Edvaldo, quando ainda atendia pelo nome Henry, realmente se envolveu com o povo evangélico, influenciado por irmão Marciano, que embora não houvesse passado por formação teológica era chamado por muitos por “Pastor Marciano”. Um homem caridoso e também muito humano, esse era o fato de identificação do garoto Henry.
Irmão Marciano era um marido fiel e pai de nove filhos. Morava no bairro de Plataforma, no subúrbio ferroviário. Era um herói na pregação da Palavra de Deus. Sem generosas concessões, levou milhares ao batismo nas águas. Era reconhecidamente um homem destemido, como o apóstolo Paulo e sem preconceito algum como o Divino Mestre Jesus Cristo. O importante para ele era batizar, pois o Reino de Deus estava próximo, e não havia tempo a perder. Tinha que pregar “em tempo e fora de tempo”. Ele era um artilheiro como Beijoca na Fonte Nova, que fazia gol em pé, sentado ou deitado, pois assim como o craque nos gramados, como uma fera objetivava apenas finalizar um tento, c
Edvaldo já tinha como certa a visita de Marciano durante a tarde, pois ele foi informado que ele ligara também para Baixa de Quintas buscando informações. Posteriormente ficaria sabendo que havia sido Jerusa, após ouvir os conselhos de Salustiano, que ligara para ele falando sobre a crise de Queiroz e ficara preocupada com Edvaldo. Ela se lembrou que tinha um número de recado antigo de Marciano que uma vez anotara, quando viu escrito num caderno de Edvaldo, pois se angustiou quando Salustiano falou de maneira descortês com Marciano. Ela percebia o respeito de Edvaldo por Marciano e sabia que, como bom amigo e pessoa de fé, ajudaria ela e Edvaldo caso fosse necessário. Logo naquela manhã, após as oito horas, Edvaldo ligou para Marciano, que confirmou que estaria no São Paulo naquela tarde. Edvaldo havia refletido muito sobre a possibilidade de pedir para Marciano e outros colaborarem com o cuidado de Queiroz, mas Marciano tinha aquela vida de pregação e não permanecia
É preciso contar um episódio desagradável em que Edvaldo se envolveu semanas antes da internação de Queiroz. Desagradável, porém que iria empurrá-lo de maneira mais rápida ao futuro que o esperava. Dejanira desejava muito sair daquela vida, em que, a cada dia, a concorrência crescia: casas de stripper, a oferta de meninas muito novas e sedutoras na orla marítima; homens de todas as classes e de todas as idades a procurando, cada vez mais, por transexuais, e mais, os cafetões oportunistas e golpistas que existem em todos os lugares. Ela costumava dizer que “antes os homens eram mais direitos e não essa cambada de golpistas que querem sexo de graça”. Logo que chegou do interior, de Catu, surgiu um Duzinho. Cafetão da pior espécie. Ela o conheceu em uma viagem e se apaixonara, veio para Salvador para morar com ele, mas era o famoso golpe das cartas de felicidade no amor. Ela morou por algum tempo com ele e quando estava bastante dependente levou-a para a casa onde as
Ao chegar a clínica anexa ao São Paulo, o horário de visitas começara quinze minutos antes, teve uma grata surpresa, pois no salão de visitas, já estavam sentados conversando Marciano, Queiroz e o ex-padre que já aceitara a alcunha de Quevedo. Seu amigo estava fumando, muito animado enquanto Edvaldo abraçava o Irmão Marciano que há muito tempo não via. Ouviu o cearense dizer, aparentemente, entre o delirante e o meio irônico “é um gênio, esse padre Quevedo é um gênio”, e Edvaldo quis dizer, que não o chamasse assim, e também, querendo ouvir o que o tal ex-padre estava resmungando baixinho. Foi surpreendido por Queiroz em uma de suas brincadeiras que julgava “desconcertantes”. O cearense dava um toque leve com a parte externa dos três dedos maiores na sua genitália acompanhado de um bordão “tá usando cueca caba?” Edvaldo respondeu com um muxoxo e com um “tá gaiato ele, hein?” como forma de reconhecimento de que saíra da crise. Queiroz voltou à conversa com o
Queiroz transmitia paz e, mesmo com suas pilhérias, muitos gostavam dele. Carnaval Moreira era um dos que gostava de estar na porta do bar por causa do cearense, gostasse de ouvir suas conversas e pilherias insistentes. Oliveira não via a presença de Carnaval com bons olhos, bons ouvidos e bom nariz; chamava Moreira de maconheiro e maluco desde o dia em que soube que ele espalhou em todo Santo Antônio que Oliveira visitava sua esposa três vezes à noite já com quase quarenta anos de casados. Edvaldo desconfiava que Moreira estava sentindo falta do cearense e queria ter certeza que podia contar com ele. Ele queria a presença de Moreira, menos por ele e por Queiroz e mais por Samara. Edvaldo queria que ela entendesse que não estavam desamparados, ela e o pai. Sentia-se confuso com as esquisitices dela, mas também devedor aos dois, pois eles chegaram num momento também de muita confusão na sua vida. Fugiu de uma confusão e foi buscar abrigo naquela família acreditando que poder
Por essa Edvaldo não esperava. Samara estava sentada no chão do corredor, ao lado da porta, à sua espera. Quando a viu, ainda das escadas perdeu o equilíbrio como se os degraus houvessem caído sob seus pés; segurou-se nas paredes. Ele que se acostumou a falar muito pouco com vizinhos observava o apartamento da vizinha que estava com a porta entreaberta. — O que você tá fazendo aqui? Eu não disse que é perigoso… descer essa ladeira essa hora… subir também é perigoso – disse em tom baixo quando percebeu alguém passando por trás da porta. Foi nesse momento que percebeu que ela trazia uma cabeça de frade na mão: — Olha, Edvaldo, que trouxe! Sua vizinha disse que isso é bom pra expulsar olho grande da casa da gente. Abriu a porta rápido e sem acender a lâmpada, colocou na estante, tateando um lugar para não cair o cacto. Disse baixo “vamos, vamos!” Ele de pé no primeiro degrau, descendo, disse em mais alto “vumbora” e fazia gestos vigorosos com u
Edvaldo tivera um sonho significativo, mas o qual não sabia o significado. Estava na biblioteca de Samara quando encontrara uma folha de papel muito envelhecida, ao olhar fixamente para ela havia percebido que fora transportado para uma duna diferente das de areias brancas do Abaeté. Sentia que havia andado por horas e, mesmo com o Sol queimando-lhe a parte descoberta do rosto, não estava exausto ou muito suado. Repentinamente uma enorme duna se ergueu a sua frente; ele subiu sem resistência. Quando chegou ao topo avistou algo que parecia um amontoado de enormes blocos de pedra. Curioso, decidiu seguir naquela direção. Ainda no caminho foi possível perceber que se tratava de uma construção, aproximou-se ainda mais. Bem mais próximo percebeu formas humanas; neste momento parou e escutou o vento cantando algo do fundo da garganta. Resolveu continuar. Muito mais perto, percebeu, como efeito do ângulo de aproximação, uma pedra enorme caída ao lado da ruína e duas construções que certame
No dia de visitas, Edvaldo esperou Carnaval Moreira na entrada do complexo, temendo que o guarda o conhecesse de suas andanças nas proximidades e não o deixasse entrar. Moreira era imprevisível e surpreendeu Edvaldo dizendo “caramba Baiaco, relógio suíço o seu”. “Foi buscar o Baiaco longe, hein?”. Realmente Moreira apitou jogos do Alto do Cean e a torcida conhecia Edvaldo por Baiaco; era o que gritavam. Entraram e, para surpresa dele, Marciano estava por lá. Estava certo de, a partir daquela última tarde, estar lá para visitar Queiroz e também o ex-padre, pois havia gostado de algo na conversa. Entendiam que, diferente da máxima que diz “religião não se discute”, poderiam aprender um com o outro por esse caminho. Queiroz se agradou quando viu Carnaval Moreira, mas sem muita conversa apertou-lhe a mão e foi pegar uma cadeira para ele. Como o padre não recebia visitas, Moreira entrou fingindo ser parente dele, pois havia um limite quanto ao número de pessoas. A recep
Edgar, poderia ter sido seu terceiro melhor amigo, mas era chefe. Chefe nunca é amigo de ninguém. Carnaval Moreira costumava dizer o que havia ouvido em outro boteco “chefe é amigo do dinheiro e escravo do seu trabalho”. Apesar dos pesares, Edgar era, para ele, o terceiro na lista, depois de Queiroz e Marciano, só não era mais pelo vínculo trabalhista. Preocupou-se, mas sabia que entenderia. Os outros eram apenas amigos de copo, pois “amigo era coisa de criança” como dizia Barbosa. Edgar já conhecia as pretensões de Edvaldo em “tentar uma melhor sorte em São Paulo”. Edvaldo pensava em tornar-se um metalúrgico. Entendia que “metalúrgico em São Paulo era respeitado”. No entanto, o mais próximo disso era a experiência com o desmonte de carcaças de caminhão. A outra experiência era apenas afetiva: passear na F-350 de Salustiano, ir à Arembepe e aos terreiros de Candomblé na Itinga e Beiru com o pai. Ele se sentiu como um cavalo velho carregando um fardo muito pesado e rodando e