Com três anos de casados e já fixos em Salvador, o próprio Salustiano passou a se incomodar, por Jerusa nem um muxoxo fazer por não ter filho. “A mulher parece oca”, desenrolava da mente irritada. Mas nunca em lugar algum ou circunstância alguma falava de sua esposa; nada em contrário. Porém, passou a amadurecer a possibilidade de uma adoção. Pensava ser “uma boa solução”, pois não queria muito laço afetivo nessa relação de pai e filho. Queria algo parecido com o que ele sentia em contato com as crias de Natividade, que era algo até de certa forma agradável. Vez ou outra, ela precisava levar um ou outro filho até Brotas e deixava “meia dúzia” em Mata Escura, “sabe lá com quem”, Salustiano pensava e se ria. Quando ela falava com seu vozeirão que deixou com “a menina”, ele dizia “mas que peste de menina será essa, é alguma empregada”, pois entendia que era muito pouco o que pagava a ela, mesmo com o que era vendido na porta do corredor da casa. Por outro lado, de uma maneira espírita, tudo isso fizera-a cair nas graças de Salustiano, que vez ou outra enquanto aguava o quintal, deixava um dos seus dentro de uma bacia d’água. Ele nunca sabia nem lembrava nome de nenhum e pensava “essa preá só faz machos”. Só ficava impressionado com o tamanho do pinto de cada um que ela trazia. Dizia enquanto fumava um charuto em Água de Meninos para feirantes ou amigos de copo, que os filhos de Natividade “não tinham pintos, mas sucuiubas”. “É cada manjuba que dá medo. O moleque não tem cinco anos e tem uma maior que a minha. Não acredite em mim não, acredite em Deus”.
Incomodado com a letargia de Jerusa quanto a questão dos filhos, ele radicalizou e, sozinho, resolveu adotar. Tinha Natividade, que seria como Joquebede para Moisés, que amaria como mãe de verdade o filho que ele adotasse. A exemplo do que fora escrito no Êxodo, até o peito Natividade daria para algum “salvo das águas” escolhido pelo destino.
A própria Natividade sugeriu a procura por uma criança abandonada as voluntárias de Irmã Dulce. O que funcionou, pois, com elas, encontrou um menino com dois anos incompletos, de pele negra e olhos ligeiramente amendoados. Existiam tantos, com várias histórias de sofrimentos e traumas, mas para este que Jerusa escolheu - algo que fora uma imposição de Salustiano dita ao final do corredor de maneira discreta - não se via nos olhos nenhuma sequela por conta de seu abandono.
Salustiano precisava de um filho também por outro motivo muito importante para ele, pois era um adorador da marca Ford, do homem Henry Ford e todos os caminhões que fabricara. Queria por último ter um filho e colocar esse nome: Ford. Na juventude ele sonhara com isso e agora, após ver aquele “mulatinho” nas obras de caridade, lembrou de seu sonho e imaginou que a criança tinha a missão de ser “O Fordão Baiano”, como posteriormente diria por toda Cidade Alta e Baixa, na sua figura de Zé Pelintra.
No princípio não conseguiu registrar o nome Ford Divino da Boamorte, pois só rico conseguia colocar nome inglês em filho na Bahia. Ele tentou várias vezes, mas os escriturários e oficiais dos cartórios pareciam não querer que realizasse seu sonho. Por último lembrou de um camarada da Calçada; era só achar uma maneira de comprovar que morava no bairro do Uruguai, na Cidade Baixa, que seria fácil. No entanto, não foi.
Enquanto insistia, todas as vezes em que esteve no comezinho boteco no pé da Ladeira do Inferno, diziam para Salustiano,“homem, pelo Senhor do Bonfim não tem baiano vivo com esse nome de Ford” e Salustiano retrucava “e daí? Tem Maicon”, “também não; só se for em São Paulo”. Impaciente, o camarada disse “homem vá então em São Paulo e tenta pra ver, o tabelião aqui não vai assinar”, “olha que Maicon aqui na Bahia tem”, “não tem”, “olha que tem”, “não tem homem”, “olha que te mostro…”, “me mostre!”. “vá, vá, não tem, mas e daí?”
“…e daí que não deu”. Porém Salustiano era malandro e sempre seria e pensou, “Ford não dá e ele está certo, mas Henry não tem porquê não”. Aproveitou o mal humor, a impaciência, o “bode” de segunda-feira do camarada de copo que até o nome ele não sabia, pois chamava-o de parceiro e conseguiu o registro de Henry Divino da Boamorte.
Esse nome iria incomodá-lo por toda infância e boa parte de sua vida adulta, pois sentia que sua baianidade era forte, suas raízes Iorubá eram marcantes e o nome Henry chamado nos babas de futebol nos campos do Lasca, Ceam e Campinas de Brotas ficava desconexo; um ultraje ao seu estilo viril e aguerrido feito Baiaco, jogador do Bahia, “clube do seu coração”. Era seu jeito sério dentro do campo sem brincadeiras, compenetrado como se fosse o próprio Edvaldo, o Baiaco ídolo da nação tricolor. Isso lhe rendeu a mesma alcunha e no futuro ele retaria, e em cartório faria a maior desfeita contra Salustiano, trocando o nome para Edvaldo.
Foram vários apelidos como outros tantos, até do rival Vitória da Bahia, como Zé Preta quando, uma vez, ao conseguir fazer um gol numa patada maluca da intermediária do campo, Bedeu do alto da ladeira do campo do Ceam gritou:
— Que porra é essa, véi? Não é mais Baiaco não é Zé Preta sacana.
Quase que pega o apelido, mas a exemplo de Baiaco ele gritava “nada, nada, nada, eu sou Baiaco miséra”.
O apelido Escalabau, veio da semântica baiana, pois, muitas vezes, Henry ao perder um gol subia na trave, no pau do gol adversário. Ele subia o “pau do gol”, assim, escalava pau; ou, como Bedeu, melhorou a alcunha para Escalabau. Bedeu mesmo, quando criança não sabia pronunciar “bebeu”, dizia bedeu. Sua mãe mesmo o apelidou de Bedeu. Na verdade, menino gago e com umbigo estufado na Bahia era algo muito comum. Menos o menino Henry, que era esguio e bem cedo adquiriu um porte atlético e majestoso; apenas um pouco estranho nas partidas quando perdia um gol e subia na trave adversária e, escalando até não poder mais, por sua vez, curtia de trapezista.
Um autêntico Escalabau. Aceitava todos as alcunhas para não ser chamado de Henry.
Salustiano ouviria posteriormente os nomes dados ao “seu nego” em todo Engenho Velho, Cosme de Farias e Campinas de Brotas e diria:
— Você… Tão bem aparentado… Não é branco, mas tem olho bonito de gato com artes de maloqueiro… Você entra na escola técnica, e imagina você… Lá, no Barbalho, sendo chamado desses nomes?
Henry nada respondia, pois diante de uma pressão sempre seria calado com o pai. Só na “peladinha”, no “baba”, num campinho de várzea qualquer, seria um viril caçador dos outros, seus adversários, ainda mais se fosse em Campinas de Brotas, Ceam, Leste e Lasca, seus lugares habituais.
A exemplo de Baiaco, um gavião implacável sobrevoando Pelé na Fonte Nova, o carrasco afamado do Rei do Futebol, assim era o menino Henry, Edvaldo, Escalabau, Edvaldo para seus adversários em todas linhas e para fora do campo. Chegava no encalço deles, fazendo-os sentirem pavor com a velocidade de sua sombra, como um touro enfurecido ou uma tempestade se aproximando.
A casa que Salustiano escolheu para morar no bairro de Brotas, nunca seria reformada. Era de um rosa claro, cercada de árvores e de frutos do que foi um pomar floresta, como seriguela, abiu, jaca-de-pobre, manga, cajá, umbu, cajarana, jaca, caqui nascia ao lado do que lá ainda era remanescente do nativo. Até cacau existia no fundo de casa. Fruta-pão, banana, abacate, tudo de modo a cobrir de doces a enjoar o chão onde viviam os Boamorte.
O menino Henry arquitetava cabanas com seu amigo Culé em baixo dos ramos torcidos de maracujá, numa pequena ribanceira. Henry não sabia qual nome de Culé, pois ele mesmo o apelidara, tudo ele dizia “colé rapaz”; tudo era “colé disso, colé daquilo”. Henry melhorou sua alcunha para Colher e a meninada de Brotas pirraçava chamando de Culé, pois é melhor não ficar entre os vencidos. Henry aprontava com ele lançando fezes de cima da mangueira, e gostava do cheiro das rumas de cocô nos bananeirais. Uma função na sua tenra idade.
Era uma penca de amigos que Henry tinha no Engenho Velho. Alguns nomes além de Bedeu, Culé e Neto, eram, Relógio, Cruel, Mamau, Nenen, Mingau, Fofino, Facada, Badega, Turiba, Pente Fino, Zé Colmeia, Bujão e Tubaína, esse último sempre presente em todas as festinhas.
Sem Salustiano saber, saiam a vadiar pela Rua do Inferno, Ladeira do Pepino, Dique do Tororó, Jardim Baiano, Fonte das Pedras onde paravam para tomar um banho, só de brincadeira. Voltavam em direção à Baixa do Tubo, Bonocô, Matatú e onde mais tivesse um campo de futebol, uma gangorra que pudesse balançar; uma igreja ou terreiro para contar uma diabrura qualquer. Pedir pipocas em qualquer tabuleiro de filho de santo. Achar algum caruru de sete meninos. Pedir queimado, balas a qualquer devoto de Cosminho ou do seu gêmeo. Alguma coisa qualquer, que os afastassem do paraíso de santidade: Entravam em igrejas pentecostais para tirar o sério dos diáconos de porta, quando os fiéis entravam no mistério. Até aceitavam a Jesus no apelo do Pastor e depois saíam cantando de galo no meio da rua sem saberem o que realmente foi corajoso ou engraçado. Dizia Tubaína “eu fui lá na frente, vocês pensavam que eu não tinha coragem”, ao que outro dizia “que cara dura desse cara rapá, até chorou”, e outro, “o pastor dizendo, você tá manifestado, saia satanás!” Ainda mais, “vei, ô véi, que cara dura desse cara, o pastor perguntou qual seu nome? Tubaína, essa miséra ainda respondeu”.
Assim, falavam e faziam mesmo quando não poderiam falar ou fazer, se livrando de cadeia ou tomar susto da polícia, sopapos e outras cacetadas. Iam de bicicleta até praia de Armação e desciam até Pituaçu para tomar banho na lagoa. Era comum afogamento de criança e bêbado na lagoa escura “sem fundo” diziam, mas na turma do Engenho Velho nunca isso ocorrera. Iam agachados roubar em baleiros em armazéns e padarias, serviços familiares e grandes estoques não lhes importavam. Henry gostava de ver o baleiro moderno com cara de robô de Perdidos no Espaço, seriado norte-americano de televisão que tinha aquela família que ele tanto admirava. Logo esquecia isso e saiam rua a baixo, já com as bocas cheias de balas coloridas como a tevê que lhes entregava as aventuras, repetindo a frase do robô do seriado “não tem registro” e realmente as balas não eram registradas nos caixas.
Numa ocasião, ainda no Brasil sob o comando dos Generais, Henry e Neto tiveram de achar refúgio num casarão, um brega; não um cabaré, mas uma casa de tolerância onde Henry aprenderia muito de um tipo de vida. Neto era dois anos mais velho e, nos hotéis de Brotas, mais conhecidos como motéis, já tinha há tempo se tornado homem. Nesse final de tarde do acontecido, Henry, que já era chamado de Escalabau, estava com sua farda do colégio Severino Vieira e correu com toda velocidade na direção dos casarões, pois sabia que Salustiano não o perdoaria caso tornasse a ter a presença da polícia na sua porta por alguma peraltice ou desordem no Centro Histórico. Mesmo porque, o pai era bastante conhecido no bairro e o próprio Henry também, principalmente nas férias subindo e descendo o Taboão na companhia do pai com o surrado envelope pardo.
O susto foi tão grande para os dois adolescentes, que, ao ver os coturnos dos guardas na direção deles, não contaram tempo e conversa e desciam sem medo algum de raspar os joelhos e as canelas, passavam feito balas nas escadas e nas vielas irregulares em direção a Baixa dos Sapateiros, e chegando a um dos casarões.
Um cabo dos bombeiros abriu a porta pesada, com o ranger das dobradiças enferrujadas dizendo “é você, seu miserável”.
Ele estava de saída, ainda ajeitando o cinto e colocando a camisa dentro da calça, mas, na arrancada, ficou com parte dela de botão trocado com os buracos.
Ela, cabelos pintados de louro, vestida com uma peça muito curta quase espremendo os peitos pra fora, minissaia, barriguinha sem vergonha e com um cigarro nos dedos queimados veio logo atrás e perguntou “quer que eu te mostre umas coisas?” Neto, que era branco, riu com safadeza, mas Henry muito sem graça, sem saber o que dizer, gaguejou “esse amarelo empapuçado inventou de parar na frente do camburão do Choque, os homens estão descendo atrás da gente”.
Dejanira era seu nome, ela disse:
— Entra logo vocês. O PCdoB botou o bloco na rua e dizem que a Iara e o Lamarca estão aí. Vocês não podem sair de farda agora. Senta aí na escada. Tô esperando um colega seu do Severino para aula de reforço, mas, com certeza, não vem com esses protestos na praça.
Henry olhou para Neto que já entendera tudo, mas ria de descaração. Pensou, pensou e passou a entender que a mulher tinha duplo ofício.
Era no começo do declínio da educação no país. De cima do casarão os dois puderam ver as batidas policiais que eram feitas na rua. Parecia guerra civil, pois ouvia-se o som de bombas e tudo mais existente num motim.
Henry iria realmente tomar aulas de reforço escolar, disso Salustiano sabia, lembrou quando ele contou que acharam refúgio numa escola particular.
Salustiano também dizia que “não queria um marica em casa”, por isso entendeu que deveria incentivar Henry a “perder virgindade”. Lembrou de Dejanira, a Raabe do Maciel.
Chegou a manhã de quarta, após a excelente noite de sono, quando chegou da Terça de Benção no Pelourinho. O retorno de Edvaldo para Salvador fora de um pedido feito por sua mãe em um sonho que tivera com ela, se apresentando na figura de Oya, numa noite tempestuosa, flutuado acima da Rua da Poeira, apontando a residência de Queiroz e dizendo “volte filho”. Até o seu retorno, aquela frase ecoou entre os ouvidos de Edvaldo. Salustiano não estava bem. Tinha problemas renais sérios. Nada que alguém pudesse dizer que estava nas últimas, mas Escalabau entendia que o casal Boamorte era “só ele só”. Natividade já havia tempo que não morava mais com eles. Entendia que a preocupação de Jerusa era exagerada, mas não queria deixar os dois assim tão sós. O pai já tinha sua aposentadoria, um pé de meia suficiente para sua terceira idade. Porém, ficar à mercê de secretárias, que faziam um bom trabalho, mas que não supriam a falta de um filho era deprimente para tod
Os nativos acreditam que tudo que acontece na Bahia é verdade; nem que seja lá no fundo, bem no fundo. Nunca é invenção. Dizem que, às vezes, apenas, pode ter um pouco de exagero, mas sempre no final se encontra provas de modo a tornar fidedigno o relato de qualquer acontecido. Rosa era magricela, Natividade era corpulenta, das duas se diziam que eram “cabeças feitas”. Esse termo, “cabeça feita”, nasceu na Bahia, diga-se de passagem. Como também ao se dizer “fulano está bolado”, pois é comum em algum momento na vida do baiano, este “bolar no santo”. Filhas de Rio Fundo, também no recôncavo baiano, as duas irmãs passaram parte de suas infâncias em arredores de Feira de Santana e ainda mocinhas começaram a visitar o município de Lauro de Freitas em caravana ou pau de arara para Roda de Santo na Itinga. Eram unidas, mesmo sendo de naturezas diferentes. Natividade era responsável e de quase nenhuma brincadeira. Rosa era espalhafatosa e moleca e até quando era
Naquela manhã ele não queria moto nem carro; iria andando. Passaria no Dique do Tororó e também pelo estádio da Fonte Nova e depois decidiria o restante do percurso até o Santo Antônio, onde saberia notícias de Queiroz, chamado por ele de “Ceará” e lá também era conhecido como “Pai Véi”. Na Bahia sempre fora assim, se quisesse ser celebridade teria que ter mais de um nome. Pelo menos um na Cidade Alta e outro na Baixa pra que as pessoas entendessem que teria tantas histórias que precisaria de vidas paralelas, dois nomes, assim por diante... Saltou um pouco mais de hora no Aquidabã e subiu rumo ao Santo Antônio. Tinha motivos para não ver Samara agora. E era quase certo que Queiroz não estaria na Rua da Poeira. Passando em frente ao Sanatório São Paulo sentiu arrepios ao ver as seteiras pontiagudas na entrada. A mínima visão do pátio lhe causava desgosto e agonia quase na forma de pânico. O sol estava a pino e ele logo ao chegar ao largo do Santo Antônio foi
Mais ou menos na época em que Edvaldo foi em busca de sua mãe legítima em Feira de Santana, ele conhecera Queiroz na Biblioteca Central dos Barris. Estava realmente confuso.Ele e Neto seu colega ainda de ginásio, passaram apenas a variar nas salas e praças da biblioteca. Era um local charmoso para encontros juvenis furtivos, esse era o principal atrativo da biblioteca para Henry. Inventava pesquisas para namorar nos corredores, elevadores e bancos da centenária instituição.Muito embora vivesse o processo esperado de auto-afirmação de um adolescente, era visto como carismático e elegante com seus um metro e oitenta de altura. Mantinha um jeito descolado e manhoso que seduzia bibliotecárias de várias idades. Era, ao mesmo tempo, marrento e tinha um andar de jogador de futebol. Tinha todos os trejeitos, parecia querer imitar seu jogador predileto. Ele até vivia com a m&atil
O que estava acontecendo agora com Edvaldo era quase uma repetição de anos anteriores, quando ele decidiu se aventurar no Sul do país. Queiroz em crise e ele subindo e descendo ladeira para proteger o amigo, que engolira antidepressivos entre suas cachaças; por uma desculpa de que não desistiria de Edileusa, nas suas palavras, “uma alma gêmea”. Quando em crise, Queiroz costumava dizer que perdera a chance de ser feliz com a sua “alma gêmea” de existências passadas, mas, agora, ele não iria perdê-la novamente. Essa era a única teoria do cearense que Edvaldo rejeitava por completo, para ele era uma fraqueza sua; um orgulho seu não reconhecer que não dava mais, que “ela tá noutra” e que ele não devia “fantasiar tanto a essa altura do campeonato”. Dizia Edvaldo: — Venha cá, Pai Véi, que cearense bimba é você? Que homem é esse, misturando crença com mulé, cachaça e as porra toda? E realmente ninguém entendia; Edvaldo e Samara eram os únicos que se preocupava com
Naquela época, para surpresa de Edvaldo, o cearense não se preocupava em nada sobre a vida sentimental de Samara, se ela tinha algum namorado. Edvaldo, que vez ou outra se achava pensando sobre isso; que, ela ainda mais nova, não era “assanhada para o lado de namoro”. Entendia que Samara tinha a excelente educação que Queiroz lhe proporcionara mas tinha o pensamento torto de que “a menina baiana sempre fora e seria assim, com o quadril solto para saçaricar, mas nem sempre namoradeira”, e Samara era desse jeito, pois já fizera balé e sacudia o esqueleto em qualquer ritmo, mas para namorado ou falar de rapaz, nunca ouvira e para sua surpresa, Queiroz que era um autêntico “Pai Véi”, nesse quesito “nem tava aí nem tava chegando”. Uma vez quando ela tinha quatorze anos, mais ou menos, Edvaldo perguntou ao pai sobre o assunto e Queiroz respondeu “tá preocupado, macho? Nem eu…” e ele disse “não é pra tá?”, pois tinha receio que a menina fosse como a mãe e, na sua linha de raciocín
Era tempo de chuva de dia inteiro em Salvador, rumas de chuva, e já escurecera. Edvaldo, depois da indecisão sobre onde ir, seguiu rumo ao seu apartamento. Também estava inconscientemente indeciso sobre pensar em Samara, mas seria muito difícil não pensar depois daquele olhar. Ele ficou estampado na retina e foi mais fundo. Tentou colocar outra preocupação em sua mente como ligar para o trabalho, dando mais justificativas sobre sua ausência, mas lembrou que Edgar, seu chefe, já havia lhe dito que fosse cuidar de Ceará. Que era muito seu amigo, uma pessoa a quem devia respeito e admirava profundamente por razões que cansamos de repetir. Pensou mais uma vez em Salustiano, tinha plena consciência de quem era Ceará e sua filha e o mesmo respeito que tinha pelo primeiro teria por ela. Pensou nela: “aquela…” Procurava mentalmente uma palavra. Tinha que pensar em pessoas para visitarem o amigo, pessoas de confiança que pudessem passar uma tarde com ele, pois o ex-padre, o desconhecido Quev
Edvaldo, quando ainda atendia pelo nome Henry, realmente se envolveu com o povo evangélico, influenciado por irmão Marciano, que embora não houvesse passado por formação teológica era chamado por muitos por “Pastor Marciano”. Um homem caridoso e também muito humano, esse era o fato de identificação do garoto Henry. Irmão Marciano era um marido fiel e pai de nove filhos. Morava no bairro de Plataforma, no subúrbio ferroviário. Era um herói na pregação da Palavra de Deus. Sem generosas concessões, levou milhares ao batismo nas águas. Era reconhecidamente um homem destemido, como o apóstolo Paulo e sem preconceito algum como o Divino Mestre Jesus Cristo. O importante para ele era batizar, pois o Reino de Deus estava próximo, e não havia tempo a perder. Tinha que pregar “em tempo e fora de tempo”. Ele era um artilheiro como Beijoca na Fonte Nova, que fazia gol em pé, sentado ou deitado, pois assim como o craque nos gramados, como uma fera objetivava apenas finalizar um tento, c