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CAPÍTULO 5: É a natureza dele

Kael desceu do sótão, ainda perdido em pensamentos sobre o encontro inesperado com Boldar. Caminhava pelo corredor rumo ao quarto quando algo do lado de fora chamou sua atenção.

Ao passar por uma das janelas, parou abruptamente. Lá fora, uma das árvores se moveu. Não foi um simples balançar de vento ou o farfalhar rotineiro das folhas. Ela deslizou pelo solo, como se estivesse viva.

Franziu o cenho, inclinando-se para enxergar melhor. Outra árvore repetiu o movimento, depois outra, e mais outra, como se a floresta inteira estivesse… caminhando.

Foi então que as palavras de Agatha ecoaram em sua mente:

"A casa anda em reforma."

Ele piscou. Aquilo não era uma metáfora. A casa realmente andava.

Kael recuou um passo, observando melhor a estrutura ao redor. Por fora, parecia pequena, quase insignificante, mas lá dentro… era imensa, confortável, aconchegante de um jeito estranho. Aquilo exigia um nível altíssimo de magia.

Ele soltou um riso curto.

— Uma maga de primeiro nível, sem dúvidas — murmurou, impressionado.

Perdeu-se naquela visão, sem perceber o tempo passar. Quando se deu conta, a tarde já caía e ele ainda estava ali, do lado de fora, fascinado pela paisagem em movimento.

— Não me diga que nunca viu uma casa encantada, Capitão.

A voz de Agatha o trouxe de volta à realidade. Ele olhou por sobre os ombros, encontrando o sorriso zombeteiro dela.

— Já vi muita coisa. Algumas te deixariam de boca aberta e o estômago revirado — respondeu com um meio sorriso. — Mas nada tão enfadonho quanto isso.

Agatha riu baixo, sacudindo a cabeça.

— Odeio interromper seu momento filosófico, mas chegaremos antes do esperado. Precisamos de suprimentos… e de algumas ervas que quero estudar antes de chegarmos a Bazzard.

Kael ergueu uma sobrancelha.

— Precisa de ajuda?

— Não.

— Então só queria avisar para eu não me assustar?

Agatha sorriu de canto.

— Exato.

Kael riu, descrente.

— Pelo visto, teremos surpresas.

— Ah, não parece tão ruim. Ouvi dizer que você odeia a monotonia.

— É, o tédio é entediante.

Ambos riram enquanto seguiam para a aldeia.

A tarde estava calma demais para um dia de viagem. Kael parou em uma tenda e admirou um bracelete de ouro que lhe chamou a atenção.

Ao seu lado, Agatha girava um pequeno frasco entre os dedos, observando o líquido arroxeado dentro sem muita atenção. Mas Kael sabia que ela estava ouvindo.

— Tá vendo aquilo? — Ele inclinou a cabeça em direção à praça, colocando o bracelete de volta.

Agatha ergueu os olhos, seguindo seu olhar.

O centro da aldeia estava movimentado demais. Pessoas gritavam, apontavam, seguravam ferramentas como se fossem armas. No meio da confusão, uma carroça velha e um monte de correntes brilhavam à luz do sol. Algo se movia dentro dela.

Kael não precisou de muito para entender: aquilo não era uma simples reunião. Era uma caçada.

— Eu sabia que íamos nos meter em encrenca — Agatha suspirou.

— Talvez seja um daqueles torneios humanos em que o vencedor ganha cerveja de graça — Kael disse, animado.

Agatha revirou os olhos, mas o seguiu.

Eles vieram buscar suprimentos, mas agora tinham outro problema para resolver.

À medida que se aproximavam, as vozes ficavam mais nítidas.

— …já sumiram três ovelhas! — gritou um homem mais velho, o rosto vermelho de raiva.

— E atacaram mercadores na estrada! — outra voz se juntou.

— Essa coisa é um demônio, tem que morrer!

Kael estreitou os olhos. No centro da carroça, acorrentado, um lobo arfava. Seu pelo escuro estava sujo de lama e havia sangue seco em uma das patas dianteiras.

Os aldeões estavam com medo. E medo sempre virava violência.

Kael já tinha visto isso antes. Humanos não precisavam de muito para justificar uma execução.

— Isso está errado — ele murmurou, mais para si do que para Agatha.

Mas Agatha já sabia.

A multidão estava prestes a agir. E Kael não ia deixar.

— Creio que chegaremos atrasados em Bazzard — Kael murmurou.

— Isso não é novidade. Não se meta em encrenca, Capitão.

Kael apenas lançou um olhar divertido para ela antes de avançar. A praça estava tomada pelo burburinho dos aldeões. No centro, o lobo arfava, preso às correntes, enquanto um grupo de homens discutia seu destino.

Kael respirou fundo e se aproximou.

— O que está acontecendo aqui?

Os aldeões se voltaram para ele, avaliando-o com desconfiança.

— Esse monstro trouxe azar para a vila! — um deles vociferou. — Desde que apareceu, tudo desandou!

— Maldito monstro! — Um homem ergueu uma lança. — Vamos acabar logo com isso!

— Espera! — A voz infantil veio de um canto. Um garoto magro se agarrou à saia da mãe. — Ele não fez nada de errado!

— Silêncio, Milo! — A mulher o puxou para trás.

— Quem é você?

— Alguém que quer entender o que está acontecendo.

Os murmúrios cresceram, mas o líder dos aldeões — um homem robusto, de barba grisalha e feições marcadas pelo tempo — deu um passo à frente.

— Esse lobo tem assombrado nossa vila. Desde que apareceu, nossos animais sumiram, as plantações murcharam.

Kael desviou o olhar para o animal. Mesmo cercado e ferido, ele não demonstrava agressividade. Apenas medo.

— Ele atacou alguém?

O líder hesitou.

— Não… Mas ficou rondando as casas. Isso é o bastante.

— Bastante pra quê? Para matá-lo sem motivo? — Kael cruzou os braços.

— E se ele estiver amaldiçoado?

Kael suspirou.

— Vocês são sempre assim? Ou só quando estão com medo?

A provocação causou um rebuliço. Alguns aldeões franziram o cenho, outros desviaram o olhar. Kael já conhecia essa reação.

— Ele é um lobo. A natureza dele é caçar.

— E qual é a natureza de um humano? Não se julga ninguém por sua natureza. Ninguém escolhe como nasce.

Ele respirou fundo e propôs:

— Me deem três dias. Se nada melhorar, eu mesmo mato o lobo.

Abaixou-se à altura do animal, que rosnou baixo. Kael apenas estendeu a mão, sem tocá-lo. O lobo o observou, farejando o ar.

— Ele está assustado. Não é uma fera sanguinária.

Os aldeões trocaram olhares. O líder suspirou.

— Três dias. Mas se algo acontecer, a culpa será sua. E você morrerá com ele.

Kael assentiu.

Quando as correntes foram soltas, o lobo disparou para a floresta.

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