Points Of View Leonardo Ferraz
Observei a cidade do alto do meu escritório, cercada por vidros e concreto. O sol poente refletia em meus olhos frios enquanto meus advogados se revezavam para explicar os termos do testamento de meu pai. Cada palavra parecia uma marretada em minha mente, e eu não estava preparado para isso.
— Então é isso? Eu tenho que me casar para manter o controle da empresa? — perguntei, com uma pitada de cinismo. O advogado à minha frente, o velho Sr. Braga, ajeitou os óculos enquanto mexia nos papéis à sua frente.
— Exatamente, senhor Leonardo. A cláusula no testamento de seu pai é bem clara. Caso não contraia matrimônio dentro de seis meses, o controle acionário da empresa passará para o seu meio-irmão Ricardo — ele explicou calmamente, como se estivesse falando de algo trivial, quando na verdade estava colocando meu futuro em xeque.
Ricardo. Só de ouvir o nome dele meu estômago se revirava. O oportunista, sempre à espreita, esperando que eu cometesse um deslize. Agora, com essa m*****a cláusula, ele tinha a vantagem. Meu pai, mesmo depois de morto, ainda conseguia manipular minha vida.
— E que tipo de casamento ele espera? — perguntei, me esforçando para manter o controle da situação. — Posso me casar com qualquer pessoa? Isso basta para cumprir essa bendita cláusula?
Braga olhou para os documentos uma última vez, como se quisesse garantir que não houvesse margem para dúvidas.
— O testamento não especifica detalhes sobre o tipo de casamento, apenas que deve ser legítimo e registrado oficialmente dentro do prazo. Além disso, o casamento deve durar, no mínimo, um ano. Depois disso, o senhor terá o controle definitivo da empresa.
Eu sabia que meu pai sempre valorizou a família e a união, mas não esperava que fosse tão longe. Casar-se por obrigação era uma afronta a tudo o que eu acreditava. Mas a empresa... era o legado que eu havia construído ao longo dos anos. Não deixaria que Ricardo se aproveitasse disso.
— Entendi — murmurei, mais para mim mesmo do que para Braga. — Faça o que for necessário. Entrarei em contato com a equipe para resolver isso.
O advogado saiu do meu escritório me deixando com uma sensação amarga na boca. Era como se eu estivesse prestes a entrar em um jogo sujo, mas a verdade é que eu já estava habituado a isso. No mundo dos negócios, as jogadas são frias e calculadas, e esse seria apenas mais um movimento estratégico. Eu só precisava da peça certa.
Assim que ele saiu, liguei para a minha assistente, Vanessa.
— Vanessa, preciso que organize uma pesquisa para mim — comecei, com minha voz firme de sempre. — Procure mulheres que atendam a alguns requisitos específicos: discretas, sem grandes redes sociais, com dificuldades financeiras e que não representem uma ameaça emocional ou social. E mais uma coisa... elas não podem ser do nosso círculo social. Quero alguém de fora.
— Claro, senhor Leonardo — ela respondeu, sem hesitar, já acostumada às minhas demandas incomuns. — Qual é o prazo para isso?
— O mais rápido possível. E Vanessa, faça isso com total discrição. Não quero que ninguém saiba do que se trata.
Desliguei o telefone e olhei para a paisagem da cidade pela janela do meu escritório. Estava jogando uma partida de xadrez, onde eu tinha que mover as peças certas no momento certo. E a peça mais importante agora seria minha "esposa". Não uma esposa de verdade, claro. Apenas um nome no papel. Alguém que precisasse mais de mim do que eu dela, para que não houvesse complicações.
Dois dias depois, recebi um e-mail da minha equipe. Eles haviam feito uma pesquisa extensa, e algumas opções foram enviadas para a minha consideração. Não queria perder muito tempo com isso, então pedi que Vanessa me trouxesse um resumo das principais candidatas.
Ela entrou na minha sala com um iPad nas mãos, sentou-se à minha frente e começou a descrever os perfis.
— Temos aqui cinco mulheres que se encaixam nos requisitos, senhor. Todas enfrentam dificuldades financeiras significativas, mas não têm grandes dívidas públicas ou envolvimentos escandalosos. Elas também são discretas, sem muita exposição na mídia — ela me mostrou as fotos e os detalhes de cada uma, mas uma delas chamou minha atenção imediatamente.
Isabella Rossi. O nome era simples, mas sua situação era exatamente o que eu precisava. Seus registros indicavam que sua mãe estava gravemente doente, e que ela vinha acumulando contas médicas. Trabalhava em uma pequena empresa à beira da falência e, ao que tudo indicava, estava em um momento de desespero. Perfeito.
— Fale mais sobre essa Isabella — pedi, apontando para a tela.
— Ela tem 28 anos, não é uma figura pública e trabalha em uma empresa pequena. A mãe está em estado terminal, e ela está praticamente falida devido aos custos do tratamento. Parece ser uma pessoa reservada e solitária, sem grandes vínculos sociais ou familiares além da mãe. Acredito que ela poderia ser facilmente abordada, senhor, dadas as circunstâncias.
Olhei para a foto dela. Uma mulher bonita, mas com um olhar cansado. Alguém que, claramente, estava passando por um inferno. E eu seria a pessoa a tirá-la desse inferno, desde que ela cumprisse sua parte no acordo. Era isso. Isabella seria a esposa perfeita, porque, para ela, eu seria uma oportunidade, não um fardo.
— Marque um encontro com ela. Use a desculpa de que temos uma vaga de emprego aberta e que alguém a recomendou. Vamos ver até onde ela está disposta a ir para resolver seus problemas.
Vanessa anotou tudo e saiu para providenciar os detalhes.
Dois dias depois, o encontro estava marcado. Um hotel de luxo no centro da cidade, uma reunião casual para "avaliar" seu perfil para uma possível contratação. Claro, Isabella não sabia do verdadeiro motivo. A única coisa que ela precisava saber era que eu poderia ser a resposta para todos os seus problemas financeiros.
Quando entrei no saguão do hotel, vi que ela já estava lá. Sentada em uma poltrona próxima à janela, parecia nervosa. Isso era bom. A ansiedade significava que ela provavelmente aceitaria qualquer oferta que lhe fosse feita. Caminhei até ela com confiança e me apresentei.
— Isabella Rossi? Sou Leonardo Ferraz, muito prazer.
Ela se levantou rapidamente, um pouco desajeitada, e apertou minha mão.
— É um prazer conhecê-lo, senhor Ferraz. Agradeço por me receber — disse ela, com um sorriso tímido.
Mal sabia ela que aquele encontro não era uma entrevista de emprego. Não, aquilo era apenas o início de um jogo muito maior.
Points Of View Isabella RossiO som dos monitores e o cheiro de desinfetante hospitalar pareciam impregnados na minha pele. Minha rotina tinha se tornado uma série de idas e vindas ao hospital, somada às preocupações financeiras que só aumentavam. Minha mãe, sempre otimista e cheia de vida, agora se recuperava lentamente em um leito hospitalar, e, a cada dia, eu sentia que estava perdendo um pouco mais dela.Olhei para o relógio: meu turno começaria em uma hora. As contas não paravam de chegar, e o tratamento dela era caro demais para o meu salário cobrir. Eu já tinha vendido praticamente tudo que possuía e não sabia mais a quem recorrer. Meu trabalho atual, embora importante, pagava pouco, e as oportunidades pareciam sempre fora do meu alcance.Meu emprego na Meridiana Consultoria já estava por um fio, assim como a própria empresa. Sabíamos que os dias estavam contados; os atrasos nos pagamentos e a falta de novos projetos eram sinais claros de que a situação era grave. A equipe já e
Ao abrir a porta do meu apartamento, o cheiro familiar da madeira e do ar condicionado se misturou com a realidade sombria que havia me acompanhado desde a reunião com Leonardo Ferraz. O apartamento, embora modesto, era um refúgio. No entanto, aquela noite não seria suficiente para me afastar da tempestade emocional que se abatia sobre mim.O som do meu celular vibrando na mesa da cozinha interrompeu meu turbilhão de pensamentos. Pedro, meu amigo e colega de trabalho, estava ligando. Sempre alguém em quem eu podia confiar, sua presença era uma âncora em tempos de incerteza.— Oi, Pedro. — Minha voz soou mais trêmula do que eu esperava. Eu tentei disfarçar a apreensão que estava crescendo dentro de mim.— Isabella! O que aconteceu? Você parece preocupada — ele respondeu, a preocupação evidente em seu tom.Respirei fundo, tentando organizar as ideias antes de explicar a proposta absurda que me foi apresentada. A dor que senti ao reviver aquele momento era quase palpável, mas eu sabia qu
Enquanto observava minha mãe deitada na cama do hospital, as máquinas ao redor dela monitorando cada respiração, uma série de pensamentos começaram a se formar na minha mente. As luzes fluorescentes do quarto criavam um ambiente opressivo, e cada batida do meu coração parecia ecoar a realidade sombria que enfrentávamos. Eu não conseguia me afastar da proposta que Leonardo Ferraz havia me feito. A ideia de aceitar um casamento sem amor me deixava enjoada, mas a necessidade de segurança financeira me deixava dividida.Pensei em minha mãe. Ela sempre foi o pilar da minha vida, a mulher que me ensinou a valorizar a dignidade acima de tudo. Lembro-me das longas conversas que tivemos, quando ela me dizia que amor e respeito deveriam ser os alicerces de qualquer relacionamento. Como eu poderia olhar para ela nos olhos e dizer que estava considerando uma transação tão fria e sem alma? Mas, por outro lado, como eu poderia ignorar a gravidade da situação que estávamos vivendo?O tratamento dela
A luz da tarde entrava pela janela do meu pequeno apartamento, filtrada por cortinas desbotadas que há tempos não eram trocadas. O silêncio era quase ensurdecedor, uma constante lembrança da falta de movimento na minha vida. Ouvia apenas o som do meu próprio coração acelerado, batendo forte contra o peito, enquanto tentava processar a proposta de Leonardo Ferraz e o que isso significava para mim.A pressão emocional começou a se acumular, como se estivesse carregando o peso do mundo sobre meus ombros. A imagem da minha mãe no hospital se sobrepunha a tudo. Seu sorriso, uma luz que sempre me guiou, agora estava apagado, e a preocupação em seu olhar me atormentava. Lembrei-me de nossas conversas, de como ela sempre dizia para eu pensar no futuro, para não deixar que os problemas do presente me dominassem. Mas como eu poderia fazer isso agora? A saúde dela estava em jogo, e as minhas finanças estavam em ruínas.Pensei na proposta de Leonardo, naquele "casamento" que não passava de uma tr
Na manhã seguinte, levantei-me mais cedo do que o habitual. O sono me escapara completamente, mas minha decisão estava firme. Eu não podia mais perder tempo; a vida da minha mãe dependia de uma escolha que eu jamais imaginei ter que fazer. Olhei para o telefone em minha mão, os dedos levemente trêmulos, e decidi que Pedro precisava saber.Atravessar essa situação sozinha parecia impossível, e Pedro, com toda sua honestidade e amizade, poderia me ajudar a ter certeza de que eu estava tomando a decisão certa — ou, ao menos, me ajudar a suportá-la.Respirei fundo e disquei o número. Ele atendeu no segundo toque, como se estivesse esperando por isso.— Isa? Tudo bem? — A preocupação estava clara na voz dele, e eu podia imaginar seu rosto franzido.— Pedro, eu decidi... — minha voz saiu baixa, quase um sussurro. Respirei fundo e repeti, agora com mais firmeza. — Eu vou aceitar.Houve uma pausa do outro lado da linha, um silêncio carregado de incredulidade e desapontamento.— Isabella... vo
A caneta parecia pesar uma tonelada entre meus dedos, mesmo com minha mão já sobre o papel. Assinar aquele contrato representava muito mais do que uma simples formalidade; era um ponto de ruptura na minha vida. Eu me vi suspirando fundo e, então, numa última tentativa de bloquear toda a frustração e a revolta que surgiam em meu peito, coloquei meu nome, traçando a assinatura com uma mistura de raiva e resignação.Leonardo, por sua vez, me olhava com um controle glacial, como se estivéssemos apenas finalizando uma compra qualquer. Sua indiferença era um lembrete constante de que, para ele, eu era apenas uma peça em seu jogo. Para ele, um casamento não passava de um acordo de negócios e, se não fosse pelo último desejo do pai, ele jamais se sujeitaria a algo assim. Quando o advogado finalmente pegou o contrato, senti um misto de alívio e um peso sufocante.— Agora está feito, — disse ele, com um leve sorriso de satisfação. — A partir de amanhã, você se mudará para a cobertura que provid
Points Of View IsabellaO relógio da parede parecia zombar de mim, os ponteiros arrastando-se como se soubessem que eu não tinha pressa de encarar o que vinha depois do expediente. As horas naquele escritório pareciam mais longas do que nunca. A cada clique do mouse, cada e-mail enviado, mais um pedaço da minha alma se desgastava. Trabalhar naquela empresa há tanto tempo me dava a sensação de estar presa em uma teia, incapaz de escapar e sem saber para onde ir. O trabalho em si nunca foi o problema, mas a falta de reconhecimento, de propósito... era sufocante. Eu me esforçava, fazia tudo certo, mas no final do dia, parecia que nada importava.Suspirei profundamente, afastando o olhar da tela do computador. Meus olhos ardiam de cansaço, mas não era apenas isso. Era um cansaço que ia além do físico, era emocional, mental. A empresa estava em colapso, e eu, por mais dedicada que fosse, não conseguiria salvar um navio que já estava afundando. Sabia que os dias estavam contados, tanto para
A luz fria e intensa do hospital iluminava o quarto onde minha mãe estava internada. O cheiro de desinfetante e a batida distante de equipamentos médicos criavam uma atmosfera pesada. Eu me aproximei da cama, e um nó se formou na minha garganta ao vê-la deitada ali, tão vulnerável. As cobertas brancas contrastavam com sua pele pálida, quase translúcida. Um ventilador girava lentamente no canto, mas sua presença não trazia alívio ao calor que queimava dentro de mim.— Oi, minha linda, — ela disse com um sorriso cansado, mas cheio de amor. Era um sorriso que sempre me fez sentir que tudo ficaria bem, mesmo em meio a tempestades.— Oi, mamãe. — Sentei-me na beira da cama, segurando sua mão. Ela estava tão leve, como se a vida estivesse lentamente esvaindo-se dela. O toque de sua pele ressecada e quente era um lembrete cruel da fragilidade que agora dominava nossa realidade.— Como você está se sentindo hoje? — perguntei, tentando esconder a preocupação em minha voz.— Ah, você sabe, um d