Caras leitoras e caros leitores não posso esquecer de lhes dizer para não esperarem as chibatas cortarem seus espíritos para iniciar a luta. Como eu disse, no início dessa nossa prosa, cruzei com essa alma da Bahia resistente. Suas aventuras não estão nos ramos de uma árvore de madeira branca e macia, estavam e estão na turba plural que os endinheirados desejam conter com milhões de chibatadas.
Também sinto que essa jornada não acaba aqui. Existe algo que não foi contado ainda e faz-se necessário um outro olhar sobre essa experiência. É preciso entender o sentido da passagem de todos que cruzam nossas vidas. Bons ou ruins...
Deus seja louvado.
Reconhecer o brasileiro e refletir a sua complexidade é lançar olhares para esse trágico muito particular e se deixar, quase que por compulsão, contar essas histórias.Em um período de dois anos que trabalhei no interior do estado do Ceará pude reconhecer a densidade que está nos teares do cotidiano. Traços marcantes foram saltando aos olhos, nas relações entre as pessoas, nas famílias, no patrimônio cultural, nas relações do povo com seus políticos. Assim, reconheci outro povo diferente da minha terra natal. Um povo, o mesmo povo, taxista, caminhoneiro, sapateiro, caixa de mercado, gari, as mesmas pessoas do meu antigo cotidiano, mas outros. São batalhadores do tempo e donos das suas verdades defendidas nesse vasto território. Cidadãos do encontro, outros no meu retorno, que muitas vezes eram pouco notados. Esses que, na história da nossa
Tudo lhe parecia novo, um novo cenário mostrava aquele espaço que tantas vezes ele vira com outros olhos. Era outra maneira de sentir e amar a vida. Ele não via mais como se de fora, mas como se estivesse à porta de entrada para a cena. Não mais como um intruso e sim como uma vitalina que se delicia em ver, sem nada dizer, sem ter que responder nada, apenas repousar na imagem que hora se desenha.Ali no terminal da Barroquinha, ele presenciou pelejas, desafios, rinhas e birras das mais diversas escolas e clãs de capoeiristas da Bahia; eram magotes que vinham desde o Canta Galo, Ribeira, Central do São Caetano, Engenho Velho, Vasco da Gama, até a Vinte Oito de Setembro e Maciel. Nesses episódios, “o pau comia”, muitas vezes com bênçãos, aús e martelos, sem uso de “pau de fogo” ou qualquer outra arma, pois era uma desonra para qualquer mestre de capoeira saber que u
Era o casal Boamorte, vindos de Irecê para Salvador, ou para a Bahia, como dizia Salustiano, ignorando que Irecê também “é a Bahia”. Salustiano Boamorte saiu da terra do feijão alegando insucesso pelas sucessivas quebras de safra. Mas sempre recebeu incentivos, principalmente de Fernando seu sogro, que adquiriu fama e fortuna com o cultivo do grão, mas a exposição ao sol também lhe rendera outra herança: pústulas, fissuras na pele e erupções cutâneas que muito temor lhe causavam e suspeitas da doença maldita. Ele, investiu em outros irmãos de Jerusa, mas acreditou também nos apelos de Salustiano, com seu jeito esporreteado, muito confundida por ele com sinceridade, mas que não lograra êxito igual em Cachoeira, sua terra natal onde todos sabiam da sua real fama. Em Irecê, recebeu um dote de vinte hectares de terra, que ele já cuidava antes mesmo de casar com Jerusa, nas folgas de suas viagens para Salvador com carradas de feijão e milho, que vendia em Água de Menino
Com três anos de casados e já fixos em Salvador, o próprio Salustiano passou a se incomodar, por Jerusa nem um muxoxo fazer por não ter filho. “A mulher parece oca”, desenrolava da mente irritada. Mas nunca em lugar algum ou circunstância alguma falava de sua esposa; nada em contrário. Porém, passou a amadurecer a possibilidade de uma adoção. Pensava ser “uma boa solução”, pois não queria muito laço afetivo nessa relação de pai e filho. Queria algo parecido com o que ele sentia em contato com as crias de Natividade, que era algo até de certa forma agradável. Vez ou outra, ela precisava levar um ou outro filho até Brotas e deixava “meia dúzia” em Mata Escura, “sabe lá com quem”, Salustiano pensava e se ria. Quando ela falava com seu vozeirão que deixou com “a menina”, ele dizia “mas que peste de menina será essa, é alguma empregada”, pois entendia que era muito pouco o que pagava a ela, mesmo com o que era vendido na porta do corredor da casa. Por outro lado, de uma maneira espírita,
Chegou a manhã de quarta, após a excelente noite de sono, quando chegou da Terça de Benção no Pelourinho. O retorno de Edvaldo para Salvador fora de um pedido feito por sua mãe em um sonho que tivera com ela, se apresentando na figura de Oya, numa noite tempestuosa, flutuado acima da Rua da Poeira, apontando a residência de Queiroz e dizendo “volte filho”. Até o seu retorno, aquela frase ecoou entre os ouvidos de Edvaldo. Salustiano não estava bem. Tinha problemas renais sérios. Nada que alguém pudesse dizer que estava nas últimas, mas Escalabau entendia que o casal Boamorte era “só ele só”. Natividade já havia tempo que não morava mais com eles. Entendia que a preocupação de Jerusa era exagerada, mas não queria deixar os dois assim tão sós. O pai já tinha sua aposentadoria, um pé de meia suficiente para sua terceira idade. Porém, ficar à mercê de secretárias, que faziam um bom trabalho, mas que não supriam a falta de um filho era deprimente para tod
Os nativos acreditam que tudo que acontece na Bahia é verdade; nem que seja lá no fundo, bem no fundo. Nunca é invenção. Dizem que, às vezes, apenas, pode ter um pouco de exagero, mas sempre no final se encontra provas de modo a tornar fidedigno o relato de qualquer acontecido. Rosa era magricela, Natividade era corpulenta, das duas se diziam que eram “cabeças feitas”. Esse termo, “cabeça feita”, nasceu na Bahia, diga-se de passagem. Como também ao se dizer “fulano está bolado”, pois é comum em algum momento na vida do baiano, este “bolar no santo”. Filhas de Rio Fundo, também no recôncavo baiano, as duas irmãs passaram parte de suas infâncias em arredores de Feira de Santana e ainda mocinhas começaram a visitar o município de Lauro de Freitas em caravana ou pau de arara para Roda de Santo na Itinga. Eram unidas, mesmo sendo de naturezas diferentes. Natividade era responsável e de quase nenhuma brincadeira. Rosa era espalhafatosa e moleca e até quando era
Naquela manhã ele não queria moto nem carro; iria andando. Passaria no Dique do Tororó e também pelo estádio da Fonte Nova e depois decidiria o restante do percurso até o Santo Antônio, onde saberia notícias de Queiroz, chamado por ele de “Ceará” e lá também era conhecido como “Pai Véi”. Na Bahia sempre fora assim, se quisesse ser celebridade teria que ter mais de um nome. Pelo menos um na Cidade Alta e outro na Baixa pra que as pessoas entendessem que teria tantas histórias que precisaria de vidas paralelas, dois nomes, assim por diante... Saltou um pouco mais de hora no Aquidabã e subiu rumo ao Santo Antônio. Tinha motivos para não ver Samara agora. E era quase certo que Queiroz não estaria na Rua da Poeira. Passando em frente ao Sanatório São Paulo sentiu arrepios ao ver as seteiras pontiagudas na entrada. A mínima visão do pátio lhe causava desgosto e agonia quase na forma de pânico. O sol estava a pino e ele logo ao chegar ao largo do Santo Antônio foi
Mais ou menos na época em que Edvaldo foi em busca de sua mãe legítima em Feira de Santana, ele conhecera Queiroz na Biblioteca Central dos Barris. Estava realmente confuso.Ele e Neto seu colega ainda de ginásio, passaram apenas a variar nas salas e praças da biblioteca. Era um local charmoso para encontros juvenis furtivos, esse era o principal atrativo da biblioteca para Henry. Inventava pesquisas para namorar nos corredores, elevadores e bancos da centenária instituição.Muito embora vivesse o processo esperado de auto-afirmação de um adolescente, era visto como carismático e elegante com seus um metro e oitenta de altura. Mantinha um jeito descolado e manhoso que seduzia bibliotecárias de várias idades. Era, ao mesmo tempo, marrento e tinha um andar de jogador de futebol. Tinha todos os trejeitos, parecia querer imitar seu jogador predileto. Ele até vivia com a m&atil