E Queiroz narrou:
Os tempos de Deus, do inconsciente, sei lá, não é o nosso tempo. Como dizia o expadre o tempo de Deus é uma constante, é pra já, é agora. Todo esse tempo eu acreditava que era um com Edileusa, mas eu era um pequeno guaiamum. Nós éramos o guaiamum de dois corpos, um bicho estranho, não éramos um só corpo, éramos dois corpos ligados por um bracinho sem presa, sem pinça, nem nada, era uma carapaça ligada na outra. Então o que se achou mais forte usou a pinça pra separar o outro. Nós dois não saímos mortos, mas feridos, não sabia se cada um tinha garra ou pinça, isso só quando encontrar, podemos ferir um ao outro demais.
Queria descansar no meu mangue, lá mesmo via Nereidas Negras e Ondinas, cê besta? Encontrei as ideias nos livros que li como queria, mas as palavras não se transformavam em alguém de verdade. Hoje eu encontrei com Janaína, eu era um peixe escamudo e ela apareceu, estava numa liteira que saiu do mar, uma meia dúzia de pescadores, seus ma
Samara gostou muito do que ouviu, que eles tinham a aceitação do pai, aquilo tudo era maravilhoso e ainda mais o que ele havia dito sobre formarem uma família. — Eu não era mais um peixe, era uma pomba lerda... um pombo perdido no mar, encontrei a boca de um vulcão dormindo, a boca de chaminé, uma boca grande... não havia fumaça então desci para procurar um pequeno arbusto furando a rocha, algum pedregulho que cresceu na parede, algum buraco pra ficar... lá pelo meio da garganta a luz foi sumindo, eu olhei e vi se fechando com dentes, era uma boca, estava engolido. Só consegui sair quando era homem, eu era o profeta Jonas e não precisei das asas... Isso eu tinha consciência, eu devia a Janaína e iria pedir uma marcação do tempo nos atabaques, que o tempo passou, tempo propício para tudo em volta crescer em seu ciclo, crescer ao reunirmos, crescer no últero do amor, crescer, se for encontro, em família. Eu antes era o medo e a dúvida, mas agora o amor é quem define o meu rit
Salustiano acusáva-os de serem três loucos, foram morar os três numa pequena vila de pescadores, Arembepe. Lá o tempo havia parado, todo dia era dia de trabalhar e descansar ele constava isso em seu velho relógio, o único da casa. Sem a pulseira e parado, marcando sempre a mesma hora havia se tornado um amuleto que carregava consigo, para cima e para baixo, numa corrente de prata pendurada no pescoço. No entanto, quando seu pequeno golfinho ou boto, como queria Queiroz, nasceu, os primeiros a visitá-lo foram Salustiano e Jerusa. — São três loucos e uma criança, Jerusa, mas eu quero ver o meu neto, nem que seja a primeira e última vez. A criança pequena, a criança velha, se tiver fugido, tanto melhor. — Nem é tanto Salu, você até emprestou a caminhonete para ele procurar o cearense Ele havia melhorado em muito a relação com Edvaldo o qual o passava a reconhecer a sua paternidade afetiva, mas mantinha uma cisma ciumenta com o cearense. Saíram l
Salustiano ficara "encucado" com a provocação do cearense, mas não chegava a outra conclusão que não o fato de Henry ou Edvaldo ter o seu "pivete". Ele precisava de uma maneira própria de levar o guri ao médico na madrugada, de fazer a feira com muitos legumes para a criança, de levá-lo ao circo e à matinê domingueira, de deixá-lo na escola em um veículo respeitável e, quem sabe, do guri já crescido ir sozinho à faculdade. De maneira quase consciente, Salustiano queria, assim como Queiroz tinha abdicado de sua maior paixão, dar-lhe algo que fosse tão importante quanto. Ele acreditava que deveria fazer o mesmo, pois sua maior paixão era, na verdade, seu filho e acreditava que sua atitude enciumada seria perfeitamente compreendida por Edvaldo. Edivaldo chegou cedo, Salustiano o havia chamado para uma volta na caminhonete F350. Seguiu pelo Engenho Velho onde ouviram um grito: — Ô, pau de fogo — Edvaldo admirado olhou para o pai. — Pau de fogo?
Caras leitoras e caros leitores não posso esquecer de lhes dizer para não esperarem as chibatas cortarem seus espíritos para iniciar a luta. Como eu disse, no início dessa nossa prosa, cruzei com essa alma da Bahia resistente. Suas aventuras não estão nos ramos de uma árvore de madeira branca e macia, estavam e estão na turba plural que os endinheirados desejam conter com milhões de chibatadas.Também sinto que essa jornada não acaba aqui. Existe algo que não foi contado ainda e faz-se necessário um outro olhar sobre essa experiência. É preciso entender o sentido da passagem de todos que cruzam nossas vidas. Bons ou ruins...Deus seja louvado.
Reconhecer o brasileiro e refletir a sua complexidade é lançar olhares para esse trágico muito particular e se deixar, quase que por compulsão, contar essas histórias.Em um período de dois anos que trabalhei no interior do estado do Ceará pude reconhecer a densidade que está nos teares do cotidiano. Traços marcantes foram saltando aos olhos, nas relações entre as pessoas, nas famílias, no patrimônio cultural, nas relações do povo com seus políticos. Assim, reconheci outro povo diferente da minha terra natal. Um povo, o mesmo povo, taxista, caminhoneiro, sapateiro, caixa de mercado, gari, as mesmas pessoas do meu antigo cotidiano, mas outros. São batalhadores do tempo e donos das suas verdades defendidas nesse vasto território. Cidadãos do encontro, outros no meu retorno, que muitas vezes eram pouco notados. Esses que, na história da nossa
Tudo lhe parecia novo, um novo cenário mostrava aquele espaço que tantas vezes ele vira com outros olhos. Era outra maneira de sentir e amar a vida. Ele não via mais como se de fora, mas como se estivesse à porta de entrada para a cena. Não mais como um intruso e sim como uma vitalina que se delicia em ver, sem nada dizer, sem ter que responder nada, apenas repousar na imagem que hora se desenha.Ali no terminal da Barroquinha, ele presenciou pelejas, desafios, rinhas e birras das mais diversas escolas e clãs de capoeiristas da Bahia; eram magotes que vinham desde o Canta Galo, Ribeira, Central do São Caetano, Engenho Velho, Vasco da Gama, até a Vinte Oito de Setembro e Maciel. Nesses episódios, “o pau comia”, muitas vezes com bênçãos, aús e martelos, sem uso de “pau de fogo” ou qualquer outra arma, pois era uma desonra para qualquer mestre de capoeira saber que u
Era o casal Boamorte, vindos de Irecê para Salvador, ou para a Bahia, como dizia Salustiano, ignorando que Irecê também “é a Bahia”. Salustiano Boamorte saiu da terra do feijão alegando insucesso pelas sucessivas quebras de safra. Mas sempre recebeu incentivos, principalmente de Fernando seu sogro, que adquiriu fama e fortuna com o cultivo do grão, mas a exposição ao sol também lhe rendera outra herança: pústulas, fissuras na pele e erupções cutâneas que muito temor lhe causavam e suspeitas da doença maldita. Ele, investiu em outros irmãos de Jerusa, mas acreditou também nos apelos de Salustiano, com seu jeito esporreteado, muito confundida por ele com sinceridade, mas que não lograra êxito igual em Cachoeira, sua terra natal onde todos sabiam da sua real fama. Em Irecê, recebeu um dote de vinte hectares de terra, que ele já cuidava antes mesmo de casar com Jerusa, nas folgas de suas viagens para Salvador com carradas de feijão e milho, que vendia em Água de Menino
Com três anos de casados e já fixos em Salvador, o próprio Salustiano passou a se incomodar, por Jerusa nem um muxoxo fazer por não ter filho. “A mulher parece oca”, desenrolava da mente irritada. Mas nunca em lugar algum ou circunstância alguma falava de sua esposa; nada em contrário. Porém, passou a amadurecer a possibilidade de uma adoção. Pensava ser “uma boa solução”, pois não queria muito laço afetivo nessa relação de pai e filho. Queria algo parecido com o que ele sentia em contato com as crias de Natividade, que era algo até de certa forma agradável. Vez ou outra, ela precisava levar um ou outro filho até Brotas e deixava “meia dúzia” em Mata Escura, “sabe lá com quem”, Salustiano pensava e se ria. Quando ela falava com seu vozeirão que deixou com “a menina”, ele dizia “mas que peste de menina será essa, é alguma empregada”, pois entendia que era muito pouco o que pagava a ela, mesmo com o que era vendido na porta do corredor da casa. Por outro lado, de uma maneira espírita,