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CAPÍTULO 4: É a natureza deles

Kael desceu do sótão, ainda com a mente ocupada pelo encontro inesperado com o tal Boldar. Ele caminhava pelo corredor em direção ao quarto quando algo fora da casa chamou sua atenção.

Ao passar por uma das janelas, parou de súbito. Lá fora, uma das árvores se moveu. Não foi um balanço de vento ou o farfalhar comum das folhas. Ela realmente se moveu, deslizando pelo solo como se estivesse viva.

Franziu o cenho, inclinando-se um pouco mais para observar melhor. Outra árvore repetiu o movimento, depois outra, e mais outra, como se a floresta estivesse… caminhando.

Foi então que a lembrança das palavras de Agatha lhe atingiu.

"A casa anda em reforma."

Ele piscou. Aquilo não havia sido uma metáfora. A casa realmente andava.

Kael recuou um passo, dessa vez observando melhor a estrutura ao seu redor. Por fora, a casa parecia pequena, quase insignificante, mas ali dentro… ela era imensa, confortável, aconchegante de um jeito estranho. Isso exigia um nível de magia altíssimo.

Ele soltou um riso curto.

— Uma maga de primeiro nível, sem dúvidas — murmurou, admirado.

Perdeu-se tanto naquela visão que não percebeu o tempo passar. A tarde chegou sem que ele se desse conta, e ele ainda estava ali, do lado de fora, observando a paisagem se mover.

— Não me diga que nunca viu uma casa encantada, Capitão.

A voz de Agatha o trouxe de volta. Ele olhou por sobre os ombros, encontrando o sorriso zombeteiro dela.

— Já vi muita coisa. Algumas delas te deixariam de boca aberta e o estômago revirado — respondeu com um meio sorriso. — Mas nenhuma tão enfadonha quanto essa.

Agatha riu baixo, sacudindo a cabeça.

— Odeio atrapalhar seu momento filosófico, mas chegaremos antes do esperado. Precisamos de suprimentos… e de algumas ervas que eu gostaria de estudar antes de chegarmos a Bazzard.

Kael ergueu uma sobrancelha.

— Precisa de ajuda?

— Não.

— Então só queria avisar para eu não me assustar?

Agatha sorriu de canto.

— Exato.

Kael riu, descrente.

— Pelo visto, teremos surpresas.

— Ah, não parece tão ruim. Ouvi dizer que você odeia a monotonia.

— É, o tédio é entediante.

Ambos riram enquanto caminhavam para a aldeia.

A tarde estava calma demais para um dia de viagem. Kael parou em uma tenda e admirou um bracelete de ouro, que chamou sua atenção.

Agatha estava ao lado dele, brincando com um frasco pequeno, girando o líquido arroxeado dentro sem muita atenção. Mas Kael sabia que ela estava ouvindo.

— Tá vendo aquilo? — Ele inclinou a cabeça em direção à praça, colocando o bracelete de volta no lugar.

Agatha ergueu os olhos e seguiu o olhar dele.

O centro da aldeia estava movimentado demais. Pessoas falavam alto, apontavam, seguravam ferramentas como se fossem armas. No meio da confusão, uma carroça velha e um monte de correntes brilhando à luz do sol. Algo se mexia ali dentro.

Kael não precisou de muito para entender: aquilo não era uma simples reunião. Era uma caçada.

— Eu sabia que íamos nos meter em encrenca — Agatha suspirou.

— Talvez seja um daqueles torneios humanos em que o vencedor ganha cerveja de graça — Kael disse, empolgado.

Agatha revirou os olhos, mas o seguiu.

Eles tinham ido à aldeia para buscar suprimentos, mas agora tinham outra coisa para resolver.

Enquanto se aproximavam da praça, as vozes ficavam mais nítidas.

— …já sumiram três ovelhas! — gritou um homem mais velho, o rosto vermelho de raiva.

— E atacaram mercadores na estrada! — outra voz se juntou.

— Essa coisa é um demônio, tem que morrer!

Kael estreitou os olhos. No meio da carroça, acorrentado, um lobo arfava. O pelo escuro estava sujo de lama, e havia sangue seco na pata dianteira.

Os aldeões estavam com medo. E medo sempre virava violência.

Kael já vira isso acontecer antes. Humanos não precisam de muita coisa para justificar uma execução.

— Isso tá errado — ele disse, mais para si mesmo do que para Agatha.

Mas Agatha já sabia.

A multidão estava prestes a agir. E Kael não ia deixar.

— Creio que chegaremos atrasados em Bazzard — Kael murmurou.

— Isso não é uma novidade, não se meta em encrenca, Capitão.

Kael apenas lançou um olhar divertido para ela antes de avançar. A praça diante deles era tomada pelo burburinho dos aldeões. No centro, um lobo de olhos dourados arfava, preso a uma corrente, enquanto um grupo de homens discutia o destino da criatura.

Kael respirou fundo e avançou.

— O que está acontecendo aqui?

Os aldeões voltaram-se para ele, avaliando-o com desconfiança.

— Esse monstro trouxe azar para a vila! — um deles vociferou. — Desde que apareceu, tudo desandou!

— Maldito monstro! — Um dos homens ergueu a lança. — Vamos acabar logo com isso!

— Espera! — A voz infantil veio de um canto. Um garoto magro e pequeno se agarrou à saia da mãe. — Ele não fez nada de errado!

— Silêncio, Milo! — A mulher o puxou para trás.

— Quem é você?

— Alguém que quer entender o que está acontecendo.

Os murmúrios cresceram, mas o líder dos aldeões — um homem robusto, de barba grisalha e feições marcadas pelo tempo — deu um passo à frente.

— Esse lobo tem assombrado nossa vila. Desde que apareceu, nossos animais sumiram, as plantações murcharam.

Kael desviou o olhar para o animal preso. O lobo, mesmo cercado e ferido, não demonstrava agressividade. Ele estava assustado.

— Ele atacou alguém?

O líder hesitou.

— Não... Mas ficou rondando as casas. Isso é o bastante.

— Bastante pra quê? Matá-lo sem motivo? — Kael cruzou os braços.

— E se ele estiver amaldiçoado?

Kael suspirou.

— Vocês são sempre assim? Ou só quando estão com medo?

O comentário provocou um rebuliço na multidão. Algumas pessoas franziram o cenho, outras desviaram o olhar. Kael já conhecia esse tipo de reação.

— Ele é um lobo, a natureza dele é matar.

— Qual é a natureza de um humano? Não se julga ninguém pela sua natureza, não escolhemos a forma como vamos nascer.

Ele respirou fundo e propôs um acordo:

— Me deem três dias. Se nada melhorar, eu mesmo mato o lobo.

Ele se abaixou na altura do lobo, que rosnou baixinho. Kael apenas estendeu a mão, deixando-a próxima, sem tocá-lo. O lobo o observou, farejando o ar.

— Ele está assustado. Não é uma fera sedenta por sangue.

Os aldeões se entreolharam. O líder suspirou.

— Três dias. Mas se algo acontecer, a culpa será sua, e você morrerá com ele.

Kael apenas assentiu.

Quando soltaram as correntes, o lobo disparou para a floresta.

Nos três dias seguintes, Kael e Agatha permaneceram na vila. Kael ajudou a reforçar as cercas, cavou um novo poço e verificou os estábulos. Agatha usou magia para restaurar parte das plantações que estavam secas. Mas, mesmo assim, os ataques às carroças dos viajantes não faziam sentido, e Kael precisava entender o que houve. À noite, na taverna da aldeia, ele espalhou que chegaria um carregamento novo de cerveja na cidade e, junto com ela, um mercador muito rico que fabricava as cervejas. E, como esperado, o “lobo” atacou novamente, mas não havia nenhum mercador. Esse era um plano bolado para livrar o lobo da forca. Durante o ataque, Kael percebeu que eram homens que atacavam as carroças e as ovelhas sumiram porque eles usaram a lã para se disfarçar e encobrir seu cheiro. Kael levou os ladrões ao ancião e voltou para a casa exausto.

Quando o terceiro dia amanheceu, a vila já respirava com mais alívio.

Kael não voltou mais à aldeia, pois já tinham as ervas e os suprimentos, então não era mais necessário, mas enquanto passava pelo portão da cidade em direção a Bazzard, ouviu alguém chamar.

— Eiiii... senhor... obrigado.

Kael virou-se para olhar e ficou surpreso em ver o lobo ao lado do menino que chorava de medo ao ver o amigo com problemas.

Kael sorriu de canto.

— Adeus, Milo.

Ele queria parar e se despedir, mas odiava demonstrar afeto e a prisão de Bazzard ainda estava longe.

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