Ao chegar a clínica anexa ao São Paulo, o horário de visitas começara quinze minutos antes, teve uma grata surpresa, pois no salão de visitas, já estavam sentados conversando Marciano, Queiroz e o ex-padre que já aceitara a alcunha de Quevedo.
Seu amigo estava fumando, muito animado enquanto Edvaldo abraçava o Irmão Marciano que há muito tempo não via. Ouviu o cearense dizer, aparentemente, entre o delirante e o meio irônico “é um gênio, esse padre Quevedo é um gênio”, e Edvaldo quis dizer, que não o chamasse assim, e também, querendo ouvir o que o tal ex-padre estava resmungando baixinho.
Foi surpreendido por Queiroz em uma de suas brincadeiras que julgava “desconcertantes”. O cearense dava um toque leve com a parte externa dos três dedos maiores na sua genitália acompanhado de um bordão “tá usando cueca caba?” Edvaldo respondeu com um muxoxo e com um “tá gaiato ele, hein?” como forma de reconhecimento de que saíra da crise.
Queiroz voltou à conversa com o
Queiroz transmitia paz e, mesmo com suas pilhérias, muitos gostavam dele. Carnaval Moreira era um dos que gostava de estar na porta do bar por causa do cearense, gostasse de ouvir suas conversas e pilherias insistentes. Oliveira não via a presença de Carnaval com bons olhos, bons ouvidos e bom nariz; chamava Moreira de maconheiro e maluco desde o dia em que soube que ele espalhou em todo Santo Antônio que Oliveira visitava sua esposa três vezes à noite já com quase quarenta anos de casados. Edvaldo desconfiava que Moreira estava sentindo falta do cearense e queria ter certeza que podia contar com ele. Ele queria a presença de Moreira, menos por ele e por Queiroz e mais por Samara. Edvaldo queria que ela entendesse que não estavam desamparados, ela e o pai. Sentia-se confuso com as esquisitices dela, mas também devedor aos dois, pois eles chegaram num momento também de muita confusão na sua vida. Fugiu de uma confusão e foi buscar abrigo naquela família acreditando que poder
Por essa Edvaldo não esperava. Samara estava sentada no chão do corredor, ao lado da porta, à sua espera. Quando a viu, ainda das escadas perdeu o equilíbrio como se os degraus houvessem caído sob seus pés; segurou-se nas paredes. Ele que se acostumou a falar muito pouco com vizinhos observava o apartamento da vizinha que estava com a porta entreaberta. — O que você tá fazendo aqui? Eu não disse que é perigoso… descer essa ladeira essa hora… subir também é perigoso – disse em tom baixo quando percebeu alguém passando por trás da porta. Foi nesse momento que percebeu que ela trazia uma cabeça de frade na mão: — Olha, Edvaldo, que trouxe! Sua vizinha disse que isso é bom pra expulsar olho grande da casa da gente. Abriu a porta rápido e sem acender a lâmpada, colocou na estante, tateando um lugar para não cair o cacto. Disse baixo “vamos, vamos!” Ele de pé no primeiro degrau, descendo, disse em mais alto “vumbora” e fazia gestos vigorosos com u
Edvaldo tivera um sonho significativo, mas o qual não sabia o significado. Estava na biblioteca de Samara quando encontrara uma folha de papel muito envelhecida, ao olhar fixamente para ela havia percebido que fora transportado para uma duna diferente das de areias brancas do Abaeté. Sentia que havia andado por horas e, mesmo com o Sol queimando-lhe a parte descoberta do rosto, não estava exausto ou muito suado. Repentinamente uma enorme duna se ergueu a sua frente; ele subiu sem resistência. Quando chegou ao topo avistou algo que parecia um amontoado de enormes blocos de pedra. Curioso, decidiu seguir naquela direção. Ainda no caminho foi possível perceber que se tratava de uma construção, aproximou-se ainda mais. Bem mais próximo percebeu formas humanas; neste momento parou e escutou o vento cantando algo do fundo da garganta. Resolveu continuar. Muito mais perto, percebeu, como efeito do ângulo de aproximação, uma pedra enorme caída ao lado da ruína e duas construções que certame
No dia de visitas, Edvaldo esperou Carnaval Moreira na entrada do complexo, temendo que o guarda o conhecesse de suas andanças nas proximidades e não o deixasse entrar. Moreira era imprevisível e surpreendeu Edvaldo dizendo “caramba Baiaco, relógio suíço o seu”. “Foi buscar o Baiaco longe, hein?”. Realmente Moreira apitou jogos do Alto do Cean e a torcida conhecia Edvaldo por Baiaco; era o que gritavam. Entraram e, para surpresa dele, Marciano estava por lá. Estava certo de, a partir daquela última tarde, estar lá para visitar Queiroz e também o ex-padre, pois havia gostado de algo na conversa. Entendiam que, diferente da máxima que diz “religião não se discute”, poderiam aprender um com o outro por esse caminho. Queiroz se agradou quando viu Carnaval Moreira, mas sem muita conversa apertou-lhe a mão e foi pegar uma cadeira para ele. Como o padre não recebia visitas, Moreira entrou fingindo ser parente dele, pois havia um limite quanto ao número de pessoas. A recep
Edgar, poderia ter sido seu terceiro melhor amigo, mas era chefe. Chefe nunca é amigo de ninguém. Carnaval Moreira costumava dizer o que havia ouvido em outro boteco “chefe é amigo do dinheiro e escravo do seu trabalho”. Apesar dos pesares, Edgar era, para ele, o terceiro na lista, depois de Queiroz e Marciano, só não era mais pelo vínculo trabalhista. Preocupou-se, mas sabia que entenderia. Os outros eram apenas amigos de copo, pois “amigo era coisa de criança” como dizia Barbosa. Edgar já conhecia as pretensões de Edvaldo em “tentar uma melhor sorte em São Paulo”. Edvaldo pensava em tornar-se um metalúrgico. Entendia que “metalúrgico em São Paulo era respeitado”. No entanto, o mais próximo disso era a experiência com o desmonte de carcaças de caminhão. A outra experiência era apenas afetiva: passear na F-350 de Salustiano, ir à Arembepe e aos terreiros de Candomblé na Itinga e Beiru com o pai. Ele se sentiu como um cavalo velho carregando um fardo muito pesado e rodando e
Como ele previu, todos estavam lá. Além dos dois internados, Queiroz e o ex-padre, estavam Marciano e Carnaval Moreira. Para este último, a internação do Cearense foi como “sopa no mel”, pois tinha a receptividade que não tinha no bar do Oliveira, podia ficar sentado ao lado deles, sem nenhuma preocupação por duas horas. Queiroz em outro canto estava recebendo visitas indesejáveis como efeito ou fenômeno das substâncias que se propunham afastar as horas alucinadas, aproximava todo um zoológico dos seres mais inimagináveis. — Chegou em boa hora, acabaram de levar os meus bichinhos. Edvaldo não entendeu e não se preocupou em entender, caminhou com o amigo até o grupo. Queiroz mudou totalmente o assunto, mas nem Edvaldo nem ninguém poderia duvidar ou se incomodar com as tiradas do amigo: — Você sabia que o banheiro é o melhor lugar de uma casa? As pessoas não dão menor valor. Acham que é na sala a realização da casa, porque tem sofá, tem a televisão. Ou
Samara chegou e a conversa mudou. Marciano conseguiu chamar o padre para outra, de sua preferência.Edvaldo e Samara não transpareciam nada e Queiroz o denunciou: “tá sabendo da história de Edvaldo? Diz que viaja por esses dias a São Paulo. Óia só, como se fosse alí em Alagoinhas. Algo de voltar em dois dias, ou um pouco mais.” Ela nem mudou sua expressão e Edvaldo sentiu alívio.A conversa entre Marciano e o ex-padre continuava fora do alcance dos outros.Edvaldo procurou o médico naquela tarde, para saber qual seria a previsão de alta, sentia que ele estava bem, como de costume. Mas o médico disse “sem previsão”. Edvaldo saiu sem chamar a atenção de todos, evitou mais uma vez Samara. Iria ao Engenho Velho falar com os pais. Samara pareceu uma outra pessoa ali sentada com o pai. Estavam travando uma conversa de modo que Edvaldo pode escapar por fora do ângulo de visão de Queiroz e de um giro de cabeça de Samara. Quando ele saiu, ela parecia estar de
Chegou no Engenho Velho, era noite escura. Parou na entrada do bairro e tomou duas cervejas, sentiu que não estava pronto para encarar o pai novamente, com as duas, tomou mais duas. E mais duas e, por fim, mais uma. Com as sete cervejas filtrando seus ânimos continuou. Para ele, quanto mais tarde melhor seria para não ver alguém conhecido. Seus amigos de infância alcançaram, no máximo, sua adolescência, as chances de vê-los era mínima. Ele guardava esse temor de ver Neto, um dos provocadores da Polícia do Exército, que havia se engajado no próprio Exército brasileiro e era oficial. Certamente “nem lembrava de Brotas, quanto mais Engenho Velho”, pensava. Mas o medo era o combustível de Edvaldo, seu ego, sua armadura furada por onde escoava a bebida. Também não desejava ver Salustiano e quando chegou em casa, sabia que apenas Jerusa estava acordada. Quando entrou, evitou beijá-la ou abraçá-la, mas, mesmo com certa distância, sentiu seu hálito alcoolizado. Ele perguntou