Nessa noite não demorou dormir, mas havia se arrependido de não ter tomado algum remédio para prevenir ressaca. Pela manhã, quando acordou, parecia ter dormido por dois minutos, sem lembrar de nenhum sonho ou como adormeceu. Estava disposto e decidido a viajar, logo que recebesse a indenização. Iria à Baixa de Quintas e ligaria do escritório para a empresa em São Paulo.
Desceu os nove andares do prédio que morava, se sentindo leve e livre. Uma sensação de imensidão, de controle e de capacidade. A entrevista de emprego; a recuperação, no seu entendimento, de Queiroz; o reaparecimento de Marciano e Samara…
Samara estava no último lance de escada esperando por ele. Quando, ao dobrar o último corredor, junto com o facho de luz do sol refletido, veio a imagem dela olhando aflita. Ele pensou estar bem, mas ao vê-la alí a sua espera, sentiu o prédio caindo nas suas cabeças.
Depois de uma pausa, se aproximou, pegou um dos seus braços e a conduziu. Atravessaram a rua
Chovia fino, uma chuva ardida e pegajosa, daquelas que cada pingo tinha um pouco de poluição. Chuva suja, grudava em tudo. Só não era pior que o frio, que penetrava tudo por causa da chuva. A poluição que entupia os brônquios forçava entrada pelos poros e o frio ia penetrando com a chuva que o diluia; parece que penetrava nos lugares mais fundos. Um frio que pesava, abatia os ânimos. Esses elementos convivendo naquela madrugada paulistana. Era possível desconfiar dos termômetros ou era a familiaridade com o calor. A opinião de Edvaldo era que eles deveriam ter desistido e mandando a baronesa trocar os canos de esgoto de sua mansão. Mas Juraci era daqueles que não se dispõe alternativas. Comiam uma bengala de pão francês assada na chama de uma das bocas do fogão, era o que faltava para irem atender a missão na Zona Sul da cidade. Seu Teófilo, o dono da empresa de bombeiros hidráulicos em que trabalhava Juraci, havia ligado e solicitado seus serviços. A empreitada deveria aco
**************** Nem Edvaldo conseguia escapar da loucura se tornando rotina, daquele trabalho cujas surpresas eram uma constante, mas o que dizer se todas as surpresas terminavam numa privada? Os dias não eram repetitivos, mas eram “recortados” e ele não conseguiria se lembrar de tudo que acontecia, principalmente quando o que acontecia terminava como algo que entope uma latrina. Havia nisso uma falta. A rotina sofreu alguma mudança, com mais tempo e experiência Edvaldo passou a trabalhar com Douglas, ele dirigia e o colega assumiu seu lugar como auxiliar. Os colegas chamavam de dupla “café com leite”. Mas não era nesse tipo de movimento que Edvaldo estava preocupado, ele notara que Judith passou a observá-los quando chegavam das diligências e enquanto guardavam os equipamentos. Ele não conseguia distinguir para quem Judith olhava. “A Dona Judith não parecia estar apenas viciada no cafezinho”. Depois do cafezinho havia um sorriso como se ela houves
Era fim de tarde, Juraci conduzia a caminhonete, ele conhecia muito bem a Dutra e tinha alguma noção de como chegar ao bairro onde morava Roberto: “Segue pela Avenida Brasil”. Edvaldo acordou a tempo de ver a rodovia atravessando as comunidades ou as comunidades que cresceram ao longo da rodovia. Era a desembocadura da artéria econômica que ligava um coração ao outro. O cenário lembrou Salvador. Eles pararam em um pequeno restaurante entre a rodovia e uma comunidade nascente: — Preciso ligar pra Miguel Preto pra saber como posso encontrar Roberto, esqueci de perguntar por alguma referência. Do lado de fora do restaurante havia um telefone público e uma fila, Edvaldo tinha algumas fichas compradas no caixa: Alô, posso falar com o Dr. Miguel Preto? A conversa segue com Edvaldo explicando para Miguel Preto que havia chegado ao Rio e precisava de mais informações ou alguma referência: — Procura pelo senhor Eremidío dos Anjos Fumego! Roberto trabal
Edvaldo chegou sem muito alarde e teve uma recepção não muito calorosa. Encontrou Queiroz novamente em crise, estava atordoado numa confusão motora sem fim. Sem saber se sentava, se iria para lado ou para o outro, os braços balançando como se estivessem soltos. Samara o acompanhava com os olhos, calada, com semblante gélido, e olhos miúdos. Samara pediu várias vezes para sentar até desistir. Ela definitivamente perdera o jeito de menina e amadureceu muito em alguns poucos anos: — Painho, isso não é queijo no baião – era sabão, mas ela não contou, apenas riu vigorosamente. Depois olhou para Edvaldo e disse: — Vou querer saber de tudo das suas aventuras, eu estou querendo ir nas férias, mas quero saber primeiro dessa cabecinha o que pensa. Perdeu a motivação da vida? Tá aposentado? A gente pode inventar e tentar ser feliz de novo. Edvaldo tinha um ressentimento com ela que tentava equilibrar com a profunda admiração por Queiroz. Talvez porque ele n
Samara tentava fazer Queiroz vestir seu pijama. Ele, no entanto, queria dormir nu e na sala, a parte mas arejada do apartamento: — Eu sempre dormi nu. Por que tem de inventar que tenho de dormir de pijama? — É que você inventou de dormir na sala. Você sabe que o povo aqui abre a porta sem bater. — E eu com isso? Viu o que não queria, basta fechar a porta. — Outra coisa... — Que foi? – interrompeu sentido que a bronca estava engasgada. — Quis se mostrar na frente de Henry, não foi? Você não fale de Oscar dessa maneira, bicho velho! O que o senhor pensa pra chamar ele assim? A gente já não conversou sobre isso? Ela estava enfrentando Queiroz, pois sabia que ele não poderia ajudá-la. Samara estava mesmo cansada e logo que o pai deitou ela entrou em seu quarto e desmoronou sobre a cama sufocando o pranto com o travesseiro. Queiroz, ainda uma vez mais foi ao seu encontro, e batendo na porta perguntava “minha fia tá bem?”
Finalmente Edvaldo reencontraria com sua mãe e poderia passar algum tempo uma noite, uma manhã toda, diferente dos encontros furtivos, mas isso dependeria de como Salustiano o receberia. No dia seguinte passaria a tarde com Queiroz, na consulta com o novo médico indicado pelo professor-namorado de Samara. Salustiano teria mudado, arrefecido a mágoa? Edvaldo poderia apenas responder por si e por sua fé, o resto era com Deus. Do contrário seria com o tempo, ou com a morte de um dos dois. Pensava que se não pudesse apaziguar com a pessoa, que fosse com a memória. Não era para tanto, ele tinha sua fé e Deus olhava por ele e por Salustiano, tinha certeza. Estava temeroso, mas sua vontade de estar com os dois prevaleceu: –Mainhaaa? Apareceu esfuziante, mas poucos segundos depois se conteve, como se não os houvesse deixado. Pensou que ela não poderia recebê-lo melhor, ele sabia do seu jeito. Salustiano saiu sem dizer para onde iria e por eles não o viram.
Samara ligou no final da manhã, era certo que Edvaldo a acompanharia e a Queiroz durante a consulta com o amigo do Oscar. Ela precisava de um momento com Edvaldo. Ela chegou pontualmente, mesmo com Ceará bastante agitado. Ela havia ensaiado a manhã toda, acreditava que poderia contar com ele para afastar o professor de suas intenções, precisava terminar o estágio. Ele entrou no carro por uma das portas de trás, foi abraçando Ceará e cumprimentou Samara friamente: — Oi, tá tudo bem, né? – perguntou mesmo com toda dificuldade em abraçar Queiroz. Ela balançou a cabeça singularmente, não era um não, nem um sim, parecia que procurava a mosca da sensatez que insistia em não pousar em nenhum ombro. Eles seguiram calados, apenas Queiroz conversava consigo e talvez todo aquele monólogo de sabedoria inconsciente fosse suficiente para manter o que seria insustentável. — Pronto, chegamos – falou e olhou para eles como se quisesse marcar uma deix
Edvaldo sentira muita saudade de algumas de suas "traquinagens" de infância, escolheu uma entre as muitas que lhe satisfazia muito e decidiu ir à Boa Vista de Brotas comprar pão espaguete. Queria lembrar dos momentos em que, na volta da padaria, comia o pão recém saído do forno ou "vara de pão donzelo" como costumavam chamar. Era um desses pães pelo tempo exato do caminho de casa. Trouxe ainda mais cinco pãezinhos de milho para Jerusa. Ao chegar em casa ficou triste consigo por não ter levado nada para o pai, não tinha esse costume. Mas ela não conseguiu demonstrar gratidão, Jerusa estava aflita: — Seu pai não voltou... — Como foi, mainha? — Procurei ele por tudo quanto foi rua e viela. Edvaldo saiu novamente sem falar nada e sem avisar e ela entendeu perfeitamente, pois eram almas gêmeas e tinham uma espécie de comunicação etérea. Ao sair um taxi estava passando pela rua, por providência divina ou por alguma antecipação telepát