhi uma poltrona próxima à janela e esperei. Minhas mãos estavam úmidas de nervosismo, e meu coração batia acelerado. Sentia que todos os olhares se voltavam para mim, mas provavelmente era só a ansiedade tomando conta.
Enquanto esperava, meus pensamentos se voltavam ao motivo que me trouxe até ali. Com minha mãe internada e a empresa onde eu trabalhava à beira da falência, qualquer oportunidade de trabalho seria um alívio bem-vindo. Mas, quanto mais eu olhava ao redor e via o luxo quase intimidante, mais me perguntava o que um empresário tão poderoso como Leonardo Ferraz poderia querer com alguém como eu.
Um movimento do outro lado do saguão me tirou dos pensamentos. Quando levantei a cabeça, vi um homem elegante e confiante se aproximando, e percebi imediatamente quem ele era. Leonardo Ferraz. Ele tinha uma presença impressionante, quase magnética, e parecia atravessar o ambiente como se todos os outros fossem apenas coadjuvantes. Quando chegou até mim, parou e me olhou com um ar avaliador.
— Isabella Rossi? — disse ele, com a voz firme e decidida. — Sou Leonardo Ferraz, muito prazer.
Levantei-me apressada, tentando parecer confiante, embora minha ansiedade estivesse visível em cada gesto. Apertei a mão dele, que estava fria e firme, enquanto meu coração disparava.
— É um prazer conhecê-lo, senhor Ferraz. Agradeço por me receber — respondi, forçando um sorriso educado.
Ele me observou por um momento, um olhar calculista e distante, antes de fazer um sinal para que eu o seguisse. Caminhamos até uma sala mais reservada, longe do movimento do saguão. Minha mente tentava adivinhar o motivo de um empresário como ele dedicar seu tempo a uma reunião comigo.
Ao entrarmos na sala de reuniões, ele me gesticulou para que me sentasse. O silêncio entre nós era intenso, enquanto ele me observava com a mesma calma de quem avalia uma peça de xadrez. Após alguns instantes, ele foi direto ao ponto.
— Imagino que esteja se perguntando o motivo de eu ter vindo pessoalmente ao nosso encontro — começou, sem rodeios.
— Sim, confesso que fiquei surpresa com a sua presença — respondi, sorrindo educadamente, tentando parecer mais confiante do que realmente estava.
Leonardo me estudou por um momento antes de inclinar-se ligeiramente para frente.
— Preciso ser honesto com você, Isabella. Essa proposta de trabalho é um pouco diferente do que você pode imaginar. — Ele pausou, me observando de novo. — Na verdade, não estou aqui para oferecer um emprego convencional.
A tensão no ar ficou ainda mais palpável. Minhas mãos começaram a suar e, sem entender o que ele queria dizer, franzi a testa, confusa.
— Diferente em que sentido? — perguntei, com a curiosidade e o desconforto crescendo.
— Preciso de uma esposa. — Ele disse isso de forma direta, sem qualquer hesitação ou tentativa de suavizar a surpresa da proposta.
O choque percorreu meu corpo como uma corrente elétrica. Abri e fechei a boca, tentando encontrar alguma reação adequada.
— Desculpe, eu... você disse... esposa? — A incredulidade estava estampada no meu rosto.
Ele assentiu, sua expressão tão imperturbável quanto antes.
— Exato. Meu pai deixou uma cláusula no testamento que exige que eu me case para garantir o controle da empresa. Sem isso, tudo será transferido para meu meio-irmão. Preciso de uma parceira que compreenda os termos do acordo e esteja disposta a manter um relacionamento puramente profissional. Em troca, você será recompensada financeiramente.
A cada palavra que ele proferia, eu sentia minha indignação crescer. Ele falava sobre casamento como se fosse uma mera transação, algo sem qualquer valor emocional.
— Então... você está dizendo que precisa de uma esposa de fachada? Alguém para servir de “decoração” na sua vida para que possa garantir a empresa? — Minha voz saiu embargada, entre surpresa e revolta.
Ele manteve o olhar fixo em mim, como se analisasse cada reação.
— Em termos simples, sim. Esse é o acordo. — Ele continuou, ignorando completamente a minha expressão de indignação. — Sei que está em uma situação complicada e, ao que tudo indica, o tratamento de sua mãe não está barato. Posso lhe oferecer estabilidade financeira e um contrato claro. Seria um benefício para ambos.
Enquanto eu tentava processar a proposta absurda de Leonardo, uma pergunta inquietante surgiu na minha mente. Olhei diretamente em seus olhos, desafiando-o.
— Espera um pouco. Como você conseguiu essas informações sobre mim? Onde encontrou dados tão pessoais? — indaguei, a desconfiança pesando na minha voz.
Leonardo cruzou os braços, um leve sorriso se formando em seus lábios, como se minha reação fosse previsível.
— Tenho meus meios de descobrir sobre pessoas que considero interessantes para meus planos. Não é algo tão difícil quando você está no meu nível — respondeu ele, a frieza em suas palavras evidente.
— Interessante? Você quer me usar como uma peça de xadrez e ainda tem a audácia de dizer que isso é interessante? — retruquei, meu tom repleto de incredulidade. — Eu não sou um projeto para ser avaliado!
Ele apenas levantou uma sobrancelha, mantendo a postura confiante, enquanto eu me sentia cada vez mais invadida por essa invasão de privacidade.
Eu me recostei na cadeira, ainda tentando absorver o que estava acontecendo. Ele usou o sofrimento da minha mãe como justificativa, como uma maneira de me prender nessa proposta absurda. E eu, vulnerável e desesperada, fui pega de surpresa por essa armadilha.
— Isso é completamente... absurdo. Você acha que pode comprar qualquer coisa? Até um casamento? — rebati, a indignação transbordando. — Eu não sou uma peça de xadrez para ser usada nos seus planos, Sr. Ferraz.
Ele se manteve impassível, apenas esperando que eu concluísse.
— Isabella — ele disse, em um tom mais frio e calculista — não preciso da sua aprovação para continuar com minha vida. Apenas pensei que uma proposta financeira sólida e que atendesse às suas necessidades poderia ser mutuamente vantajosa. Pense nos benefícios. Um casamento de fachada é uma conveniência para ambos. Nenhum envolvimento emocional, apenas um acordo que nos atende.
Eu não podia acreditar na frieza dele. Ele realmente enxergava isso como uma transação simples, sem qualquer consideração pelos sentimentos ou pela dignidade envolvidos.
— Você pode manter seu dinheiro, Leonardo. Eu não vou me submeter a algo assim — afirmei, levantando-me da cadeira com a voz trêmula de raiva. — A última coisa que farei é sacrificar minha integridade por um contrato sem alma. Minhas dificuldades não são uma desculpa para que você se aproveite.
Ele continuou sentado, sua expressão tão impenetrável quanto antes. Eu já tinha visto o suficiente para saber que Leonardo Ferraz era incapaz de compreender o absurdo de sua proposta.
— Se mudar de ideia, sabe onde me encontrar — ele disse com indiferença, ajeitando os punhos do terno como se nada de importante tivesse acontecido.
Sem responder, me virei e saí da sala, deixando-o para trás. Meus passos ecoavam no corredor enquanto meu coração pulsava com força. A cada passo, reafirmei para mim mesma que eu jamais me sujeitaria a algo tão degradante. Leonardo Ferraz não podia comprar tudo, e eu não seria apenas mais um peão em seu jogo.
Ao abrir a porta do meu apartamento, o cheiro familiar da madeira e do ar condicionado se misturou com a realidade sombria que havia me acompanhado desde a reunião com Leonardo Ferraz. O apartamento, embora modesto, era um refúgio. No entanto, aquela noite não seria suficiente para me afastar da tempestade emocional que se abatia sobre mim.O som do meu celular vibrando na mesa da cozinha interrompeu meu turbilhão de pensamentos. Pedro, meu amigo e colega de trabalho, estava ligando. Sempre alguém em quem eu podia confiar, sua presença era uma âncora em tempos de incerteza.— Oi, Pedro. — Minha voz soou mais trêmula do que eu esperava. Eu tentei disfarçar a apreensão que estava crescendo dentro de mim.— Isabella! O que aconteceu? Você parece preocupada — ele respondeu, a preocupação evidente em seu tom.Respirei fundo, tentando organizar as ideias antes de explicar a proposta absurda que me foi apresentada. A dor que senti ao reviver aquele momento era quase palpável, mas eu sabia qu
Enquanto observava minha mãe deitada na cama do hospital, as máquinas ao redor dela monitorando cada respiração, uma série de pensamentos começaram a se formar na minha mente. As luzes fluorescentes do quarto criavam um ambiente opressivo, e cada batida do meu coração parecia ecoar a realidade sombria que enfrentávamos. Eu não conseguia me afastar da proposta que Leonardo Ferraz havia me feito. A ideia de aceitar um casamento sem amor me deixava enjoada, mas a necessidade de segurança financeira me deixava dividida.Pensei em minha mãe. Ela sempre foi o pilar da minha vida, a mulher que me ensinou a valorizar a dignidade acima de tudo. Lembro-me das longas conversas que tivemos, quando ela me dizia que amor e respeito deveriam ser os alicerces de qualquer relacionamento. Como eu poderia olhar para ela nos olhos e dizer que estava considerando uma transação tão fria e sem alma? Mas, por outro lado, como eu poderia ignorar a gravidade da situação que estávamos vivendo?O tratamento dela
A luz da tarde entrava pela janela do meu pequeno apartamento, filtrada por cortinas desbotadas que há tempos não eram trocadas. O silêncio era quase ensurdecedor, uma constante lembrança da falta de movimento na minha vida. Ouvia apenas o som do meu próprio coração acelerado, batendo forte contra o peito, enquanto tentava processar a proposta de Leonardo Ferraz e o que isso significava para mim.A pressão emocional começou a se acumular, como se estivesse carregando o peso do mundo sobre meus ombros. A imagem da minha mãe no hospital se sobrepunha a tudo. Seu sorriso, uma luz que sempre me guiou, agora estava apagado, e a preocupação em seu olhar me atormentava. Lembrei-me de nossas conversas, de como ela sempre dizia para eu pensar no futuro, para não deixar que os problemas do presente me dominassem. Mas como eu poderia fazer isso agora? A saúde dela estava em jogo, e as minhas finanças estavam em ruínas.Pensei na proposta de Leonardo, naquele "casamento" que não passava de uma tr
Na manhã seguinte, levantei-me mais cedo do que o habitual. O sono me escapara completamente, mas minha decisão estava firme. Eu não podia mais perder tempo; a vida da minha mãe dependia de uma escolha que eu jamais imaginei ter que fazer. Olhei para o telefone em minha mão, os dedos levemente trêmulos, e decidi que Pedro precisava saber.Atravessar essa situação sozinha parecia impossível, e Pedro, com toda sua honestidade e amizade, poderia me ajudar a ter certeza de que eu estava tomando a decisão certa — ou, ao menos, me ajudar a suportá-la.Respirei fundo e disquei o número. Ele atendeu no segundo toque, como se estivesse esperando por isso.— Isa? Tudo bem? — A preocupação estava clara na voz dele, e eu podia imaginar seu rosto franzido.— Pedro, eu decidi... — minha voz saiu baixa, quase um sussurro. Respirei fundo e repeti, agora com mais firmeza. — Eu vou aceitar.Houve uma pausa do outro lado da linha, um silêncio carregado de incredulidade e desapontamento.— Isabella... vo
A caneta parecia pesar uma tonelada entre meus dedos, mesmo com minha mão já sobre o papel. Assinar aquele contrato representava muito mais do que uma simples formalidade; era um ponto de ruptura na minha vida. Eu me vi suspirando fundo e, então, numa última tentativa de bloquear toda a frustração e a revolta que surgiam em meu peito, coloquei meu nome, traçando a assinatura com uma mistura de raiva e resignação.Leonardo, por sua vez, me olhava com um controle glacial, como se estivéssemos apenas finalizando uma compra qualquer. Sua indiferença era um lembrete constante de que, para ele, eu era apenas uma peça em seu jogo. Para ele, um casamento não passava de um acordo de negócios e, se não fosse pelo último desejo do pai, ele jamais se sujeitaria a algo assim. Quando o advogado finalmente pegou o contrato, senti um misto de alívio e um peso sufocante.— Agora está feito, — disse ele, com um leve sorriso de satisfação. — A partir de amanhã, você se mudará para a cobertura que provid
A mudança para a cobertura foi tão rápida que, em alguns momentos, pareceu irreal. O motorista abriu a porta do carro, e eu saí, ainda um pouco atordoado, para ver o prédio luxuoso que agora, aparentemente, seria meu novo lar. A entrada tinha mármore por todos os lados, arranjos de flores frescas, e segurança impecavelmente vestidos. Tudo tão distante da minha realidade anterior que era difícil me ver pertencendo àquele espaço. Subi em silêncio pelo elevador privativo, e, quando as portas se abriam, o ambiente que me aguardava era ao mesmo tempo impressionante e intimidador.A cobertura era enorme, e o design era exatamente como eu imaginava para alguém como Leonardo: tudo minimalista, impecável, cada detalhe escolhido para exalar sofisticação. Toneladas neutras, linhas modernas, nenhuma decoração pessoal que conte uma história — apenas um espaço bonito, funcional, e sem vida. No entanto, ao contrário do meu antigo lar, onde cada objeto tinha uma história e um significado pessoal, est
Era quase fim de tarde quando recebi a mensagem de Leonardo. Ela era direta e sem rodeios, como tudo que vinha dele:"Evento importante amanhã. Esteja preparada. O motorista passará para buscá-la às oito. Vamos participar do evento de gala anual da Ferraz Corp. É essencial que você compreenda como se portar."A tela do celular apagou, deixando um vazio incômodo no quarto, preenchido apenas pela luz morna do entardecer. Seria o primeiro evento público em que estaríamos juntos, cercados por pessoas que conheciam Leonardo há anos e que, sem dúvida, estariam prontas para analisar cada detalhe. Senti um peso no peito, uma pressão que só aumentava conforme as expectativas dele se mostravam mais e mais definidas.No dia do evento, ao abrir a porta do quarto, parei, surpresa. No centro da cama estava uma caixa nova, envolta em um papel de seda perfeitamente dobrado, finalizado com um laço azul-escuro. O tecido suave deslizava sob meus dedos, e ao abrir a caixa, deparei-me com um vestido de se
Enquanto o motorista dirigia em direção ao evento, a pressão sobre mim foi quase insuportável. Quando saímos do carro e chegamos ao salão, o peso do que estava prestes a acontecer caiu sobre meus ombros. Aquelas pessoas — as que não me conheciam, as que me viam pela primeira vez como futura esposa de Leonardo Ferraz — estavam prontas para me julgar, para tirar conclusões apressadas sobre quem eu era e o que nosso casamento representava. E eu sabia, com certeza, que todo o circo social de Leonardo seria minuciosamente observado.Os flashes das câmeras eram tão intensos que quase podiam ser sentidos na pele. Eu estava lá, parada ao lado de Leonardo, forçando um sorriso que parecia se desintegrar a cada clique. Ele, impecável como sempre, com seu terno sob medida, fazia todo o trabalho de posar para os fotógrafos. Eu era apenas uma figura ao seu lado, uma peça no grande espetáculo de sua vida. As lentes estavam sobre nós, os jornalistas ao fundo prontos para fazer suas perguntas. A cada