Ágata caminhava de loja em loja, um sorriso travesso nos lábios, arrastando Andrômeda e Rarim como duas bonecas de pano para experimentar roupas.— Não precisa ser necessariamente um vestido, não é, capitão? — Kael perguntou, olhando para Andrômeda com um brilho nos olhos.— Não, algo confortável já serve. Olha esse tecido, bem macio — respondeu, deslizando a mão sobre a roupa de Andrômeda... e seus seios.Antes que pudesse se dar conta, um espartilho atingiu seu rosto com força.— TIRA A MÃO, SEU SAFADO! — Rarim e Ágata gritaram juntas.Kael apenas riu, enquanto Andrômeda ajeitava a roupa, o rosto ruborizado.— Kaito, gostou desse? — Ágata perguntou, girando diante do espelho.Ele nem levantou os olhos do livro que lia com fervor, um presente de Yoran: "A Arte de Atrair Mulheres".— Difícil dizer, Ágata... Você ficaria linda até sem nada. Mas devo admitir que esse vestido exalta sua beleza de uma forma quase indecente. Até um cego veria o quanto você é deslumbrante — disse, f
Na manhã seguinte, os ânimos não estavam dos melhores. Alinna, Ágata, Rarim e Andrômeda se arrastaram até a cozinha, despertadas pelo tilintar de pratos e copos. Todos os quartos tinham isolamento acústico — um capricho de Ágata — então, provavelmente, os rapazes deixaram as portas abertas. O caos reinava na cozinha. Boldar estava encostado em Yoran, ambos rindo da cena que se desenrolava diante deles. Kael, Leon e Kaito lutavam para preparar o café da manhã. Kaito e Leon até tinham alguma habilidade na cozinha, mas Kael... era um desastre completo. — Acho que sua amiga deveria contratar uma cozinheira, capitão. Se o senhor continuar se aventurando na cozinha, é capaz de criar um monstro de gororoba. — Yoran gargalhava, enterrando o rosto no ombro de Boldar. — Fique à vontade para ajudar. — Kael respondeu distraído, no exato momento em que queimou a mão. O grito de dor arrancou mais uma gargalhada de Yoran. Ordam entrou calmamente, mas, ao ver a bagunça, paralisou, boqui
O lago refletia a luz pálida da lua, as águas agitadas pelos resquícios da fúria de Kael. Seu peito subia e descia de forma descompassada, os punhos cerrados, as chamas ao seu redor se dissipando aos poucos.— Eu vou quebrar essa maldição! — sua voz rasgou o silêncio da noite, ecoando entre as árvores.Um movimento sutil atraiu sua atenção. Passos leves sobre a terra úmida. Ágata emergiu das sombras, os olhos baixos, segurando Rarim pelo pulso. A jovem estava tonta, os lábios pálidos, mas ainda assim, consciente.— Ágata? — Kael franziu a testa, seus instintos em alerta.Ela ergueu o rosto, os olhos agora âmbar brilhando sob a luz fraca. Mas não havia arrogância, nem sorriso cruel. Havia apenas uma calma perturbadora.— Me desculpe, Kael. — Sua voz era suave, mas carregada de uma decisão irrevogável. — Mas eu não posso ficar.A inquietação cresceu dentro dele. Algo estava errado.— O que você está dizendo? — Ele deu um passo à frente, mas parou quando sentiu outra presença.Di
Kael não sabia por quanto tempo ficou ali, encarando a noite escura como se o vento frio pudesse apagar o caos que estava crescendo dentro dele. Mas o silêncio foi interrompido quando um gemido fraco ecoou pelo ambiente.Ele se virou no mesmo instante.Kaito foi o primeiro a se mexer, levando a mão à cabeça como se tivesse sido atingido por um trovão. Os olhos dele estavam turvos, mas, assim que percebeu onde estava, a confusão logo se transformou em pânico.— Onde está Ágata? — A voz dele saiu carregada de urgência, os olhos varrendo o ambiente. Ele tentou se levantar, mas as pernas fraquejaram.Leon despertou logo depois, piscando como se tentasse afastar um sonho ruim. Mas ao ver a expressão de Kael, o pânico cresceu.— Ela... ela se foi? — A voz dele era fraca, como se ele não quisesse acreditar.Kael apenas assentiu.E então veio Boldar. Ele acordou de um sobressalto, o peito subindo e descendo rápido. E antes mesmo de perguntar qualquer coisa, o desespero já estava estamp
Houve um tempo em que os gigantes esculpiam montanhas com as mãos nuas, as fadas dançavam em florestas de cristal e os demônios brindavam com vinho sob a luz de duas luas. A Terra era uma tapeçaria de raças, tecida com magia e sangue. Mas o equilíbrio é frágil, e a ganância dos deuses, ainda mais. Nas ruínas de um mundo outrora grandioso, Andrômeda observava o céu, o olhar perdido entre as estrelas. O eco da voz de Kael era longínquo, mas presente. Ela sentia o sangue escorrer entre os dedos, que freneticamente pressionavam o ferimento profundo em seu ventre. — Não, não, não… Mil vezes eu, mas minha Deusa, não! Kael estava no centro de uma planície destruída, onde a terra rachada se estendia até onde os olhos podiam ver. O cheiro de cinzas e sangue impregnava o ar, enquanto nuvens negras rodopiavam no céu como presságios de um destino inevitável. A voz dele se tornou um lamento desesperado. — Abre os olhos, por favor… Fica comigo. Não me deixa. Eu não quero… Eu não consigo fi
Doze dias se passaram até que Kael finalmente abriu os olhos. Seu corpo estava pesado, e sua visão demorava a se acostumar com a luz fraca que atravessava a janela estreita. O cheiro de ervas amargas pairava no ar, misturado ao aroma de cera queimada. — Sente-se melhor? — A voz feminina soou suave, mas carregada de intenção. Kael virou a cabeça com dificuldade e encontrou uma mulher ao lado da cama, depositando uma bandeja com frascos e unguentos sobre o criado-mudo. Ele se sobressaltou, mas conteve a reação. — Quem é você? Ela sorriu, inclinando-se levemente na direção dele. Seus dedos pairaram sobre a faixa que cobria o ferimento em seu ventre. — Tenho muitas respostas, mas nenhuma convincente o suficiente para não parecer uma ameaça. — Seu tom era divertido, mas os olhos mantinham um brilho calculista. — Mas não se preocupe. Quando o encontrei, você já estava morto, capitão. Se quisesse que morresse, bastava deixá-lo onde estava. Kael se recostou contra os travesseiros,
Horas depois, o cheiro de carne assada e especiarias o despertou. O quarto estava escuro, exceto pela lareira ainda acesa. Kael se levantou devagar, sentindo as dores no corpo protestarem. Vestiu uma camisa negra dobrada ao lado da cama e seguiu pelo corredor estreito de pedra, guiado pelo aroma da comida. A sala de jantar era menor do que esperava. Uma mesa de madeira robusta ocupava o centro, iluminada por velas suspensas por correntes no teto. Ágata estava sentada, servindo-se de um prato generoso. — Você demorou, Capitão. Pensei que ia desmaiar de novo — ela sorriu, tomando um gole de vinho. Kael puxou a cadeira e sentou-se sem responder de imediato. Pegou um pedaço de pão e levou à boca, mastigando lentamente. — Agora me diga. O que realmente quer de mim? Ágata ergueu uma sobrancelha. — Direto ao ponto. Gosto disso — ela girou a taça de vinho entre os dedos. — Eu quero que você viva, Kael. Ele riu, seco. — Você roubou metade da minha alma — Kael rosnou, esmagando o
Cambaleando pelo corredor estreito, Kael sentia o mundo girar a cada passo. O vinho pesava em seu sangue mais do que deveria, e algo lhe dizia que Agatha, apesar de ter bebido ainda mais, permanecia sóbria por um motivo que ele ainda não conseguia decifrar. Mas seus pensamentos estavam turvos demais para isso agora. Tudo o que queria era dormir. Fechar os olhos. Esquecer. Quem sabe, se tivesse sorte, sonharia com Andrômeda. Mas nem mesmo a embriaguez foi capaz de enganá-lo. A realidade era implacável. Andrômeda estava morta. A dor veio como uma lâmina afiada, cravando-se fundo em seu peito. O ar fugiu de seus pulmões, os músculos travaram, e ele desabou contra a porta do quarto. O chão frio sob seu rosto não trouxe alívio algum. Com esforço, arrastou-se até a fechadura, forçando a porta a se abrir. Assim que o fez, um perfume familiar o envolveu. Kael parou. O cheiro delicado pairava no ar, preenchendo cada canto do cômodo. Lírios. Andrômeda amava lírios. Dizia que eram flo