A Taverna do Falcão Negro era um buraco decadente. O chão de madeira rangia sob os pés dos clientes embriagados, e o ar cheirava a cerveja fermentada, suor e carne assada. Homens riam alto, engrossando suas histórias de batalha, enquanto outros apostavam em jogos de dados e cartas. O grupo se sentou em um canto discreto, observando. Não demorou para que notassem Lake, o comandante dos Fúria da Noite e um dos chefes da guarda real. Ele estava no centro do salão—grande, robusto, com uma barriga ligeiramente protuberante, mas ombros largos e braços fortes. Sua armadura, embora gasta, ainda parecia imponente, e sua espada repousava sobre a mesa ao lado de uma caneca cheia. Falava alto, gabando-se de feitos passados, enquanto os homens ao redor riam e brindavam. Bêbado e descuidado, em um gesto brusco, ele atirou uma garrafa na direção da porta. Kael, que passava naquele momento, desviou com facilidade, mas a garrafa estourou contra a parede. — Ei, cuidado aí. Lake se viro
O cheiro de terra molhada ainda impregnava o ar quando Kael, Yoran e Ágata deixaram a taverna. A chuva havia transformado a estrada em um lamaçal infernal, mas quem ali tinha tempo para reclamar? Eles tinham um objetivo: chegar a Merlin e tirar Kaito da prisão antes do almoço. Poderiam enfrentar qualquer coisa, menos a fome de Ágata ao meio-dia. O caminho era longo, mas nada que os três já não estivessem acostumados. Kael seguia na frente, focado, calado como sempre. Yoran caminhava ao lado de Ágata, que ajeitava a capa, tentando ignorar o frio que insistia em se infiltrar em suas roupas. — Então… Kaito, hein? — Yoran quebrou o silêncio, lançando um olhar de canto para Ágata. Ela bufou. — O quê? Vamos ficar calados até Merlin? Ágata ergueu a sobrancelha. — Sim, me agradaria, de fato, ser agraciada pelo som inebriante do seu absoluto silêncio. Kael soltou um riso abafado, sem tirar os olhos do caminho. — Eu, hein? Que mau humor. — resmungou Yoran, ajeitando a cap
O aroma de carne assada e pão recém-saído do forno tomou conta do ar, e isso foi o bastante para Yoran mudar de foco. — Certo. Já que temos tempo até nosso “amigo” decidir voltar… Eu voto por comer alguma coisa. Ágata assentiu. — Eu também. Kael passou a mão pelo rosto, incrédulo. — Vocês não prestam. Mas, no fundo, ele também estava com fome. Foram para uma taverna discreta, afastada do centro da cidade. O tipo de lugar onde as pessoas falam baixo, trocam informações e evitam perguntas desnecessárias. Escolheram uma mesa no fundo, longe de olhos curiosos. Pediram carne, pão e cerveja. Ágata comeu calada, ainda ruminando a audácia de Kaito. Aquele homem era insuportável. Kael percebeu. — Não gostou dele? Ela bufou. — Ele flerta com qualquer coisa que respira. Yoran riu. — Verdade. Mas duvido que seja tão bom quanto acha que é. Kael pegou um pedaço de pão, pensativo. — Ele é um manipulador nato. Não duvide do que ele é capaz. — Ótimo
A noite já caía quando chegaram. O céu estava pintado de tons de púrpura e azul, e a brisa trazia o cheiro fresco da terra molhada. O silêncio da estrada contrastava com a bagunça que encontraram ao entrar. Kael foi o primeiro a falar: — Precisamos de quartos para todo mundo. Ágata olhou para Kaito, avaliando-o. — Você vai dividir com quem? Kaito sorriu de canto. — Se for com você, não me importo. Kael bufou. — Escolhe outro. — Ora, ora, que defensivo. — Kaito apoiou o queixo sobre a mão, olhando para os outros com curiosidade. — Então... opções? Yoran estalou a língua. — Posso dividir com outro, mas com você não. — Também não quero dividir com você — retrucou Kael. — Eu não me importo — disse Boldar, chegando com um prato de frutas nas mãos. Todos olharam para ele. — O quê? Ele me ajuda na cozinha, diferente de vocês, preguiçosos. Yoran sorriu. — E eu sou um ótimo colega de quarto. Kael cruzou os braços. — Fechado, então. Fique
A cozinha estava carregada de tensão. — Somos uma equipe. Vamos lutar juntos, e eu daria minha vida pela nossa causa. — Yoran manteve a voz firme. — E dependendo da situação, eu salvaria você de um possível ferimento grave... — Ele inclinou ligeiramente a cabeça. — Mas não volte a olhar para o que é meu. Kaito não desviou o olhar. O maldito ainda carregava aquele meio sorriso desenhado no rosto, como se tudo aquilo fosse um jogo cujo resultado ele já conhecia. — Você está bravo? — O tom era calmo, mas provocativo. — O cozinheiro é seu amante? A pergunta veio tão casualmente que quase passou despercebida. Mas Yoran não mordeu a isca. — Não foque em nos rotular, Kaito. Apenas certifique-se de não tocar ou sequer pensar no que é meu. Kaito segurou o olhar dele por um longo instante antes de finalmente dar um passo à frente, invadindo seu espaço. — Eu não faria isso. — Sua voz veio baixa, quase um sussurro. — Apesar de não ser um especialista em emoções, sei que ser
Outro impacto sacudiu a casa, desta vez mais forte. Mas aquela não era uma simples construção de madeira e pedra. Era um refúgio encantado, forjado para resistir a ataques de alto escalão. Se estavam sentindo os tremores, então quem quer que estivesse lá fora era poderoso o bastante para desafiar essa proteção. — Se for outra maldita tempestade, eu juro que vou… — Yoran começou, mas sua voz morreu assim que abriu a porta. Kael estava recostado na mureta da varanda, os olhos semicerrados e uma expressão azeda de quem fora arrancado de um sonho bom. Suspirou, exausto. — Eu estava sonhando… — murmurou, esfregando o rosto. — Mas, claro, alguém decidiu me arrancar do único lugar onde a vida ainda faz sentido. Kaito estava ao lado dele, um copo de vinho ainda na mão, como se não tivesse tido tempo para processar nada. Mais afastada, Ágata subia as escadas do porão, segurando um tomo pesado, claramente irritada pela interrupção. Todos estavam ali. E todos olhavam na mesma direção.
Fechando os olhos novamente, ele se concentrou. Seu poder demoníaco se espalhou pelo ambiente, captando resquícios de energia mágica ao redor. Precisavam de cura, e qualquer vestígio de magia restauradora poderia ser sua única esperança. — Há um traço… — Kael franziu a testa. — Não é forte, mas é recente. E está… na montanha. — Claro, porque as coisas nunca podem ser fáceis. — Yoran bufou, ajustando Boldar em seus braços. O guerreiro estava desacordado, mas sua respiração ainda era firme. — Se você morrer, eu mato você. — Boldar murmurou com um sorriso fraco. — E a Águi? Ela ainda está inconsciente. Se a movermos, podemos piorar a situação. — Então eu fico com ela. — Eu não esperava menos. Trocaram um olhar breve antes de se separarem. — Vamos. Kael e Yoran começaram a subir a montanha, os passos apressados pela urgência da situação. Mas, antes que pudessem alcançar o topo, um movimento na vegetação os fez parar. Folhas se agitaram, gravetos estalaram, e, de
Quando abriu os olhos, Kaito já não estava mais no quarto. O cheiro doce de jasmim chegou primeiro. O brilho dourado da cozinha realçava as flores sobre a mesa. Risadas infantis ecoavam Ele seguiu o som. Na cozinha, uma garotinha brincava ao lado de uma mulher de beleza exuberante. O sorriso dela era tão iluminado que chegava a incomodar. Próximo a elas, um homem as observava com uma felicidade genuína. Kaito franziu o cenho. Por um instante, pensou que a mulher fosse Ágata… Mas não era. Era a mãe dela. Kaito franziu o cenho. Algo estava errado. Um segundo atrás, a cozinha era um refúgio tranquilo; agora, o cheiro doce de jasmim se dissipava. O ar esquentava, e uma fina névoa subia do chão. Então veio o cheiro de fumaça. Gritos ecoaram. O mundo ao redor desmoronava." Kaito ouviu os gritos. A cena desmoronou, rápida e brutal, como se o próprio mundo tentasse engoli-lo. Agora, ele estava em um lugar escuro. No centro, uma garota de 13 ou 14 anos estava presa a