Edgar, poderia ter sido seu terceiro melhor amigo, mas era chefe. Chefe nunca é amigo de ninguém. Carnaval Moreira costumava dizer o que havia ouvido em outro boteco “chefe é amigo do dinheiro e escravo do seu trabalho”. Apesar dos pesares, Edgar era, para ele, o terceiro na lista, depois de Queiroz e Marciano, só não era mais pelo vínculo trabalhista. Preocupou-se, mas sabia que entenderia. Os outros eram apenas amigos de copo, pois “amigo era coisa de criança” como dizia Barbosa. Edgar já conhecia as pretensões de Edvaldo em “tentar uma melhor sorte em São Paulo”. Edvaldo pensava em tornar-se um metalúrgico. Entendia que “metalúrgico em São Paulo era respeitado”. No entanto, o mais próximo disso era a experiência com o desmonte de carcaças de caminhão. A outra experiência era apenas afetiva: passear na F-350 de Salustiano, ir à Arembepe e aos terreiros de Candomblé na Itinga e Beiru com o pai.
Ele se sentiu como um cavalo velho carregando um fardo muito pesado e rodando e
Como ele previu, todos estavam lá. Além dos dois internados, Queiroz e o ex-padre, estavam Marciano e Carnaval Moreira. Para este último, a internação do Cearense foi como “sopa no mel”, pois tinha a receptividade que não tinha no bar do Oliveira, podia ficar sentado ao lado deles, sem nenhuma preocupação por duas horas. Queiroz em outro canto estava recebendo visitas indesejáveis como efeito ou fenômeno das substâncias que se propunham afastar as horas alucinadas, aproximava todo um zoológico dos seres mais inimagináveis. — Chegou em boa hora, acabaram de levar os meus bichinhos. Edvaldo não entendeu e não se preocupou em entender, caminhou com o amigo até o grupo. Queiroz mudou totalmente o assunto, mas nem Edvaldo nem ninguém poderia duvidar ou se incomodar com as tiradas do amigo: — Você sabia que o banheiro é o melhor lugar de uma casa? As pessoas não dão menor valor. Acham que é na sala a realização da casa, porque tem sofá, tem a televisão. Ou
Samara chegou e a conversa mudou. Marciano conseguiu chamar o padre para outra, de sua preferência.Edvaldo e Samara não transpareciam nada e Queiroz o denunciou: “tá sabendo da história de Edvaldo? Diz que viaja por esses dias a São Paulo. Óia só, como se fosse alí em Alagoinhas. Algo de voltar em dois dias, ou um pouco mais.” Ela nem mudou sua expressão e Edvaldo sentiu alívio.A conversa entre Marciano e o ex-padre continuava fora do alcance dos outros.Edvaldo procurou o médico naquela tarde, para saber qual seria a previsão de alta, sentia que ele estava bem, como de costume. Mas o médico disse “sem previsão”. Edvaldo saiu sem chamar a atenção de todos, evitou mais uma vez Samara. Iria ao Engenho Velho falar com os pais. Samara pareceu uma outra pessoa ali sentada com o pai. Estavam travando uma conversa de modo que Edvaldo pode escapar por fora do ângulo de visão de Queiroz e de um giro de cabeça de Samara. Quando ele saiu, ela parecia estar de
Chegou no Engenho Velho, era noite escura. Parou na entrada do bairro e tomou duas cervejas, sentiu que não estava pronto para encarar o pai novamente, com as duas, tomou mais duas. E mais duas e, por fim, mais uma. Com as sete cervejas filtrando seus ânimos continuou. Para ele, quanto mais tarde melhor seria para não ver alguém conhecido. Seus amigos de infância alcançaram, no máximo, sua adolescência, as chances de vê-los era mínima. Ele guardava esse temor de ver Neto, um dos provocadores da Polícia do Exército, que havia se engajado no próprio Exército brasileiro e era oficial. Certamente “nem lembrava de Brotas, quanto mais Engenho Velho”, pensava. Mas o medo era o combustível de Edvaldo, seu ego, sua armadura furada por onde escoava a bebida. Também não desejava ver Salustiano e quando chegou em casa, sabia que apenas Jerusa estava acordada. Quando entrou, evitou beijá-la ou abraçá-la, mas, mesmo com certa distância, sentiu seu hálito alcoolizado. Ele perguntou
Nessa noite não demorou dormir, mas havia se arrependido de não ter tomado algum remédio para prevenir ressaca. Pela manhã, quando acordou, parecia ter dormido por dois minutos, sem lembrar de nenhum sonho ou como adormeceu. Estava disposto e decidido a viajar, logo que recebesse a indenização. Iria à Baixa de Quintas e ligaria do escritório para a empresa em São Paulo. Desceu os nove andares do prédio que morava, se sentindo leve e livre. Uma sensação de imensidão, de controle e de capacidade. A entrevista de emprego; a recuperação, no seu entendimento, de Queiroz; o reaparecimento de Marciano e Samara… Samara estava no último lance de escada esperando por ele. Quando, ao dobrar o último corredor, junto com o facho de luz do sol refletido, veio a imagem dela olhando aflita. Ele pensou estar bem, mas ao vê-la alí a sua espera, sentiu o prédio caindo nas suas cabeças. Depois de uma pausa, se aproximou, pegou um dos seus braços e a conduziu. Atravessaram a rua
Chovia fino, uma chuva ardida e pegajosa, daquelas que cada pingo tinha um pouco de poluição. Chuva suja, grudava em tudo. Só não era pior que o frio, que penetrava tudo por causa da chuva. A poluição que entupia os brônquios forçava entrada pelos poros e o frio ia penetrando com a chuva que o diluia; parece que penetrava nos lugares mais fundos. Um frio que pesava, abatia os ânimos. Esses elementos convivendo naquela madrugada paulistana. Era possível desconfiar dos termômetros ou era a familiaridade com o calor. A opinião de Edvaldo era que eles deveriam ter desistido e mandando a baronesa trocar os canos de esgoto de sua mansão. Mas Juraci era daqueles que não se dispõe alternativas. Comiam uma bengala de pão francês assada na chama de uma das bocas do fogão, era o que faltava para irem atender a missão na Zona Sul da cidade. Seu Teófilo, o dono da empresa de bombeiros hidráulicos em que trabalhava Juraci, havia ligado e solicitado seus serviços. A empreitada deveria aco
**************** Nem Edvaldo conseguia escapar da loucura se tornando rotina, daquele trabalho cujas surpresas eram uma constante, mas o que dizer se todas as surpresas terminavam numa privada? Os dias não eram repetitivos, mas eram “recortados” e ele não conseguiria se lembrar de tudo que acontecia, principalmente quando o que acontecia terminava como algo que entope uma latrina. Havia nisso uma falta. A rotina sofreu alguma mudança, com mais tempo e experiência Edvaldo passou a trabalhar com Douglas, ele dirigia e o colega assumiu seu lugar como auxiliar. Os colegas chamavam de dupla “café com leite”. Mas não era nesse tipo de movimento que Edvaldo estava preocupado, ele notara que Judith passou a observá-los quando chegavam das diligências e enquanto guardavam os equipamentos. Ele não conseguia distinguir para quem Judith olhava. “A Dona Judith não parecia estar apenas viciada no cafezinho”. Depois do cafezinho havia um sorriso como se ela houves
Era fim de tarde, Juraci conduzia a caminhonete, ele conhecia muito bem a Dutra e tinha alguma noção de como chegar ao bairro onde morava Roberto: “Segue pela Avenida Brasil”. Edvaldo acordou a tempo de ver a rodovia atravessando as comunidades ou as comunidades que cresceram ao longo da rodovia. Era a desembocadura da artéria econômica que ligava um coração ao outro. O cenário lembrou Salvador. Eles pararam em um pequeno restaurante entre a rodovia e uma comunidade nascente: — Preciso ligar pra Miguel Preto pra saber como posso encontrar Roberto, esqueci de perguntar por alguma referência. Do lado de fora do restaurante havia um telefone público e uma fila, Edvaldo tinha algumas fichas compradas no caixa: Alô, posso falar com o Dr. Miguel Preto? A conversa segue com Edvaldo explicando para Miguel Preto que havia chegado ao Rio e precisava de mais informações ou alguma referência: — Procura pelo senhor Eremidío dos Anjos Fumego! Roberto trabal
Edvaldo chegou sem muito alarde e teve uma recepção não muito calorosa. Encontrou Queiroz novamente em crise, estava atordoado numa confusão motora sem fim. Sem saber se sentava, se iria para lado ou para o outro, os braços balançando como se estivessem soltos. Samara o acompanhava com os olhos, calada, com semblante gélido, e olhos miúdos. Samara pediu várias vezes para sentar até desistir. Ela definitivamente perdera o jeito de menina e amadureceu muito em alguns poucos anos: — Painho, isso não é queijo no baião – era sabão, mas ela não contou, apenas riu vigorosamente. Depois olhou para Edvaldo e disse: — Vou querer saber de tudo das suas aventuras, eu estou querendo ir nas férias, mas quero saber primeiro dessa cabecinha o que pensa. Perdeu a motivação da vida? Tá aposentado? A gente pode inventar e tentar ser feliz de novo. Edvaldo tinha um ressentimento com ela que tentava equilibrar com a profunda admiração por Queiroz. Talvez porque ele n