POV DARIUS.
A voz de Baltazar era uma brisa de alívio. Meu lobo estava de volta, e o vazio que ele deixou, parecia, finalmente, preenchido. Mas algo havia mudado profundamente dentro de mim. Uma angústia diferente me apertava o peito, uma mistura de medo e alívio. Como seria agora, depois de tudo?
— Baltazar… você finalmente voltou — falei, tentando controlar a felicidade que me transbordava. Eu, sem meu lobo, sou apenas uma casca, um humano inútil, perdido e incompleto. Senti uma onda de gratidão me percorrer, e parecia que Baltazar sentia o mesmo.
— Parece que você sentiu minha falta — ele respondeu com sua risada familiar, vibrando dentro da minha mente como uma melodia que eu jamais queria esquecer.
— Você não faz ideia do inferno que tenho passado sem você. Viver como humano é uma merda — contei, deixando minha voz trêmula revelar o que realmente sentia.
— Sei o que você passou, Darius. Nós não podíamos nos comunicar, e você não podia me sentir, mas vi, ouvi e senti tudo o que você passou, meu amigo. Sinto muito por isso. Quando encontrarmos aquela bruxa, vamos matá-la… bem devagar — disse Baltazar, e pude sentir a fúria fervendo nele. Mesmo sem poder nos conectar diretamente, meu lobo esteve presente o tempo todo, vendo cada fraqueza e sentindo cada dor.
— Então, você esteve presente o tempo todo? — perguntei, a surpresa aquecendo meu coração.
— Sempre, meu amigo. Aquela poção nos bloqueou, anulou nossos poderes. Tenho certeza de que havia acônito nela. Mas aquela bruxa não tem poder para me arrancar de você — explicou Baltazar, como quem garante a promessa de que nada nos separaria. A raiva subiu em minha garganta, como um rosnado preso.
— Estou com tanta raiva de mim mesmo por ser enganado por aquela bruxa — murmurei, deixando meu ódio escapar em palavras.
— Esqueça isso, Darius. O importante é que estamos juntos de novo. Temos que resolver a nossa situação atual. Como voltei, logo todos os nossos sentidos e forças estarão restabelecidos, e poderemos voltar à nossa forma humana e ir para casa — disse Baltazar, sua voz carregada de firmeza, mas também de um toque de esperança. Era estranho… agora que poderíamos ir embora, um aperto incômodo se formava em meu peito ao pensar na ideia de partir. O rosto dela invadiu minha mente. Baltazar percebeu, e sua risada ecoou em minha mente.
— Ah, então é isso, não é? — perguntou Baltazar, se referindo a Alice. Revirei os olhos.
— Não sei do que você está falando — respondi, tentando disfarçar. Ele riu mais forte.
— Não sabe mesmo? — perguntou, debochado.
— Cale a boca. Como eu dizia, quero que meu tormento acabe logo — falei, tentando convencer a mim mesmo.
— Tem certeza de que foi um tormento… ser cuidado por Alice? — ele perguntou com um tom debochado, um humor leve e provocador. Revirei os olhos, já me irritando.
— Não sei do que você está falando — respondi, irritado.
— Darius, nós somos um. Não pode esconder nada de mim. Percebi o jeito que olhou para ela. Senti o que você sentiu. Sinto e sei de tudo que acontece com você. Sei o que está acontecendo em relação a essa humana. Entendo que você estava vulnerável, ferido e sozinho. É natural se apegar a quem cuida de nós quando estamos assim. Mas não devemos nutrir sentimentos por essa humana doidinha. Gosto dela; ela é divertida, amorosa e gentil. Sinto uma gratidão imensa por ela, mas não devemos nos envolver com humanos, nós não pertencemos ao mesmo mundo. Humanos não são para nós — alertou Baltazar, sua voz misturando compreensão e seriedade. Senti o sangue ferver.
— Você está louco. Eu não sinto nada por aquela humana faladeira — resmunguei.
— Sei… se você quer assim, tudo bem. Devo ter me enganado — Baltazar riu, e uma onda de raiva subiu em mim, misturada com uma pontada de incerteza.
— Vamos parar de conversar e descansar. Assim, amanhã estaremos restabelecidos e poderemos ir embora — falei, tentando encerrar a conversa.
— Você quer mesmo descansar, ou está ansioso para ver Alice? Tem certeza de que vai conseguir ir embora e deixá-la? — perguntou Baltazar, desta vez em tom sério. Eu bufei, querendo evitar o assunto.
— Cale a boca e vá dormir. Você fala demais. Igual à Alice — rebati, e então o bloqueei. Deitei-me de lado na cama de feno, incomodado. Eu, um rei, acostumado a dormir nas mais luxuosas e confortáveis camas, agora estava jogado ali, no feno, como um miserável.
Suspirei, cansado e exausto. Não sei como esses humanos suportam viver assim. Esta foi, sem dúvida, a pior experiência da minha vida: viver como um humano. Deixei o cansaço me envolver, e logo, já adormecia. Mal consegui descansar por algumas horas, quando uma voz agitada invadiu minha mente, despertando-me com uma energia desesperada.
— Darius, acorda! — gritava Baltazar em minha mente, e sua urgência me despertou num sobressalto.
— Você enlouqueceu? Que escândalo é esse? — perguntei, irritado. Detesto ser arrancado do meu sono.
— Você está sentindo esse cheiro? Esse aroma maravilhoso? — A voz de Baltazar soava quase embriagada, e foi então que senti. O aroma mais cativante e viciante que eu já havia experimentado: uma mistura de pinho fresco, alecrim e o cheiro úmido de terra molhada.
Meu coração começou a bater descompassado, cada sentido em alerta. Levantei-me rapidamente, sentindo uma onda de energia percorrer cada músculo. Minhas forças estavam completamente restauradas. Farejei o ar, seguindo aquele aroma delicioso que parecia cada vez mais intenso, como se quisesse me envolver. Passos se aproximavam da porta, e meu coração acelerou ainda mais.
— O que é isso? Quem é? — murmurei mentalmente, tentando manter a calma, mas Baltazar sabia. Ele estava tão agitado quanto eu.
— É ela, Darius. Você sabe que é ela — ele respondeu, sua voz carregada de uma emoção que não ouvira há tempos.
A porta foi aberta e ali estava ela, entrando no celeiro. Quando meus olhos encontraram a figura que entrou, eu e Baltazar falamos ao mesmo tempo, nossa alma unida em uma certeza antiga e irrevogável. Era mais do que palavras, era um grito da essência que compartilhávamos. Sem hesitação e em uníssono, e o reconhecimento queimando em nossas vozes.
— Companheira.
POV DARIUS.— Não acredito… temos uma companheira de segunda chance. — A voz de Baltazar ressoou em minha mente, cheia de um misto de admiração e empolgação.Eu não conseguia desviar o olhar. Ali estava ela, minha companheira, movendo-se com uma graça que prendia minha atenção em cada pequeno gesto, cada sorriso. Quando Alice me deu bom dia, com aquele brilho no olhar e um sorriso despreocupado, senti uma onda de felicidade que há muito não sentia. Era uma sensação estranha, mas agora eu entendia. Aquele turbilhão de emoções confusas que vinha me atormentando ultimamente… tudo fazia sentido. Minha alma reconhecia Alice como minha.— Acha que ela sente algo? — perguntei a Baltazar, não em dúvida, mas buscando entender o que ele via.— É claro que sim, — respondeu Baltazar, com uma certeza fria e orgulhosa, quase arrogante. — Ela pertence a nós. Mesmo sem saber, o corpo dela responderá… ao nosso toque, ao nosso olhar. — Disse.Alice se aproximou e seus dedos delicados começaram a desliz
POV DARIUS.Alice ainda estava deitada no chão, respirando fundo para se recuperar da queda. Seu rosto mostrava sinais de cansaço, mas os olhos mantinham um brilho determinado e um leve sorriso, como se quisesse esconder qualquer fraqueza. Eu permanecia ao seu lado, atento a cada movimento dela, e mesmo em um momento de vulnerabilidade, Alice parecia determinada a se mostrar forte.No entanto, nossa aproximação foi bruscamente interrompida pela chegada de sua mãe, escandalosa e de olhos arregalados de pavor. Ao me ver ao lado da filha, o pânico dela se transformou em uma fúria descontrolada. A voz, embargada pelo desespero, pegou um pedaço de madeira, que estava encostado na parede, empunhando-o como uma arma e me ameaçando sem hesitar. Senti um rosnado profundo formar-se em meu peito; uma resposta automática à ameaça que ela representava. Baltazar revoltou-se imediatamente.— O que ela pensa que vai fazer com aquele pedacinho de madeira? Essa humana ousa nos desafiar! Precisa aprende
POV ALICE.Minha mãe se aproximou e me ajudou a levantar. Seu olhar permanecia determinado. Senti o lobo encostar em mim. Acariciei seu pelo, ele estava ao meu lado. Eu sentia a tensão em cada fibra de meu corpo. Eu sabia que sua presença aqui incomodava minha mãe, mas eu não queria que ele fosse embora.— Mãe, por favor, me escute — falei, minha voz carregada de urgência. — Ele ainda não está totalmente curado. Se o mandarmos embora agora, ele não sobreviverá lá fora. Está machucado demais para se defender de qualquer perigo. — Falei exagerando, eu sabia que ele estava bem, mas não o queria longe de mim.Minha mãe cruzou seus braços, o rosto inexpressivo, embora eu pudesse ver a preocupação escondida em seus olhos. Ela suspirou, impaciente, e olhou para o lobo com uma expressão de desconfiança.— Alice, você não entende. Esse é um lobo, um animal selvagem. Não é como os outros bichos que resgatou e depois acolheu. Ele já está aqui há tempo demais, e quanto mais tempo ele fica, mais e
PRÓLOGO.Nasci amaldiçoado, condenado a carregar uma punição que não era minha. O primeiro rei supremo dos lobisomens, Julian, teve seu coração corrompido e exterminou alcateias indefesas. Foi punido por suas ações cruéis com uma maldição: transformar-se em uma besta infernal que destrói tudo ao seu redor. Desesperado, rogou à deusa Lua por misericórdia, mas tudo que conseguiu foi transferir a maldição para seus descendentes.A intenção era dar-lhe tempo para encontrar uma solução, mas Julian não se importava com quem sofreria, contanto que não fosse ele. Sua companheira, no entanto, não suportava a ideia de seus filhos herdarem esse fardo. Recorreu à feitiçaria para poupá-los, condenando, assim, seus netos. Sou esse neto. Meu pai foi poupado, mas herdei o castigo imposto a Julian, meu avô. Quando me transformo em besta infernal, perco todo controle; o único desejo que sinto é o de sangue e destruição.A deusa profetizou em sonho a um dos antigos anciões da nossa alcateia que a maldiç
POV DARIUS.— O que tinha no chá, sua maldita? — perguntei com raiva.— Não se preocupe, querido, agora você é meu. — Disse Agnes, sorrindo vitoriosa.Senti uma leve tontura e percebi o cheiro de lobos se aproximando. Rosnei de raiva e Agnes se assustou. Levantei-me, pronto para matar a todos. Agnes me olhou, com os seus olhos arregalados, e saiu correndo pela porta da cabana. Eu me levantei, ainda um pouco tonto, e saí da cabana logo atrás da bruxa, pronto para acabar com sua vida. Mas, quando cheguei na porta, só pude ver ela desaparecendo em meio à fumaça roxa e densa. Com dificuldade, fui me transformando em um lobo negro de olhos azuis, mas era tarde demais. Minha visão estava turva, e meus reflexos, lentos.Havia algo naquele chá que me impedia de lutar com toda a minha força. Maldita hora em que confiei naquela bruxa e suas promessas. Pensei, enquanto minhas mandíbulas se fechavam em torno do pescoço de um lobo marrom, quebrando-o com um estalo surdo. O gosto metálico do sangue
POV ALICE.Meu primeiro instinto foi correr. O lobo era gigantesco, mais do que eu já tinha visto em qualquer documentário ou livro. Nunca havia ouvido falar de lobos nesta região, e sabia serem perigosos. Mas… algo em mim não permitiu que eu fugisse. Talvez fosse a minha paixão por animais. Ser veterinária sempre foi o meu sonho, e ali estava, diante de mim, uma oportunidade de ajudar. Mesmo que fosse imprudente.Aproximei-me devagar. Peguei um galho ao meu lado, hesitante, e cutuquei o corpo inerte. Nenhuma reação. Ele não se mexeu. Meu coração acelerou, mas a tensão que sentia diminuiu um pouco. Me ajoelhei perto dele, sentindo o cheiro de terra e pinho preenchendo o ar ao meu redor.— Você é enorme… — murmurei, enquanto minha mão tremia ao tocar de leve seu pelo. O calor de seu corpo me chocou. Ele estava vivo, mas tão machucado que eu mal conseguia entender como ainda respirava. Uma onda de pânico me percorreu.— Você está vivo… — sussurrei, me afastando rapidamente, o coração di
POV ALICE.Toquei seu focinho frio e observei atentamente. Seus olhos continuavam fechados, sem qualquer sinal de movimento. A respiração, antes pesada, agora era quase imperceptível. Entrei em pânico.— Não, não, por favor, aguente firme! — implorei em voz baixa, tentando manter a calma. Mas o medo crescia dentro de mim. Então, percebi.— Droga, acho que ele entrou em coma… — minha voz falhou, uma mistura de desespero e impotência tomou conta de mim.Olhei para o lobo, sentindo meu coração apertar. O que eu faria agora? Ele estava à beira da morte, e eu não tinha tempo a perder. Precisava agir, mas não sabia se conseguiria salvá-lo. Apenas uma coisa era certa: eu não poderia desistir dele agora.O lobo continuava imóvel, seu peito mal se movendo. Eu podia sentir o peso da urgência esmagando meu peito. Precisava fazer algo. Mas o quê? Sou apenas uma ajudante de veterinário.Olhei em volta, tentando pensar em uma solução.O único som era minha própria respiração acelerada. Peguei o est
POV ALICE.Eu e mamãe corremos desesperadas em direção à porta do celeiro. Saímos às pressas, ofegantes e tomadas pelo pavor do rosnado que ouvimos.— Eu te disse que esse lobo ia acordar e nos atacar! O que faremos agora com um lobo selvagem dentro do nosso celeiro? — disparou minha mãe, nervosa, a voz trêmula de medo.— Calma, mamãe, eu vou resolver — falei, tentando manter a compostura, enquanto espiava pela fresta de madeira. O celeiro estava quieto, silencioso. Lá dentro, o lobo permanecia deitado, imóvel, no mesmo lugar. Senti um alívio imediato.— Ele continua parado. Acho que rosnou enquanto dormia. Vou entrar para verificar — falei, tentando soar confiante. Minha mãe agarrou meu braço, a preocupação nítida em seus olhos.— Você está louca? E se ele estiver acordado e te atacar? — murmurou, a voz baixa, temendo até mesmo o som de suas palavras.— Vou ter cuidado, prometo — comentei, acariciando a mão dela antes de entrar no celeiro. Aproximando-me do lobo, peguei um pedaço de