POV ALICE.
Eu e mamãe corremos desesperadas em direção à porta do celeiro. Saímos às pressas, ofegantes e tomadas pelo pavor do rosnado que ouvimos.
— Eu te disse que esse lobo ia acordar e nos atacar! O que faremos agora com um lobo selvagem dentro do nosso celeiro? — disparou minha mãe, nervosa, a voz trêmula de medo.
— Calma, mamãe, eu vou resolver — falei, tentando manter a compostura, enquanto espiava pela fresta de madeira. O celeiro estava quieto, silencioso. Lá dentro, o lobo permanecia deitado, imóvel, no mesmo lugar. Senti um alívio imediato.
— Ele continua parado. Acho que rosnou enquanto dormia. Vou entrar para verificar — falei, tentando soar confiante. Minha mãe agarrou meu braço, a preocupação nítida em seus olhos.
— Você está louca? E se ele estiver acordado e te atacar? — murmurou, a voz baixa, temendo até mesmo o som de suas palavras.
— Vou ter cuidado, prometo — comentei, acariciando a mão dela antes de entrar no celeiro. Aproximando-me do lobo, peguei um pedaço de madeira e o cutuquei suavemente. Ele não se moveu. Senti um peso sair dos meus ombros.
— Ele está inconsciente, mamãe. Acho que estava sonhando. Pode entrar, está tudo bem — falei com mais confiança.
— Eu não vou entrar aí! E você deveria sair desse celeiro agora mesmo! — ela retrucou, firme.
— Tudo bem, mãe. Mas preciso cuidar dele — insisti. Depois de muito a convencer, ela, relutante, voltou para casa. E eu fiquei ali, determinada a auxiliar o lobo.
A noite passou lentamente. Não consegui pregar os olhos, tomada pela ansiedade. A cada vinte minutos, verificava se ele ainda respirava, e o som suave de seus pulmões me trazia uma paz temporária. No fundo, o medo de perdê-lo me consumia. O dia seguinte seria minha folga na clínica, e isso me dava algum alívio. Eu teria tempo para dedicar-me totalmente àquela criatura imponente e misteriosa.
Minha mãe, apesar do medo evidente, acabou ajudando, sempre à distância, sem jamais se aproximar demais. Ela temia o lobo, e eu entendia. Mas havia algo nele que me prendia. Ele precisava de mim e eu não podia virar as costas.
Quando o sol começou a surgir, seus primeiros raios atravessando as frestas do celeiro, senti um novo fôlego. O lobo permanecia estável, mas ainda não acordara. Aproveitei o dia para ficar com ele, observando de perto cada pequeno sinal de melhora.
Mais tarde, Dr. Henrique chegou ao sítio. Eu o havia chamado, contando sobre o lobo e seu estado crítico. Ele, curioso e sempre disposto, veio prontamente para examiná-lo. Minha mãe o levou até o celeiro, ainda mantendo aquele olhar de desconfiança. O lobo respirava suavemente, e o Dr. Henrique se aproximou com cautela, mas também com uma espécie de fascínio pelo lobo.
— Ele é enorme… Maior do que imaginei — murmurou o veterinário, impressionado, ao se deparar com a imponente criatura deitada no canto. — Alice, como você conseguiu mantê-lo vivo? — perguntou, admirado. Dei de ombros, exausta, mas satisfeita com o meu esforço.
— Fiz o que pude. Não podia deixá-lo perecer — respondi, com simplicidade. Dr. Henrique assentiu, ajoelhando-se ao lado do lobo. Suas mãos experientes exploraram as feridas com cuidado, trocando as bandagens e aplicando novos medicamentos.
— Parece que ele foi atacado por algo grande. Mas, surpreendentemente, as feridas estão cicatrizando rápido. Sua recuperação está além do esperado, considerando o estado em que você o encontrou — disse, com uma expressão de espanto.
Ele trocou os curativos e me explicou como aplicar os remédios que havia trazido, além de ajustar o soro no lobo. Apesar de fascinado pela majestade do animal, havia uma certa reserva no olhar dele, como se soubesse que estava diante de algo incomum.
— Fiz o que pude. Ele precisa de descanso e de um monitoramento constante — disse, levantando-se. — É impressionante o que você fez, Alice. Não sei como conseguiu mantê-lo vivo até agora — completou, com um rápido sorriso, mas ainda com traços de preocupação no rosto.
— Eu simplesmente não consegui deixá-lo morrer — respondi, sorrindo de volta, embora inquieta. — O senhor acha que ele vai se recuperar? — perguntei, apreensiva.
— Acredito que sim. Ele é forte, mas o processo será lento. Seu corpo está reagindo bem, mas o despertar pode demorar. Continue com os medicamentos e tenha paciência — orientou, antes de sair. Assim que ele foi embora, senti uma pontada de esperança. A presença do Dr. Henrique trouxe um conforto inesperado. Não estava mais sozinha naquela jornada de salvar o lobo.
Passei o restante da tarde cuidando dele, seguindo as instruções à risca, trocando os curativos e garantindo que ele permanecesse hidratado. Enquanto o observava, não pude deixar de notar o quanto ele era bonito. Seu pelo negro e incrivelmente macio transmitia uma sensação de calor e segurança. Havia algo de enigmático em sua aparência, ele tinha uma cicatriz em forma de lua abaixo da mandíbula que o tornava único.
— Será que, se você fosse humano, seria tão bonito quanto é como lobo? — murmurei, sem me dar conta do pensamento estranho. Senti minhas bochechas corarem ao perceber a loucura daquilo que havia dito.
No terceiro dia, acordei e percebi que, em algum momento da noite, havia adormecido abraçada ao lobo, afastei-me rapidamente. A situação parecia mais promissora; seus músculos, antes tensos, estavam agora relaxados. Ele estava se recuperando, lentamente, mas de forma visível.
Enquanto eu limpava o celeiro e trocava as bandagens, ouvi um som baixo. Algo suave, quase inaudível, mas que fez meu coração disparar. Corri até ele e me ajoelhei ao seu lado. O lobo soltou um gemido baixo, rouco, como se estivesse lutando para sair de um sonho profundo.
— Calma… está tudo bem. Você está seguro agora — sussurrei, passando a mão em seu pelo, sentindo o calor reconfortante que ele emanava.
No quarto dia, as feridas mais graves estavam quase totalmente fechadas. Ele continuava em sono profundo, mas seu corpo mostrava sinais de uma recuperação surpreendente. Exausta, sentei-me no chão do celeiro e fiquei observando-o, meus pensamentos dispersos. O cansaço acabou me vencendo, e adormeci ali mesmo, ao lado do imponente animal.
Quando acordei, o crepúsculo já tomava o céu e a escuridão se aproximava. Pisquei algumas vezes para ajustar a visão e, ao olhar para o lobo, percebi algo diferente. Seus olhos estavam abertos, um azul intenso que brilhava na pouca iluminação. Nosso olhar se cruzou, e meu coração saltou no peito. Ele estava acordando.
— Você está voltando… — murmurei, emocionada, sem saber se ele podia me ouvir, mas sentindo a esperança renascer dentro de mim.
POV DARIUS.Eu estava me perdendo, sentindo meu corpo afundar num vazio profundo. Baltazar estava em silêncio, eu estava sozinho, desprotegido. Era como se uma sombra densa me envolvesse, me puxando para o abismo. Minha mente gritava por força, mas meu corpo estava exausto demais para continuar lutando. A dor era sufocante. Eu já havia aceitado o fim, até que… ouvi uma voz.Ela era doce, quase como um sussurro, mas cheia de medo, implorando para que eu não a deixasse. Essa voz… trazia algo mais, uma força que eu já não sabia que possuía. “Lute”, dizia ela, e por mais que parecesse impossível, algo dentro de mim reagiu. Ela me dava ânimo, esperança e, com o pouco que me restava, agarrei-me àquele som angelical e comecei a lutar.Senti, de repente, um toque suave, como o calor de um raio de sol após dias de tempestade. Era acolhedor, reconfortante. Lentamente, algo dentro de mim se reacendia. A dor ainda estava presente, mas agora eu tinha uma centelha de força. Lutei contra o peso nas
POV DARIUS.Olhei na direção da porta e uma senhora de feições gentis me encarava. Seus olhos brilhavam com uma mistura de medo e indignação ao ver essa humana tão próxima de mim, tocando-me como se eu fosse um simples animal inofensivo. Ela tinha um ar de determinação e desagrado que ficou claro. Então essa insolente se chama Alice?A idosa me olhava como se eu fosse uma ameaça iminente, pronta para atacar. Se soubesse quem eu realmente era, teria fugido apavorada. Alice, por outro lado, permaneceu imóvel. Seus olhos voltaram-se para mim antes de responder com tranquilidade:— Mãe, está tudo bem. Ele não vai me machucar — disse Alice, olhando com firmeza para a idosa. Sua voz era suave, mas segura. Então ela é mãe dessa insolente. Observei atentamente, tentando entender de onde vinha essa confiança. Eu poderia dilacerá-la em segundos, mas ela parecia não ter medo.— Não vai te machucar? — A mãe de Alice deu um passo à frente, os olhos cheios de preocupação. — Ele é uma fera selvagem,
POV ALICE.O primeiro raio de sol invadiu meu quarto através das cortinas entreabertas, aquecendo levemente meu rosto. Abri os olhos devagar, sentindo o conforto da minha cama macia. Meu quarto, embora simples, tinha tudo o que eu precisava. As paredes eram de um tom creme suave, decoradas com fotos antigas da família e quadros pintados à mão. A mobília era antiga, mas muito bem conservada, cheia de memórias. Havia uma prateleira de madeira no canto, abarrotada de livros de veterinária e algumas plantas que minha mãe insistia em cuidar para mim.Me sentei na cama e olhei em volta. Aquele lugar era mais do que um simples cômodo; era um refúgio de tranquilidade. Meu quarto refletia a simplicidade da nossa casa: aconchegante, cheio de amor, um lugar onde o tempo parecia passar mais devagar. Estiquei os braços, sentindo a leve dor nos músculos de tantas noites mal dormidas. Eu precisava descansar mais, mas não podia deixar aquele lobo sozinho.Com um suspiro, levantei e me arrumei rapidam
POV DARIUS.A voz de Baltazar era uma brisa de alívio. Meu lobo estava de volta, e o vazio que ele deixou, parecia, finalmente, preenchido. Mas algo havia mudado profundamente dentro de mim. Uma angústia diferente me apertava o peito, uma mistura de medo e alívio. Como seria agora, depois de tudo?— Baltazar… você finalmente voltou — falei, tentando controlar a felicidade que me transbordava. Eu, sem meu lobo, sou apenas uma casca, um humano inútil, perdido e incompleto. Senti uma onda de gratidão me percorrer, e parecia que Baltazar sentia o mesmo.— Parece que você sentiu minha falta — ele respondeu com sua risada familiar, vibrando dentro da minha mente como uma melodia que eu jamais queria esquecer.— Você não faz ideia do inferno que tenho passado sem você. Viver como humano é uma merda — contei, deixando minha voz trêmula revelar o que realmente sentia.— Sei o que você passou, Darius. Nós não podíamos nos comunicar, e você não podia me sentir, mas vi, ouvi e senti tudo o que vo
POV DARIUS.— Não acredito… temos uma companheira de segunda chance. — A voz de Baltazar ressoou em minha mente, cheia de um misto de admiração e empolgação.Eu não conseguia desviar o olhar. Ali estava ela, minha companheira, movendo-se com uma graça que prendia minha atenção em cada pequeno gesto, cada sorriso. Quando Alice me deu bom dia, com aquele brilho no olhar e um sorriso despreocupado, senti uma onda de felicidade que há muito não sentia. Era uma sensação estranha, mas agora eu entendia. Aquele turbilhão de emoções confusas que vinha me atormentando ultimamente… tudo fazia sentido. Minha alma reconhecia Alice como minha.— Acha que ela sente algo? — perguntei a Baltazar, não em dúvida, mas buscando entender o que ele via.— É claro que sim, — respondeu Baltazar, com uma certeza fria e orgulhosa, quase arrogante. — Ela pertence a nós. Mesmo sem saber, o corpo dela responderá… ao nosso toque, ao nosso olhar. — Disse.Alice se aproximou e seus dedos delicados começaram a desliz
POV DARIUS.Alice ainda estava deitada no chão, respirando fundo para se recuperar da queda. Seu rosto mostrava sinais de cansaço, mas os olhos mantinham um brilho determinado e um leve sorriso, como se quisesse esconder qualquer fraqueza. Eu permanecia ao seu lado, atento a cada movimento dela, e mesmo em um momento de vulnerabilidade, Alice parecia determinada a se mostrar forte.No entanto, nossa aproximação foi bruscamente interrompida pela chegada de sua mãe, escandalosa e de olhos arregalados de pavor. Ao me ver ao lado da filha, o pânico dela se transformou em uma fúria descontrolada. A voz, embargada pelo desespero, pegou um pedaço de madeira, que estava encostado na parede, empunhando-o como uma arma e me ameaçando sem hesitar. Senti um rosnado profundo formar-se em meu peito; uma resposta automática à ameaça que ela representava. Baltazar revoltou-se imediatamente.— O que ela pensa que vai fazer com aquele pedacinho de madeira? Essa humana ousa nos desafiar! Precisa aprende
POV ALICE.Minha mãe se aproximou e me ajudou a levantar. Seu olhar permanecia determinado. Senti o lobo encostar em mim. Acariciei seu pelo, ele estava ao meu lado. Eu sentia a tensão em cada fibra de meu corpo. Eu sabia que sua presença aqui incomodava minha mãe, mas eu não queria que ele fosse embora.— Mãe, por favor, me escute — falei, minha voz carregada de urgência. — Ele ainda não está totalmente curado. Se o mandarmos embora agora, ele não sobreviverá lá fora. Está machucado demais para se defender de qualquer perigo. — Falei exagerando, eu sabia que ele estava bem, mas não o queria longe de mim.Minha mãe cruzou seus braços, o rosto inexpressivo, embora eu pudesse ver a preocupação escondida em seus olhos. Ela suspirou, impaciente, e olhou para o lobo com uma expressão de desconfiança.— Alice, você não entende. Esse é um lobo, um animal selvagem. Não é como os outros bichos que resgatou e depois acolheu. Ele já está aqui há tempo demais, e quanto mais tempo ele fica, mais e
PRÓLOGO.Nasci amaldiçoado, condenado a carregar uma punição que não era minha. O primeiro rei supremo dos lobisomens, Julian, teve seu coração corrompido e exterminou alcateias indefesas. Foi punido por suas ações cruéis com uma maldição: transformar-se em uma besta infernal que destrói tudo ao seu redor. Desesperado, rogou à deusa Lua por misericórdia, mas tudo que conseguiu foi transferir a maldição para seus descendentes.A intenção era dar-lhe tempo para encontrar uma solução, mas Julian não se importava com quem sofreria, contanto que não fosse ele. Sua companheira, no entanto, não suportava a ideia de seus filhos herdarem esse fardo. Recorreu à feitiçaria para poupá-los, condenando, assim, seus netos. Sou esse neto. Meu pai foi poupado, mas herdei o castigo imposto a Julian, meu avô. Quando me transformo em besta infernal, perco todo controle; o único desejo que sinto é o de sangue e destruição.A deusa profetizou em sonho a um dos antigos anciões da nossa alcateia que a maldiç