Edvaldo chegou sem muito alarde e teve uma recepção não muito calorosa. Encontrou Queiroz novamente em crise, estava atordoado numa confusão motora sem fim. Sem saber se sentava, se iria para lado ou para o outro, os braços balançando como se estivessem soltos. Samara o acompanhava com os olhos, calada, com semblante gélido, e olhos miúdos. Samara pediu várias vezes para sentar até desistir. Ela definitivamente perdera o jeito de menina e amadureceu muito em alguns poucos anos:
— Painho, isso não é queijo no baião – era sabão, mas ela não contou, apenas riu vigorosamente.
Depois olhou para Edvaldo e disse:
— Vou querer saber de tudo das suas aventuras, eu estou querendo ir nas férias, mas quero saber primeiro dessa cabecinha o que pensa. Perdeu a motivação da vida? Tá aposentado? A gente pode inventar e tentar ser feliz de novo.
Edvaldo tinha um ressentimento com ela que tentava equilibrar com a profunda admiração por Queiroz. Talvez porque ele n
Samara tentava fazer Queiroz vestir seu pijama. Ele, no entanto, queria dormir nu e na sala, a parte mas arejada do apartamento: — Eu sempre dormi nu. Por que tem de inventar que tenho de dormir de pijama? — É que você inventou de dormir na sala. Você sabe que o povo aqui abre a porta sem bater. — E eu com isso? Viu o que não queria, basta fechar a porta. — Outra coisa... — Que foi? – interrompeu sentido que a bronca estava engasgada. — Quis se mostrar na frente de Henry, não foi? Você não fale de Oscar dessa maneira, bicho velho! O que o senhor pensa pra chamar ele assim? A gente já não conversou sobre isso? Ela estava enfrentando Queiroz, pois sabia que ele não poderia ajudá-la. Samara estava mesmo cansada e logo que o pai deitou ela entrou em seu quarto e desmoronou sobre a cama sufocando o pranto com o travesseiro. Queiroz, ainda uma vez mais foi ao seu encontro, e batendo na porta perguntava “minha fia tá bem?”
Finalmente Edvaldo reencontraria com sua mãe e poderia passar algum tempo uma noite, uma manhã toda, diferente dos encontros furtivos, mas isso dependeria de como Salustiano o receberia. No dia seguinte passaria a tarde com Queiroz, na consulta com o novo médico indicado pelo professor-namorado de Samara. Salustiano teria mudado, arrefecido a mágoa? Edvaldo poderia apenas responder por si e por sua fé, o resto era com Deus. Do contrário seria com o tempo, ou com a morte de um dos dois. Pensava que se não pudesse apaziguar com a pessoa, que fosse com a memória. Não era para tanto, ele tinha sua fé e Deus olhava por ele e por Salustiano, tinha certeza. Estava temeroso, mas sua vontade de estar com os dois prevaleceu: –Mainhaaa? Apareceu esfuziante, mas poucos segundos depois se conteve, como se não os houvesse deixado. Pensou que ela não poderia recebê-lo melhor, ele sabia do seu jeito. Salustiano saiu sem dizer para onde iria e por eles não o viram.
Samara ligou no final da manhã, era certo que Edvaldo a acompanharia e a Queiroz durante a consulta com o amigo do Oscar. Ela precisava de um momento com Edvaldo. Ela chegou pontualmente, mesmo com Ceará bastante agitado. Ela havia ensaiado a manhã toda, acreditava que poderia contar com ele para afastar o professor de suas intenções, precisava terminar o estágio. Ele entrou no carro por uma das portas de trás, foi abraçando Ceará e cumprimentou Samara friamente: — Oi, tá tudo bem, né? – perguntou mesmo com toda dificuldade em abraçar Queiroz. Ela balançou a cabeça singularmente, não era um não, nem um sim, parecia que procurava a mosca da sensatez que insistia em não pousar em nenhum ombro. Eles seguiram calados, apenas Queiroz conversava consigo e talvez todo aquele monólogo de sabedoria inconsciente fosse suficiente para manter o que seria insustentável. — Pronto, chegamos – falou e olhou para eles como se quisesse marcar uma deix
Edvaldo sentira muita saudade de algumas de suas "traquinagens" de infância, escolheu uma entre as muitas que lhe satisfazia muito e decidiu ir à Boa Vista de Brotas comprar pão espaguete. Queria lembrar dos momentos em que, na volta da padaria, comia o pão recém saído do forno ou "vara de pão donzelo" como costumavam chamar. Era um desses pães pelo tempo exato do caminho de casa. Trouxe ainda mais cinco pãezinhos de milho para Jerusa. Ao chegar em casa ficou triste consigo por não ter levado nada para o pai, não tinha esse costume. Mas ela não conseguiu demonstrar gratidão, Jerusa estava aflita: — Seu pai não voltou... — Como foi, mainha? — Procurei ele por tudo quanto foi rua e viela. Edvaldo saiu novamente sem falar nada e sem avisar e ela entendeu perfeitamente, pois eram almas gêmeas e tinham uma espécie de comunicação etérea. Ao sair um taxi estava passando pela rua, por providência divina ou por alguma antecipação telepát
Após a consulta, Samara retornou para o escritório de Oscar, não havia muito movimento naquela tarde. A recepcionista pediu para que entrasse, pois Oscar não estava em audiência ou em atendimento. Era mais uma tragédia anunciada na vida de Samara: — Samara, você vai ficar mais um pouco pra compensar a liberação para a consulta. — Nã... mas isso não foi combinado. — Já disse, preciso de você aqui, um pouco mais. Você está devendo tempo e isso está dentro dos nossos acordos sim. — Eu tinha comunicado para Ivanete... — Não, aqui você não comunica nada, você atende o que está no seu contrato de estágio... – cortou para mudar o clima opressivo – Tudo bem? Como está seu pai? — Está muito melhor, seu amigo trocou a medicação, o outro médico vai implicar. — Vai nada, não se preocupe! Todo mundo sabe que ele é um dos melhores. Ela estava visivelmente indignada, mas tentava controlar as expressões. Queria insistir nos acordos informais
Ao retornar para casa, ainda entrando na rua, Samara vê Mara e seu esposo "zanzando tontamente", ela intuiu que envolvia seu pai: — O que foi que houve, Nêga? Cadê painho? – perguntou assustada. — Seu Ceará saiu desembestado em direção a Sete Portas, era metade da manhã, não lembro bem a hora, a gente saiu atrás, mas não alcançamos ele – falou Mara ofegante. — Mara, se acalme e me explique, por favor! — Disseram que viram ele passando pela praça do Conselheiro, depois viram ele indo pra o Aquidabã e só depois foi pra Sete Portas. Aí, voltando, perguntamos pra Deus e o mundo. A gente achava que ele podia ter voltando pra cá. Era difícil para Samara seguir no encalço de Queiroz, mas ela seguiria. Antes ela foi até o apartamento e buscar uma foto recente de Queiroz. Achou uma dele em frente a uma fachada com um placa de madeira onde lia-se Zanzibar Bar, era o antigo Bar do Oliveira, ele e Edvaldo com duas largas risadas. Ela gostou muito de vê-l
Chegaram em Cachoeira e Edvaldo diminuiu o quanto pode a velocidade. Samara estava encostada numa das pernas de Edvaldo. Ela acordou com um solavanco da caminhonete. Levantou em tempo de ver o rio: — Olha o Paraguaçu! Edvaldo não conhecia Cachoeira ainda e até se esqueceu que era a terra de Salustiano. Só tinha, no máximo, no Recôncavo Baiano, ido até Santo Amaro da Purificação. Samara, com oito anos tinha ido conhecer sua avó, a mãe de Edileusa, e, por isso, constatou que lembrava em parte daquela paisagem em meio aos casarões antigos que, na altura do Paço Municipal, transformavam a área da cidade em um grande Pelourinho. O asfalto estava molhado na entrada da cidade e logo depois, um pouco mais à frente, o calçamento estava também como sabão e Edvaldo diminuiu ainda mais a velocidade. A caminhonete desfilava pela margem do Paraguaçu e a busca se transformou em um passeio turístico romântico. Samara como guia do quebra-cabeças de suas rem
Após terem passado a noite na residência do tio Dionísio, o único tio materno que Samara conhecia, durante o café da manhã, ouviram um depoimento dele, que falava-lhes de maneira cadenciada e sem emoção: — Tava doidio. Meu caçula quis ir lá dar de cipó caboclo nele, mas eu não deixei. Pois é novo, mas não sei quem ele puxou brabo assim. Eu mesmo pra sair do meu sério, homem, tem que o caba aporrinhar demais. Eu dei a voz pra ele, que deixasse comigo e que fosse pra casa da vó. E assunte só que eu tenho mais filho que não é gente, mas que tá de viagem com ‘os boi' em Terra Nova. Mas seu moço; ele deu sorte. Eu também já tava perdendo a paciência, mas lembrei dessa menina e fiquei com pena. Dona senhora aí, achou que era coisa do cão, e ascendeu uma vela e foi rezar. Além do depoimento durante o café da manhã, Dionísio ainda arrastou Samara em um canto para falar de Queiroz, talvez para não ficar constrangido sobre a própria atuação e a de Queiroz: — O que dizi