O cheiro forte e envolvente do café recém passado dominava o ambiente, despertando lentamente os sentidos de quem ainda repousava. O sol da manhã filtrava-se pelas janelas da cozinha, projetando sombras suaves sobre a madeira envelhecida da casa. As paredes de pedra e a mesa rústica de carvalho compunham o cenário onde Boldar estava, encostado no batente da porta, a xícara de barro repousando entre os dedos longos. Seus olhos vermelhos eram uma lâmina contra a penumbra—um brilho inquietante, quase melancólico. O cabelo negro escorria sobre os ombros, com uma única mecha branca destoando no topo da cabeça. Ele parecia uma obra-prima inacabada—força crua e beleza trágica em uma só figura.
Kael estava sentado à mesa, o corpo inclinado para trás na cadeira, como se não tivesse um único peso no mundo. Seus olhos Âmbar eram tão cortantes quanto o fio de uma lâmina, e os músculos sob a pele marcada por cicatrizes contavam histórias que ele nunca se daria ao trabalho de narrar. Seu cabelo castanho estava bagunçado, caindo de forma preguiçosa sobre a testa. Havia algo no jeito como ele se movia—letal, despreocupado, mas sempre pronto para explodir em violência. Yohan, por outro lado, parecia se divertir com tudo aquilo. Alto, esguio, mas com músculos firmes esculpidos pelo hábito de estar sempre em movimento. Seu cabelo escuro caía em ondas suaves até os ombros, preso de qualquer jeito, como se ele nunca tivesse paciência para cuidar da própria aparência. O sorriso era sempre um convite ao perigo—preguiçoso, quase provocativo, mas com um brilho de astúcia que deixava qualquer um em alerta. Ágata os observou de braços cruzados, franzindo o cenho. — São três homens e eu sou uma mulher… e tá todo mundo sem camisa? Kael ergueu uma sobrancelha, sem pressa alguma para cobrir o peito nu. — Dormimos assim. Yohan sorriu. — Se quiser tirar a sua também, ninguém aqui vai reclamar. A resposta veio na forma de um pedaço de pão arremessado em sua direção. — Idiota. Boldar riu baixinho. — Vocês são impossíveis. Eles se alimentaram sem pressa. Quando terminaram, Yohan perguntou: — Alguma pista sobre onde encontrar o próximo Pecado? Ágata bebeu o último gole do café antes de responder: — A cidade de Merlin. Kael cruzou os braços. —Ajudaria muito, se tivesse um pouco mais que nome ou raça deles não é? —é, mas seria muito fácil, e você odeia monotonia – Yoram sorriu com desdém. — E onde vamos conseguir informações sobre ele? —Não seja pessimista cara, pode ser ela –disse Yoram animado Ágata sorriu de lado. — Em uma taverna. Homens adoram beber e fofocar. Yohan e Kael protestaram ao mesmo tempo: — Ei! — Isso não é verdade! Mas, no final, seguiram-na de qualquer jeito. Boldar apenas os observou, encostado no batente da porta, os olhos vermelhos brilhando. — Eu fico. Não gosto de me molhar, nem de entrar em confusão à toa. Yohan bufou. — Você só não gosta de sair da sua zona de conforto. Boldar sorriu. — Exatamente. O céu estava nublado e, em pouco tempo, a chuva, que antes era uma garoa fina, tornou-se forte e intimidadora. Os raios e a lama deixaram o caminho pela floresta intransitável. Por mais que tivessem uma licença do rei para tirar Kaito da prisão, temiam que a população local não ficasse contente com a decisão. — Ágata, está tudo bem? — perguntou Kael, preocupado. Ágata estava há muito tempo com a mão protegendo a barriga. — Olha — ela mudou de assunto — uma taverna. Vamos parar e tentar recolher informações. Sejam discretos. Os dois assentiram com a cabeça. A Taverna do Falcão Negro era um buraco decadente. O chão de madeira rangia sob os pés dos clientes embriagados, e o ar cheirava a cerveja fermentada, suor e carne assada. Homens riam alto, engrossando suas histórias de batalha, enquanto outros apostavam em jogos de dados e cartas. O grupo se sentou em um canto discreto, observando. Não demorou muito para que percebessem Lake, o capitão dos Fúria da Noite e um dos comandantes da guarda real. Ele estava no centro do salão—grande, robusto, com uma barriga ligeiramente protuberante, mas ombros largos e braços fortes. Sua armadura parecia gasta, mas ainda imponente, e sua espada repousava sobre a mesa ao lado de uma caneca cheia. Falava alto, gabando-se de feitos passados, enquanto os homens ao redor riam e brindavam. Bêbado e descuidado, em um gesto brusco, ele atirou uma garrafa na direção da porta. Kael, que passava naquele momento, desviou habilmente, mas seu braço bateu contra a garrafa, fazendo-a estourar contra a parede. — Ei, cuidado aí. Lake se virou, irritado. — Tá falando comigo? — Só pedi para tomar cuidado — disse Kael, tranquilo. O sujeito se levantou, exibindo um sorriso convencido. — Você sabe com quem está falando? Eu sou um dos Cavaleiros da Guarda Real! Um dos Fúrias da Noite! Ágata tentou intervir. — Vamos nos acalmar, não precisa brigar… Mas, para sua surpresa, o homem a empurrou. Kael se moveu rápido. Antes que ele pudesse tocar em Ágata novamente, segurou seu braço com força. — Não toque nela. Yohan se encostou na parede, observando a cena com um sorriso divertido. — Ah, agora ficou interessante. O Fúria da Noite puxou sua espada. — Você acha que pode me desafiar? Antes que Kael pudesse responder, Yohan revirou os olhos. — Deixa eu adivinhar… você quer lutar com alguém desarmado e acha que isso prova alguma coisa? O homem ficou vermelho de raiva, mas Yohan apenas sorriu e se virou para Kael e Ágata. — Vamos embora. Não vamos conseguir nada útil aqui. Kael soltou o braço do homem e se afastou. — ESPEREM AÍ, SEUS MALDITOS! VOCÊS VÃO PAGAR POR SUA AFRONTA! DAREI A VOCÊ O MESMO DESTINO DO DEMÔNIO DA LUXÚRIA! Ágata trocou um olhar com Yohan, interessada no que Lake tinha a dizer. — Sim, fui eu! — bradou ele, levantando a caneca. — Eu sou o responsável por prender Kaito, o demônio da luxúria! Aquele que dizem ser tão forte que pode manipular mentes! Acham que um homem como eu pode ser manipulado? É claro que não! Kael permaneceu em silêncio, ouvindo. O homem riu, virando-se para encará-lo. — O que foi? Quer que eu repita? Ágata, percebendo a tensão no ar, tentou intervir. — Deixa isso pra lá, Kael — sussurrou. Mas antes que pudesse recuar, sentiu a mão pesada do homem segurando seu braço com força. Foi rápido demais. Kael segurou o pulso de Lake antes que ele pudesse machucar Ágata. Num só golpe, socou seu rosto. O impacto o jogou contra a parede, e ele caiu cuspindo sangue. — O Pecado da Luxúria não deve ser tão forte assim se até você conseguiu capturá-lo — Kael disse, com um sorriso de canto. Lake, furioso, atacou. Mas então, sua lâmina atravessou o abdômen de Kael… e não fez nada. O silêncio tomou conta da taverna. Yohan sorriu. — Informação suficiente, Ágata? — Sim. A ilusão se desfez. Kael, então, desferiu um soco final, deixando Lake inconsciente. — Você nunca negocia, né? — Yohan suspirou. Kael virou-se. — Vamos. Sem olhar para trás, partiram para Merlin.O cheiro de terra molhada ainda impregnava o ar quando Kael, Yoran e Ágata saíram da taverna. A chuva havia transformado a estrada em um lamaçal infernal, mas quem ali tinha tempo para reclamar? Eles tinham um objetivo: chegar a Merlin e tirar Kaito da prisão antes do almoço. Poderiam enfrentar qualquer coisa, menos a fome de Ágata ao meio-dia.O caminho era longo, mas nada que os três já não estivessem acostumados. Kael seguia na frente, focado, calado como sempre. Yoran caminhava ao lado de Ágata, que ajeitava a capa, tentando ignorar o frio que insistia em se infiltrar em suas roupas.— Então… Kaito, hein? — Yoran quebrou o silêncio, lançando um olhar de canto para Ágata.Ela bufou.— O quê? Vamos ficar calados até Merlin?Ágata ergueu a sobrancelha.— Sim, me agradaria, de fato, ser agraciada pelo som inebriante do seu absoluto silêncio.Kael soltou um riso abafado, sem tirar os olhos do caminho.— Eu, hein? Que mau humor. — Disse Yoran entre dentes, ajeitando a capa.Dep
A noite já caía quando chegaram. O céu estava pintado de tons de púrpura e azul, e a brisa trazia o cheiro fresco da terra molhada. O silêncio da estrada contrastava com a bagunça que encontraram ao entrar.Kael foi o primeiro a falar:— Precisamos de quartos para todo mundo.Ágata olhou para Kaito, avaliando-o.— Você vai dividir com quem?Kaito sorriu de canto.— Se for com você, não me importo.Kael bufou.— Escolhe outro.— Ora, ora, que defensivo. — Kaito apoiou o queixo sobre a mão, olhando para os outros com curiosidade. — Então... opções?Yoran estalou a língua.— Posso dividir com outro, mas com você não.— Também não quero dividir com você — retrucou Kael.— Eu não me importo — disse Boldar, chegando com um prato de frutas nas mãos.Todos olharam para ele.— O quê? Ele me ajuda na cozinha, diferente de vocês, preguiçosos.Yoran sorriu.— E eu sou um ótimo colega de quarto.Kael cruzou os braços.— Fechado, então. Fique com meu quarto, é o segundo à esquerd
Outro impacto sacudiu a casa, dessa vez mais forte. Mas a casa não se partiria. Não era apenas uma construção de madeira e pedra, mas um refúgio mágico, resistente a qualquer ataque. Então, se estavam sentindo o impacto… quem quer que estivesse do lado de fora era forte. Forte o bastante para querer derrubar uma casa feita para suportar magias de alto escalão.— Se for uma maldita tempestade de novo, eu juro que vou… — Yoran começou, mas parou assim que abriu a porta e viu o caos do lado de fora.Kael estava encostado na mureta da varanda, olhos semicerrados, a expressão azeda de quem foi despertado à força. Ele suspirou, exausto.— Eu estava sonhando… — murmurou, esfregando o rosto. — Mas claro, alguém decide me arrancar do único lugar onde a vida ainda faz sentido.Kaito estava parado ao lado dele, com um copo de vinho ainda na mão, como se tivesse acabado de se levantar da cama sem tempo para processar nada. Mais afastada, Ágata subia as escadas do porão, segurando um livro pes
O frio da madrugada cortava como lâminas, e Kael sentia cada rajada de vento atravessar suas roupas. Ele andava rápido, mas atento, guiando o médico pelo caminho irregular da floresta. O céu escuro parecia pesar sobre eles, e a neblina rasteira fazia o chão desaparecer aos poucos.— Faz tempo que não vejo alguém tão jovem carregar tanto peso nos ombros. — O médico quebrou o silêncio.Kael apenas lançou um olhar de esguelha. Talvez, em outro momento, ele tivesse respondido, mas agora não tinha paciência para conversa. Não estava ali para filosofar sobre fardos.— É por aqui. Cuidado onde pisa.— Não se preocupe, eu moro aqui. Sei onde pisar. — O médico passou à frente de Kael, que o olhou de cima a baixo.— Exibido.Eles não demoraram a chegar, mas, quando o fizeram, encontraram Ágata deitada na cama de Kaito. Estava gelada, pálida demais, com a testa coberta de suor. Seu peito subia e descia devagar, como se seu corpo lutasse para continuar funcionando.O médico ajoelhou-se ao
A manhã seguiu seu curso, trazendo consigo um ar de alívio e renovação. Kaito, ainda pálido e visivelmente cansado, havia acordado. Seus olhos claros e brilhantes encontraram os de Ágata, e um sorriso fraco, mas reconfortante, surgiu em seu rosto. Ele não precisava dizer nada; a gratidão e o afeto estavam estampados em seu olhar. Ágata, por sua vez, sentiu um peso sair de seus ombros. Ele estava bem. Isso era o que importava. Mas a inquietação ainda habitava seu peito. Boldar e Yoran não saíam de seus pensamentos. Ela sabia que precisava descansar, que seu corpo ainda estava se recuperando, mas a preocupação falou mais alto. Enquanto Kaito descansava, Ágata decidiu sair escondida. Não queria que Kael percebesse, sabendo que ele tentaria impedi-la. Ela não tinha energia para discutir. Caminhou silenciosamente pelos corredores, até que, de longe, ouviu os gritos de Yoran. O som a deixou apreensiva, acelerando seus passos. Ao chegar mais perto, viu Yoran amarrado a uma cadeira, se deba
sol já se escondia no horizonte, pintando o céu com tons de laranja e roxo. O grupo seguia determinado a encontrar Leon, o Pecado do Orgulho, já que não. sabiam nada sobre Ordan ainda, ele era o próximo.— Tá, mas se o Ordinário não vai, e a espadachim muito menos... então não estão faltando só três? — questionou Kael, semicerrando os olhos.— Bem… é… — começou Yoran.— ACORDA, PORRA! — berrou ele de repente, jogando o que sobrou do pão na cara de Kael.Kael desviou a tempo, mas o pão voou direto na parede e deslizou dramaticamente para o chão.— Joga comida fora não, demônio — repreendeu Kaito, balançando a cabeça.— Ei, isso foi um insulto? — protestou Kael, cruzando os braços.— Não leva pro coração, capitão — Yoran piscou.Ambos riram, mas Kaito olhava para o pão no chão como se fosse cometer um crime. No canto da cozinha, Ágata e Alinna observavam o diálogo sem se meter.— Então… — começou Ágata, cruzando os braços.— Não, mel, não me lembro. Não quero ter essa conversa agora. —
Horas depois, ambos saíram do quarto para beber água. Caminhavam pelo corredor, os corpos ainda sensíveis, quando viram Alinna sentada no meio da cozinha.Ela estava imóvel, os olhos abertos, mas marejados, com lágrimas escorrendo silenciosas pelo rosto.— Alinna? — Yoran chamou, franzindo a testa.Ela não respondeu.— O que diabos…? — Yoran se aproximou, mas hesitou ao ver que ela nem sequer piscava.Eles trocaram um olhar, e, sem perder tempo, Boldar foi chamar Ágata.Quando ela chegou, olhou para Alinna e suspirou.— Ela está dormindo — disse simplesmente.— Isso parece qualquer coisa, menos sono — resmungou Yoran.— Confia em mim.Ágata se ajoelhou ao lado da fada e murmurou:— Adductus somno.Poucos segundos depois, Alinna desabou no chão, agora dormindo de verdade.Yoran passou a mão pelo rosto, exausto.— Se isso é o que nos espera no futuro, eu prefiro me aposentar.— Vai sonhando — retrucou Boldar.Na manhã seguinte, Alinna ainda dormia. Seu rosto estava pálido, e seu corpo s
Kael foi o primeiro a voltar para casa. Ordam carregava Alinna nos braços com tanto cuidado que, às vezes, parecia que ela ia se quebrar. O silêncio acabou quando ele a colocou na cama da varanda. — E aí? Vai contar por que mentiu? — disse Kaito, escorado no batente da porta. — Eu não menti. Meu nome é Ordam de Mortraz. — Eles se entreolharam sérios. — Então, a fada é sua amiga? — Ordam olhou para Alinna, deitada na cama, com um semblante alegre. — Pra mim, ela é muito mais que isso. A porta bateu, e Ágata entrou junto com Boldar e Yoran, trazendo suprimentos. — Vai ter que explicar mesmo por que fez a minha Nina chorar. — O rosto de Ágata estava carregado de crítica e dúvida. — Pensei que fossem demorar — disse Kael, olhando para os três. — Ah, a gente ia, mas o Yoran usou a super velocidade pra terminar logo e ouvir a fofoca. — Todos riram da naturalidade com que Boldar falava. — Uau, sua cara, né, Yoran? — disse Kael, com os olhos semi-serrados. — É...