O aroma estéril do hospital não era mais estranho para mim. O corredor comprido e silencioso, pontuado pelo som distante de passos apressados e monitores cardíacos, havia se tornado parte da minha rotina. Durante as últimas semanas, visitar minha mãe era uma espécie de refúgio. Aqui, pelo menos, não havia olhares julgadores ou jogos de poder. Só eu, ela e uma bolha de tempo que parecia congelar os problemas do lado de fora.Abri a porta do quarto devagar, com um sorriso suave que tentava mascarar o turbilhão dentro de mim. Lá estava ela, sentada na poltrona próxima à janela, com o cabelo um pouco mais curto e mais frágil do que eu lembrava, mas com os olhos sempre brilhantes, cheios de uma luz que me fazia acreditar que tudo ainda poderia dar certo.— Isabella, meu anjo! — ela exclamou assim que me viu.O calor em sua voz me atingiu como um abraço. Entrei, segurando uma pequena sacola com flores frescas e um livro que havia comprado para ela no caminho.— Trouxe sua autora favorita —
O apartamento estava em silêncio, o tipo de silêncio que amplificava os pensamentos e tornava impossível ignorar o vazio. Sentei no sofá da sala, as luzes da cidade piscando através das enormes janelas da cobertura. A conversa com minha mãe ecoava na minha mente. Ela parecia tão feliz, tão otimista, e o peso da mentira me esmagava. Por mais que eu justificasse para mim mesma que era por ela, a culpa permanecia.Fiz uma tentativa de afastar os pensamentos, mas era inútil. A solidão da cobertura era quase palpável, como se o espaço luxuoso tivesse sua própria forma de me lembrar do que faltava. Peguei o celular, hesitei por um momento e decidi enviar uma mensagem para Leonardo.– Voltei do hospital.A resposta veio quase de imediato.– Como ela está?A simplicidade da pergunta me desarmou. Ele não era alguém que demonstrava preocupação abertamente, mas havia algo naquele gesto que me fez respirar mais fundo.– Melhor. Está reagindo bem ao tratamento.– Fico feliz por ela.Ler aquelas pa
O sol entrava pelas enormes janelas, iluminando os tons neutros e sofisticados da decoração. Eu já estava acostumada com o som das minhas próprias respirações e os ecos leves dos meus passos pelo chão de mármore. Mas naquela manhã, algo parecia diferente.Leonardo estava na cozinha. Não na sala de jantar, onde normalmente esperava que o café fosse servido. Ele estava de pé, ao lado da cafeteira, mexendo em algo enquanto segurava uma xícara. A imagem era tão improvável que eu demorei alguns segundos para me aproximar.— Bom dia, Isabella. — Sua voz cortou o silêncio antes que eu dissesse algo. Ele não olhou para mim imediatamente, apenas terminou de mexer o café e o colocou sobre a bancada. — Dormiu bem?Eu hesitei. Leonardo raramente fazia perguntas tão... triviais. Não havia um tom autoritário ou frio dessa vez, apenas um interesse casual que, vindo dele, parecia quase deslocado.— Sim, dormi. E você? — respondi, tentando soar tão casual quanto ele.Ele me olhou de relance, com um le
A noite parecia igual a tantas outras desde que comecei a viver na cobertura de Leonardo. A chuva batia insistentemente contra os vidros das janelas, criando um som ritmado que, de certa forma, era mais reconfortante do que o silêncio esmagador daquele espaço imenso e vazio. Eu estava na sala, tentando terminar um livro que havia começado dias atrás, mas minha mente continuava voltando à conversa com minha mãe."Como conseguimos pagar o tratamento?" A pergunta dela ecoava na minha cabeça como um sino. Não era a primeira vez que me sentia culpada, mas naquela noite a culpa parecia pesar ainda mais. Talvez porque eu soubesse que o preço do que estávamos vivendo era mais alto do que imaginávamos.De repente, as luzes piscaram uma vez, depois outra. O som constante da chuva se intensificou, acompanhado de trovões. A eletricidade se foi, mergulhando a cobertura em uma penumbra inquietante.– Ótimo – murmurei para mim mesma, fechando o livro. Tentei acender o abajur ao meu lado, mas nada ac
O dia tinha começado de forma monótona, mas eu estava estranhamente inquieta. Andava pela cobertura tentando ocupar minha mente com qualquer coisa: reorganizar os livros, ajustar alguns quadros ou simplesmente limpar a cozinha. Era algo que eu não fazia com frequência — afinal, havia pessoas contratadas para isso — mas hoje eu precisava me sentir útil, no controle de algo, nem que fosse de um pequeno canto daquela casa que parecia tão grandiosa e, ao mesmo tempo, tão vazia.Decidi limpar uma das prateleiras altas da cozinha, onde algumas taças de cristal estavam guardadas. Peguei uma cadeira para alcançar melhor, embora soubesse que poderia pedir ajuda. Talvez fosse um pouco de teimosia, mas havia algo de libertador em resolver as coisas por mim mesma.Estava concentrada em tirar o pó da última fileira de taças quando senti o desequilíbrio. A cadeira oscilou e, antes que eu pudesse reagir, tudo aconteceu rápido demais. Meu corpo perdeu o apoio, e eu despenquei no chão. A dor irradiou
Point’s Of View LeonardoA noite começou tranquila, ou pelo menos assim parecia. Eu tinha decidido encerrar o dia cedo, mas algo na minha mente não me deixava relaxar. Talvez fosse o encontro mais cedo com Ricardo, ou talvez fosse Isabella. Ela estava na cozinha, perdida em pensamentos enquanto organizava algo no armário.Eu a observei à distância, sem ser notado, meus olhos seguindo seus movimentos. Ela sempre exalava uma combinação de força e teimosia que eu não conseguia ignorar. Havia algo diferente nela naquela noite, algo que parecia uma mistura de cansaço e inquietação.Voltei minha atenção para o vinho na minha taça, tentando ignorar a sensação incômoda que se instalava. O silêncio entre nós era algo com o qual eu estava acostumado, mas essa noite parecia mais pesado, como se algo estivesse prestes a acontecer.Então aconteceu.O som de vidro quebrando ecoou pela cobertura, e meu coração deu um salto.— Isabella? — Minha voz saiu mais alta do que eu pretendia enquanto me levan
Point's Of View Isabella O repouso forçado estava me enlouquecendo. Nunca fui boa em ficar parada. Sempre precisei de movimento, de controle. Agora, limitada a um sofá com o tornozelo enfaixado e a recomendação médica de não colocar peso sobre ele, eu me sentia prisioneira do meu próprio corpo.A manhã chegou preguiçosa. Os raios de sol atravessavam as grandes janelas da sala, mas ao contrário de outras vezes, não me traziam a habitual sensação de energia renovada. Estava vulnerável, e isso me irritava.Tentei me distrair com o celular, mas as notificações diversas pareciam insignificantes. Coloquei o aparelho de lado e fechei os olhos, respirando fundo. Cada segundo que passava me lembrava que eu não tinha controle total sobre nada. Nem sobre minha vida, nem sobre este casamento que mais parecia um acordo frio e conveniente.— Trouxe café. — A voz de Leonardo me tirou do turbilhão dos meus pensamentos.Abri os olhos e o vi ali
Points Of View IsabellaO relógio da parede parecia zombar de mim, os ponteiros arrastando-se como se soubessem que eu não tinha pressa de encarar o que vinha depois do expediente. As horas naquele escritório pareciam mais longas do que nunca. A cada clique do mouse, cada e-mail enviado, mais um pedaço da minha alma se desgastava. Trabalhar naquela empresa há tanto tempo me dava a sensação de estar presa em uma teia, incapaz de escapar e sem saber para onde ir. O trabalho em si nunca foi o problema, mas a falta de reconhecimento, de propósito... era sufocante. Eu me esforçava, fazia tudo certo, mas no final do dia, parecia que nada importava.Suspirei profundamente, afastando o olhar da tela do computador. Meus olhos ardiam de cansaço, mas não era apenas isso. Era um cansaço que ia além do físico, era emocional, mental. A empresa estava em colapso, e eu, por mais dedicada que fosse, não conseguiria salvar um navio que já estava afundando. Sabia que os dias estavam contados, tanto para