Houve um tempo em que os gigantes esculpiam montanhas com as mãos nuas, as fadas dançavam em florestas de cristal, e os demônios brindavam com vinho sob a luz de duas luas. A Terra era uma tapeçaria de raças, tecida com magia e sangue. Mas o equilíbrio é frágil, e a ganância dos deuses, ainda mais.
Nas ruínas de um mundo outrora grandioso, Andrômeda observava o céu, o olhar perdido entre as estrelas. O eco da voz de Kael era longínquo, mas presente. Ela sentia o sangue escorrer entre os dedos que freneticamente pressionavam o ferimento profundo em seu ventre. — Não, não, não… mil vezes eu, mas minha Deusa, não. — A voz de Kael era um lamento desesperado. O peso da culpa apertava seu peito enquanto ele segurava Andrômeda contra si, tentando aquecer o corpo que esmorecia. — Abre os olhos, por favor… fica comigo. Não me deixa. Eu não quero… eu não consigo ficar aqui sem você. O pranto dele se misturava ao cheiro de ferro no ar. — Ela está morta, demônio. Você já destruiu a vida dela. Deixe-a ao menos morrer em paz. A voz de Azrael cortou o silêncio como uma lâmina fria. Kael ergueu o rosto, os olhos âmbar ardendo de fúria. — Por que fez isso?! Ela era uma sacerdotisa! — Ela era uma traidora. — Azrael manteve a voz firme. — Traiu sua raça para ficar ao lado de um demônio. Não há nada mais abominável. O golpe veio rápido. Kael não se defendeu. Apenas ergueu o braço, permitindo que a lâmina cortasse sua carne, e se virou para revelar sua verdadeira face. — Matou minha mulher por uma lei criada por uma velha estúpida que nem está mais viva? — Leis existem para manter a ordem. Eu não— — Eu não me importo com a ordem. Gritou kael agarrando Azrael pelo pescoço, erguendo-o do chão como se fosse um boneco. — Vai me dizer como trazer Andrômeda de volta… ou vou lhe mostrar por que os mortais temem o inferno. O olhar dourado de Kael perfurava a alma do anjo. Azrael engoliu seco, e pela primeira vez, o medo nasceu em seu peito. — Trazer And de volta? — ele arfou. — Andrômeda. — A voz de Kael era um rosnado. — E sinta-se privilegiado por poder dizer o nome dela. Vermes como você não merecem sequer pensar em algo tão puro e perfeito. — Ela não era perfeita. — Azrael sorriu com desdém. — Ninguém é. Todos têm pecados. O dela foi confiar em um demônio. Ela morreu para que as Deusas perdoassem esse erro. Kael abaixou a cabeça por um instante. O silêncio que se seguiu parecia pesar mais do que qualquer sentença. Então, ergueu o rosto. O sorriso sádico que se formou em seus lábios fez Azrael estremecer. — Está tremendo? Não se preocupe. Não vou matá-lo agora. Minha Deusa odiaria ver mais sangue derramado. Mas, para o seu bem… saia e não volte. Kael o soltou, e Azrael caiu de joelhos, sem ar. Por um momento, tudo ficou quieto. Mas com um movimento traiçoeiro, Azrael atacou pelas costas. O erro custaria sua vida. Kael desviou da lâmina com precisão brutal, agarrando o braço do anjo e torcendo-o até o estalido seco dos ossos ecoar na planície devastada. Azrael gritou, mas Kael não lhe deu tempo para reagir. Com um golpe certeiro, suas garras perfuraram o peito do traidor, atravessando-o de lado a lado. O mundo ficou em silêncio. Os olhos de Azrael se arregalaram, confusos, antes de seu corpo ceder. Kael o segurou pelo colarinho, observando o sangue manchar a terra. Quando soltou o corpo inerte no chão, percebeu que seu poder ainda pulsava descontrolado. Seu coração era um tambor de guerra. Ele poderia destruir tudo. Ele queria destruir tudo. Foi então que Agatha surgiu. Seu caminhar era calmo, hipnótico. O pecado da Gula sempre tivera um ar traiçoeiro, como se devorasse tudo sem pressa… mas de forma inevitável. Ela ergueu as mãos. A sombra que Kael projetava no chão ganhou vida, se enroscando ao redor de seu corpo como serpentes negras. Ele tentou resistir. Tentou lutar. Mas seu próprio poder… o traiu. — Não creio que queira me machucar, capitão. Kael ergueu os olhos para ela, mas não conseguiu responder. Agatha estalou os dedos. O ar antes rarefeito ficou mais leve, kael sentiu seu corpo flutuar e uma dor aguda lhe fez contorcer. Uma parte de sua alma foi arrancada. O som foi distorcido pelo véu sombrio que o envolvia. E então… tudo se apagou.Doze dias se passaram até que kael abrisse os olhos novamente, seu corpo ainda estava pesado e seus olhos demoravam a se acostumar com a luz que passava pela janela. “Se sente melhor ?" Disse Ágata colocando uma bandeja com frascos e remédios em cima do criado mudo. Kael se assustou mas não demonstrou. "Quem é você " "Tenho várias respostas, mas nenhuma delas convincentes o suficiente pra eu não parecer uma ameaça" ela sorriu, tentando tocar na faixa que protegia o ferimento dele "Não se preocupe, quando eu cheguei até você,você já estava morto capitão, se eu quisesse você morto eu só precisava deixar você lá" ele se recostou no travesseiro deixando que ela tocasse nele "Qual o seu nome?" "Me chamam de Agatha" "Agatha, por que fez isso? " " isso ?" "Por que me tirou de lá?" "Podia dizer que foi por empatia, mas nunca provei esse sabor de cerveja" "Cerveja ?" "É brincadeira" "É uma história bem longa,mas..." "Andrômeda..." interrompeu kael segurando o pulso dela "Antes que me conte s
Kael cambaleou até o quarto, sentindo o mundo girar ao seu redor. Ele estava bêbado, muito mais do que deveria estar, e o mais estranho era que Agatha, que havia bebido ainda mais que ele, parecia perfeitamente sóbria. Algo nisso o incomodava, mas seus pensamentos estavam turvos demais para se aprofundar nisso agora. Tudo o que queria era dormir. Fechar os olhos e esquecer. Quem sabe, se tivesse sorte, sonharia com Andrômeda. Mas mesmo a embriaguez não foi capaz de enganá-lo. A realidade era cruel e implacável. Andrômeda estava morta. A dor veio como uma lâmina cravada no peito, roubando seu ar. Seu corpo ficou pesado, os músculos recusando-se a obedecer, e ele desabou na porta do quarto. O chão frio contra seu rosto não trouxe nenhum alívio. Com esforço, ele se arrastou até a fechadura, forçando a porta a se abrir. O cheiro que o atingiu fez seu coração falhar uma batida. O perfume delicado flutuava pelo quarto, preenchendo cada canto. Andrômeda amava lírios. Sempre dizia q
Kael desceu do sótão, ainda com a mente ocupada pelo encontro inesperado com o tal Boldar. Ele caminhava pelo corredor em direção ao quarto quando algo fora da casa chamou sua atenção.Ao passar por uma das janelas, parou de súbito. Lá fora, uma das árvores se moveu. Não foi um balanço de vento ou o farfalhar comum das folhas. Ela realmente se moveu, deslizando pelo solo como se estivesse viva.Franziu o cenho, inclinando-se um pouco mais para observar melhor. Outra árvore repetiu o movimento, depois outra, e mais outra, como se a floresta estivesse… caminhando.Foi então que a lembrança das palavras de Agatha lhe atingiu."A casa anda em reforma."Ele piscou. Aquilo não havia sido uma metáfora. A casa realmente andava.Kael recuou um passo, dessa vez observando melhor a estrutura ao seu redor. Por fora, a casa parecia pequena, quase insignificante, mas ali dentro… ela era imensa, confortável, aconchegante de um jeito estranho. Isso exigia um nível de magia altíssimo.Ele soltou um ri
Depois de algumas horas de viagem, a quietude se tornou inevitável, e o silêncio da estrada incomodava Kael. Os galhos das árvores balançavam sob o vento, criando sombras esguias pelo caminho de terra. EraO tipo de silêncio que antecedia um problema.Kael levou a mão ao cabo da espada.— Você sente isso? — ele perguntou.— Você sente coisas demais — Ágata retrucou. — Mas sim, eu sinto.Antes que Kael pudesse responder, um estalo veio da floresta.— Emboscada — ele murmurou.O ataque veio rápido. Seis figuras encapuzadas emergiram das sombras, lâminas brilhando à luz do entardecer.— Sejam bonzinhos e deixem as bolsas, e ninguém sai ferido — um dos ladrões disse.Kael sorriu.— Eu tenho uma proposta melhor: vocês correm, e eu não quebro seus dentes.O líder riu.— Engraçadinho. Pena que sua sorte acaba aqui...O soco de Kael o atingiu antes que ele terminasse a frase. O homem caiu como um saco de batatas. O caos se instaurou.Kael se movia como um trovão, desviando de golpes e revidan
O cheiro forte e envolvente do café recém passado dominava o ambiente, despertando lentamente os sentidos de quem ainda repousava. O sol da manhã filtrava-se pelas janelas da cozinha, projetando sombras suaves sobre a madeira envelhecida da casa. As paredes de pedra e a mesa rústica de carvalho compunham o cenário onde Boldar estava, encostado no batente da porta, a xícara de barro repousando entre os dedos longos. Seus olhos vermelhos eram uma lâmina contra a penumbra—um brilho inquietante, quase melancólico. O cabelo negro escorria sobre os ombros, com uma única mecha branca destoando no topo da cabeça. Ele parecia uma obra-prima inacabada—força crua e beleza trágica em uma só figura.Kael estava sentado à mesa, o corpo inclinado para trás na cadeira, como se não tivesse um único peso no mundo. Seus olhos Âmbar eram tão cortantes quanto o fio de uma lâmina, e os músculos sob a pele marcada por cicatrizes contavam histórias que ele nunca se daria ao trabalho de narrar. Seu cabelo ca
O cheiro de terra molhada ainda impregnava o ar quando Kael, Yoran e Ágata saíram da taverna. A chuva havia transformado a estrada em um lamaçal infernal, mas quem ali tinha tempo para reclamar? Eles tinham um objetivo: chegar a Merlin e tirar Kaito da prisão antes do almoço. Poderiam enfrentar qualquer coisa, menos a fome de Ágata ao meio-dia.O caminho era longo, mas nada que os três já não estivessem acostumados. Kael seguia na frente, focado, calado como sempre. Yoran caminhava ao lado de Ágata, que ajeitava a capa, tentando ignorar o frio que insistia em se infiltrar em suas roupas.— Então… Kaito, hein? — Yoran quebrou o silêncio, lançando um olhar de canto para Ágata.Ela bufou.— O quê? Vamos ficar calados até Merlin?Ágata ergueu a sobrancelha.— Sim, me agradaria, de fato, ser agraciada pelo som inebriante do seu absoluto silêncio.Kael soltou um riso abafado, sem tirar os olhos do caminho.— Eu, hein? Que mau humor. — Disse Yoran entre dentes, ajeitando a capa.Dep
A noite já caía quando chegaram. O céu estava pintado de tons de púrpura e azul, e a brisa trazia o cheiro fresco da terra molhada. O silêncio da estrada contrastava com a bagunça que encontraram ao entrar.Kael foi o primeiro a falar:— Precisamos de quartos para todo mundo.Ágata olhou para Kaito, avaliando-o.— Você vai dividir com quem?Kaito sorriu de canto.— Se for com você, não me importo.Kael bufou.— Escolhe outro.— Ora, ora, que defensivo. — Kaito apoiou o queixo sobre a mão, olhando para os outros com curiosidade. — Então... opções?Yoran estalou a língua.— Posso dividir com outro, mas com você não.— Também não quero dividir com você — retrucou Kael.— Eu não me importo — disse Boldar, chegando com um prato de frutas nas mãos.Todos olharam para ele.— O quê? Ele me ajuda na cozinha, diferente de vocês, preguiçosos.Yoran sorriu.— E eu sou um ótimo colega de quarto.Kael cruzou os braços.— Fechado, então. Fique com meu quarto, é o segundo à esquerd
Outro impacto sacudiu a casa, dessa vez mais forte. Mas a casa não se partiria. Não era apenas uma construção de madeira e pedra, mas um refúgio mágico, resistente a qualquer ataque. Então, se estavam sentindo o impacto… quem quer que estivesse do lado de fora era forte. Forte o bastante para querer derrubar uma casa feita para suportar magias de alto escalão.— Se for uma maldita tempestade de novo, eu juro que vou… — Yoran começou, mas parou assim que abriu a porta e viu o caos do lado de fora.Kael estava encostado na mureta da varanda, olhos semicerrados, a expressão azeda de quem foi despertado à força. Ele suspirou, exausto.— Eu estava sonhando… — murmurou, esfregando o rosto. — Mas claro, alguém decide me arrancar do único lugar onde a vida ainda faz sentido.Kaito estava parado ao lado dele, com um copo de vinho ainda na mão, como se tivesse acabado de se levantar da cama sem tempo para processar nada. Mais afastada, Ágata subia as escadas do porão, segurando um livro pes