Chegou a manhã de quarta, após a excelente noite de sono, quando chegou da Terça de Benção no Pelourinho.
O retorno de Edvaldo para Salvador fora de um pedido feito por sua mãe em um sonho que tivera com ela, se apresentando na figura de Oya, numa noite tempestuosa, flutuado acima da Rua da Poeira, apontando a residência de Queiroz e dizendo “volte filho”. Até o seu retorno, aquela frase ecoou entre os ouvidos de Edvaldo.
Salustiano não estava bem. Tinha problemas renais sérios. Nada que alguém pudesse dizer que estava nas últimas, mas Escalabau entendia que o casal Boamorte era “só ele só”.
Natividade já havia tempo que não morava mais com eles. Entendia que a preocupação de Jerusa era exagerada, mas não queria deixar os dois assim tão sós.
O pai já tinha sua aposentadoria, um pé de meia suficiente para sua terceira idade. Porém, ficar à mercê de secretárias, que faziam um bom trabalho, mas que não supriam a falta de um filho era deprimente para tod
Os nativos acreditam que tudo que acontece na Bahia é verdade; nem que seja lá no fundo, bem no fundo. Nunca é invenção. Dizem que, às vezes, apenas, pode ter um pouco de exagero, mas sempre no final se encontra provas de modo a tornar fidedigno o relato de qualquer acontecido. Rosa era magricela, Natividade era corpulenta, das duas se diziam que eram “cabeças feitas”. Esse termo, “cabeça feita”, nasceu na Bahia, diga-se de passagem. Como também ao se dizer “fulano está bolado”, pois é comum em algum momento na vida do baiano, este “bolar no santo”. Filhas de Rio Fundo, também no recôncavo baiano, as duas irmãs passaram parte de suas infâncias em arredores de Feira de Santana e ainda mocinhas começaram a visitar o município de Lauro de Freitas em caravana ou pau de arara para Roda de Santo na Itinga. Eram unidas, mesmo sendo de naturezas diferentes. Natividade era responsável e de quase nenhuma brincadeira. Rosa era espalhafatosa e moleca e até quando era
Naquela manhã ele não queria moto nem carro; iria andando. Passaria no Dique do Tororó e também pelo estádio da Fonte Nova e depois decidiria o restante do percurso até o Santo Antônio, onde saberia notícias de Queiroz, chamado por ele de “Ceará” e lá também era conhecido como “Pai Véi”. Na Bahia sempre fora assim, se quisesse ser celebridade teria que ter mais de um nome. Pelo menos um na Cidade Alta e outro na Baixa pra que as pessoas entendessem que teria tantas histórias que precisaria de vidas paralelas, dois nomes, assim por diante... Saltou um pouco mais de hora no Aquidabã e subiu rumo ao Santo Antônio. Tinha motivos para não ver Samara agora. E era quase certo que Queiroz não estaria na Rua da Poeira. Passando em frente ao Sanatório São Paulo sentiu arrepios ao ver as seteiras pontiagudas na entrada. A mínima visão do pátio lhe causava desgosto e agonia quase na forma de pânico. O sol estava a pino e ele logo ao chegar ao largo do Santo Antônio foi
Mais ou menos na época em que Edvaldo foi em busca de sua mãe legítima em Feira de Santana, ele conhecera Queiroz na Biblioteca Central dos Barris. Estava realmente confuso.Ele e Neto seu colega ainda de ginásio, passaram apenas a variar nas salas e praças da biblioteca. Era um local charmoso para encontros juvenis furtivos, esse era o principal atrativo da biblioteca para Henry. Inventava pesquisas para namorar nos corredores, elevadores e bancos da centenária instituição.Muito embora vivesse o processo esperado de auto-afirmação de um adolescente, era visto como carismático e elegante com seus um metro e oitenta de altura. Mantinha um jeito descolado e manhoso que seduzia bibliotecárias de várias idades. Era, ao mesmo tempo, marrento e tinha um andar de jogador de futebol. Tinha todos os trejeitos, parecia querer imitar seu jogador predileto. Ele até vivia com a m&atil
O que estava acontecendo agora com Edvaldo era quase uma repetição de anos anteriores, quando ele decidiu se aventurar no Sul do país. Queiroz em crise e ele subindo e descendo ladeira para proteger o amigo, que engolira antidepressivos entre suas cachaças; por uma desculpa de que não desistiria de Edileusa, nas suas palavras, “uma alma gêmea”. Quando em crise, Queiroz costumava dizer que perdera a chance de ser feliz com a sua “alma gêmea” de existências passadas, mas, agora, ele não iria perdê-la novamente. Essa era a única teoria do cearense que Edvaldo rejeitava por completo, para ele era uma fraqueza sua; um orgulho seu não reconhecer que não dava mais, que “ela tá noutra” e que ele não devia “fantasiar tanto a essa altura do campeonato”. Dizia Edvaldo: — Venha cá, Pai Véi, que cearense bimba é você? Que homem é esse, misturando crença com mulé, cachaça e as porra toda? E realmente ninguém entendia; Edvaldo e Samara eram os únicos que se preocupava com
Naquela época, para surpresa de Edvaldo, o cearense não se preocupava em nada sobre a vida sentimental de Samara, se ela tinha algum namorado. Edvaldo, que vez ou outra se achava pensando sobre isso; que, ela ainda mais nova, não era “assanhada para o lado de namoro”. Entendia que Samara tinha a excelente educação que Queiroz lhe proporcionara mas tinha o pensamento torto de que “a menina baiana sempre fora e seria assim, com o quadril solto para saçaricar, mas nem sempre namoradeira”, e Samara era desse jeito, pois já fizera balé e sacudia o esqueleto em qualquer ritmo, mas para namorado ou falar de rapaz, nunca ouvira e para sua surpresa, Queiroz que era um autêntico “Pai Véi”, nesse quesito “nem tava aí nem tava chegando”. Uma vez quando ela tinha quatorze anos, mais ou menos, Edvaldo perguntou ao pai sobre o assunto e Queiroz respondeu “tá preocupado, macho? Nem eu…” e ele disse “não é pra tá?”, pois tinha receio que a menina fosse como a mãe e, na sua linha de raciocín
Era tempo de chuva de dia inteiro em Salvador, rumas de chuva, e já escurecera. Edvaldo, depois da indecisão sobre onde ir, seguiu rumo ao seu apartamento. Também estava inconscientemente indeciso sobre pensar em Samara, mas seria muito difícil não pensar depois daquele olhar. Ele ficou estampado na retina e foi mais fundo. Tentou colocar outra preocupação em sua mente como ligar para o trabalho, dando mais justificativas sobre sua ausência, mas lembrou que Edgar, seu chefe, já havia lhe dito que fosse cuidar de Ceará. Que era muito seu amigo, uma pessoa a quem devia respeito e admirava profundamente por razões que cansamos de repetir. Pensou mais uma vez em Salustiano, tinha plena consciência de quem era Ceará e sua filha e o mesmo respeito que tinha pelo primeiro teria por ela. Pensou nela: “aquela…” Procurava mentalmente uma palavra. Tinha que pensar em pessoas para visitarem o amigo, pessoas de confiança que pudessem passar uma tarde com ele, pois o ex-padre, o desconhecido Quev
Edvaldo, quando ainda atendia pelo nome Henry, realmente se envolveu com o povo evangélico, influenciado por irmão Marciano, que embora não houvesse passado por formação teológica era chamado por muitos por “Pastor Marciano”. Um homem caridoso e também muito humano, esse era o fato de identificação do garoto Henry. Irmão Marciano era um marido fiel e pai de nove filhos. Morava no bairro de Plataforma, no subúrbio ferroviário. Era um herói na pregação da Palavra de Deus. Sem generosas concessões, levou milhares ao batismo nas águas. Era reconhecidamente um homem destemido, como o apóstolo Paulo e sem preconceito algum como o Divino Mestre Jesus Cristo. O importante para ele era batizar, pois o Reino de Deus estava próximo, e não havia tempo a perder. Tinha que pregar “em tempo e fora de tempo”. Ele era um artilheiro como Beijoca na Fonte Nova, que fazia gol em pé, sentado ou deitado, pois assim como o craque nos gramados, como uma fera objetivava apenas finalizar um tento, c
Edvaldo já tinha como certa a visita de Marciano durante a tarde, pois ele foi informado que ele ligara também para Baixa de Quintas buscando informações. Posteriormente ficaria sabendo que havia sido Jerusa, após ouvir os conselhos de Salustiano, que ligara para ele falando sobre a crise de Queiroz e ficara preocupada com Edvaldo. Ela se lembrou que tinha um número de recado antigo de Marciano que uma vez anotara, quando viu escrito num caderno de Edvaldo, pois se angustiou quando Salustiano falou de maneira descortês com Marciano. Ela percebia o respeito de Edvaldo por Marciano e sabia que, como bom amigo e pessoa de fé, ajudaria ela e Edvaldo caso fosse necessário. Logo naquela manhã, após as oito horas, Edvaldo ligou para Marciano, que confirmou que estaria no São Paulo naquela tarde. Edvaldo havia refletido muito sobre a possibilidade de pedir para Marciano e outros colaborarem com o cuidado de Queiroz, mas Marciano tinha aquela vida de pregação e não permanecia