Ao retornar para casa, ainda entrando na rua, Samara vê Mara e seu esposo "zanzando tontamente", ela intuiu que envolvia seu pai:
— O que foi que houve, Nêga? Cadê painho? – perguntou assustada.
— Seu Ceará saiu desembestado em direção a Sete Portas, era metade da manhã, não lembro bem a hora, a gente saiu atrás, mas não alcançamos ele – falou Mara ofegante.
— Mara, se acalme e me explique, por favor!
— Disseram que viram ele passando pela praça do Conselheiro, depois viram ele indo pra o Aquidabã e só depois foi pra Sete Portas. Aí, voltando, perguntamos pra Deus e o mundo. A gente achava que ele podia ter voltando pra cá.
Era difícil para Samara seguir no encalço de Queiroz, mas ela seguiria. Antes ela foi até o apartamento e buscar uma foto recente de Queiroz. Achou uma dele em frente a uma fachada com um placa de madeira onde lia-se Zanzibar Bar, era o antigo Bar do Oliveira, ele e Edvaldo com duas largas risadas. Ela gostou muito de vê-l
Chegaram em Cachoeira e Edvaldo diminuiu o quanto pode a velocidade. Samara estava encostada numa das pernas de Edvaldo. Ela acordou com um solavanco da caminhonete. Levantou em tempo de ver o rio: — Olha o Paraguaçu! Edvaldo não conhecia Cachoeira ainda e até se esqueceu que era a terra de Salustiano. Só tinha, no máximo, no Recôncavo Baiano, ido até Santo Amaro da Purificação. Samara, com oito anos tinha ido conhecer sua avó, a mãe de Edileusa, e, por isso, constatou que lembrava em parte daquela paisagem em meio aos casarões antigos que, na altura do Paço Municipal, transformavam a área da cidade em um grande Pelourinho. O asfalto estava molhado na entrada da cidade e logo depois, um pouco mais à frente, o calçamento estava também como sabão e Edvaldo diminuiu ainda mais a velocidade. A caminhonete desfilava pela margem do Paraguaçu e a busca se transformou em um passeio turístico romântico. Samara como guia do quebra-cabeças de suas rem
Após terem passado a noite na residência do tio Dionísio, o único tio materno que Samara conhecia, durante o café da manhã, ouviram um depoimento dele, que falava-lhes de maneira cadenciada e sem emoção: — Tava doidio. Meu caçula quis ir lá dar de cipó caboclo nele, mas eu não deixei. Pois é novo, mas não sei quem ele puxou brabo assim. Eu mesmo pra sair do meu sério, homem, tem que o caba aporrinhar demais. Eu dei a voz pra ele, que deixasse comigo e que fosse pra casa da vó. E assunte só que eu tenho mais filho que não é gente, mas que tá de viagem com ‘os boi' em Terra Nova. Mas seu moço; ele deu sorte. Eu também já tava perdendo a paciência, mas lembrei dessa menina e fiquei com pena. Dona senhora aí, achou que era coisa do cão, e ascendeu uma vela e foi rezar. Além do depoimento durante o café da manhã, Dionísio ainda arrastou Samara em um canto para falar de Queiroz, talvez para não ficar constrangido sobre a própria atuação e a de Queiroz: — O que dizi
Chegaram em São Félix com o sol no "cocuruto" do céu. Estava quente no caldeirão do Recôncavo como se estivessem na beira do fogão esquentando a água do café. O vento havia ido visitar Cachoeira exatamente no momento em que cruzavam a Ponte de Ferro do Paraguaçu. E aquela é uma região baixa no curso do rio, o vento, quando desce, só passa de um canto baixo para o outro. O cortejo do Divino havia dispersado horas atrás, eles o haviam seguido desejosos que Queiroz voltasse para acompanhá-lo ou talvez agradecer ao imperadorzinho a sua libertação. Eles escolheram uma pensão bem familiar perto da Ponte. Algo estava incomodando Samara: Ceará teria ideias suicidas? Logo pediu a Edvaldo que fossem até a Ponte “Só pra espairecer um pouco”, disse. E Edvaldo viu que fazia sentido. Enquanto e até onde puderam, dirigiram e caminharam a pé procurando Queiroz. Acharam naquela madrugada um lugar de paz nas margens do rio Paraguaçu. O céu estava coberto por uma fina
E Queiroz narrou: Os tempos de Deus, do inconsciente, sei lá, não é o nosso tempo. Como dizia o expadre o tempo de Deus é uma constante, é pra já, é agora. Todo esse tempo eu acreditava que era um com Edileusa, mas eu era um pequeno guaiamum. Nós éramos o guaiamum de dois corpos, um bicho estranho, não éramos um só corpo, éramos dois corpos ligados por um bracinho sem presa, sem pinça, nem nada, era uma carapaça ligada na outra. Então o que se achou mais forte usou a pinça pra separar o outro. Nós dois não saímos mortos, mas feridos, não sabia se cada um tinha garra ou pinça, isso só quando encontrar, podemos ferir um ao outro demais. Queria descansar no meu mangue, lá mesmo via Nereidas Negras e Ondinas, cê besta? Encontrei as ideias nos livros que li como queria, mas as palavras não se transformavam em alguém de verdade. Hoje eu encontrei com Janaína, eu era um peixe escamudo e ela apareceu, estava numa liteira que saiu do mar, uma meia dúzia de pescadores, seus ma
Samara gostou muito do que ouviu, que eles tinham a aceitação do pai, aquilo tudo era maravilhoso e ainda mais o que ele havia dito sobre formarem uma família. — Eu não era mais um peixe, era uma pomba lerda... um pombo perdido no mar, encontrei a boca de um vulcão dormindo, a boca de chaminé, uma boca grande... não havia fumaça então desci para procurar um pequeno arbusto furando a rocha, algum pedregulho que cresceu na parede, algum buraco pra ficar... lá pelo meio da garganta a luz foi sumindo, eu olhei e vi se fechando com dentes, era uma boca, estava engolido. Só consegui sair quando era homem, eu era o profeta Jonas e não precisei das asas... Isso eu tinha consciência, eu devia a Janaína e iria pedir uma marcação do tempo nos atabaques, que o tempo passou, tempo propício para tudo em volta crescer em seu ciclo, crescer ao reunirmos, crescer no últero do amor, crescer, se for encontro, em família. Eu antes era o medo e a dúvida, mas agora o amor é quem define o meu rit
Salustiano acusáva-os de serem três loucos, foram morar os três numa pequena vila de pescadores, Arembepe. Lá o tempo havia parado, todo dia era dia de trabalhar e descansar ele constava isso em seu velho relógio, o único da casa. Sem a pulseira e parado, marcando sempre a mesma hora havia se tornado um amuleto que carregava consigo, para cima e para baixo, numa corrente de prata pendurada no pescoço. No entanto, quando seu pequeno golfinho ou boto, como queria Queiroz, nasceu, os primeiros a visitá-lo foram Salustiano e Jerusa. — São três loucos e uma criança, Jerusa, mas eu quero ver o meu neto, nem que seja a primeira e última vez. A criança pequena, a criança velha, se tiver fugido, tanto melhor. — Nem é tanto Salu, você até emprestou a caminhonete para ele procurar o cearense Ele havia melhorado em muito a relação com Edvaldo o qual o passava a reconhecer a sua paternidade afetiva, mas mantinha uma cisma ciumenta com o cearense. Saíram l
Salustiano ficara "encucado" com a provocação do cearense, mas não chegava a outra conclusão que não o fato de Henry ou Edvaldo ter o seu "pivete". Ele precisava de uma maneira própria de levar o guri ao médico na madrugada, de fazer a feira com muitos legumes para a criança, de levá-lo ao circo e à matinê domingueira, de deixá-lo na escola em um veículo respeitável e, quem sabe, do guri já crescido ir sozinho à faculdade. De maneira quase consciente, Salustiano queria, assim como Queiroz tinha abdicado de sua maior paixão, dar-lhe algo que fosse tão importante quanto. Ele acreditava que deveria fazer o mesmo, pois sua maior paixão era, na verdade, seu filho e acreditava que sua atitude enciumada seria perfeitamente compreendida por Edvaldo. Edivaldo chegou cedo, Salustiano o havia chamado para uma volta na caminhonete F350. Seguiu pelo Engenho Velho onde ouviram um grito: — Ô, pau de fogo — Edvaldo admirado olhou para o pai. — Pau de fogo?
Caras leitoras e caros leitores não posso esquecer de lhes dizer para não esperarem as chibatas cortarem seus espíritos para iniciar a luta. Como eu disse, no início dessa nossa prosa, cruzei com essa alma da Bahia resistente. Suas aventuras não estão nos ramos de uma árvore de madeira branca e macia, estavam e estão na turba plural que os endinheirados desejam conter com milhões de chibatadas.Também sinto que essa jornada não acaba aqui. Existe algo que não foi contado ainda e faz-se necessário um outro olhar sobre essa experiência. É preciso entender o sentido da passagem de todos que cruzam nossas vidas. Bons ou ruins...Deus seja louvado.