POV ALICE.
O primeiro raio de sol invadiu meu quarto através das cortinas entreabertas, aquecendo levemente meu rosto. Abri os olhos devagar, sentindo o conforto da minha cama macia. Meu quarto, embora simples, tinha tudo o que eu precisava. As paredes eram de um tom creme suave, decoradas com fotos antigas da família e quadros pintados à mão. A mobília era antiga, mas muito bem conservada, cheia de memórias. Havia uma prateleira de madeira no canto, abarrotada de livros de veterinária e algumas plantas que minha mãe insistia em cuidar para mim.
Me sentei na cama e olhei em volta. Aquele lugar era mais do que um simples cômodo; era um refúgio de tranquilidade. Meu quarto refletia a simplicidade da nossa casa: aconchegante, cheio de amor, um lugar onde o tempo parecia passar mais devagar. Estiquei os braços, sentindo a leve dor nos músculos de tantas noites mal dormidas. Eu precisava descansar mais, mas não podia deixar aquele lobo sozinho.
Com um suspiro, levantei e me arrumei rapidamente. A luz da manhã iluminava os móveis de madeira envelhecida na casa, enquanto eu me dirigia para a cozinha. Assim que entrei, o cheiro familiar de café fresco encheu o ar.
— Já está de pé, Alice? — A voz de minha mãe ecoou antes mesmo que eu pudesse lhe dar bom dia.
Lá estava ela, como sempre, de pé diante do fogão, com um avental florido. Minha mãe, aos setenta e seis anos, ainda era uma força da natureza. Seus cabelos grisalhos estavam presos em um coque prático, e suas mãos ágeis mexiam a panela como se o tempo nunca tivesse tocado sua energia. Ela odiava ficar parada, era uma pessoa muito ativa. E nem aparentava ter setenta e seis anos.
— Bom dia, mamãe, sua benção — falei com um sorriso, enquanto me aproximava dela e lhe abraçava por trás e beijava sua bochecha.
— Bom dia e Deus te abençoe — ela falou e bufou, virando-se para me olhar. — O que tem de bom em você ficar se esgotando desse jeito? Anda dormindo mal, levanta cedo para cuidar daquele lobo no celeiro, e ainda tem o trabalho na clínica. — Sua expressão era de preocupação, mas também de irritação. — Alice, você não é mais uma menina. Precisa descansar! — Disse mamãe. Enquanto eu andava até a mesa. Eu suspirei, sabendo que não conseguiria fugir da bronca matinal.
— Mãe, ele precisa de mim. Se eu não cuidar dele, quem vai? Ele está se recuperando rápido, mas ainda não consegue se mover direito e está fraco. Não posso deixá-lo abandonado lá. — Falei e sentei-me à mesa, pegando uma xícara de café que minha mãe havia colocado para mim. Mamãe parou por um momento, apoiando as mãos na cintura, e me olhou, com os olhos semicerrados.
— Você pode muito bem encontrar alguém para te ajudar, Alice. Ficar enfiada naquele celeiro, de manhã e de tarde, e ainda trabalhar na clínica, acabará com você! — Ela colocou a frigideira sobre o fogão e virou-se para mim, cruzando seus braços. — Não tem ninguém que possa cuidar desse bicho enquanto você descansa? Por que não entrega para o pessoal do parque estadual? Você está se matando lentamente, e eu não quero perder minha filha por um lobo!
— Mãe, por favor… — suspirei. — Não é só um lobo. Ele é diferente, especial. Sei que parece loucura, mas sinto que tenho que ajudá-lo. — Comentei.
— Loucura é o que é — disse minha mãe, sacudindo a cabeça. — Você mal tem tempo para você mesma. Quando não está trabalhando, está no celeiro. Mal cuida de si. Não quero que acabe doente! — Falou minha mãe. Eu sabia que ela estava certa, mas algo me puxava de volta para aquele celeiro todos os dias. Algo naquele lobo me fazia sentir que não podia abandoná-lo.
— Vou ficar bem, mãe. Só preciso terminar o que comecei. Ele está melhorando, e logo não precisarei mais passar tanto tempo com ele e poderá voltar para a natureza. — Falei. Mamãe bufou, pegando a frigideira e despejando os ovos mexidos no prato à minha frente.
— Espero que saiba o que está fazendo, Alice. Porque você está se desgastando demais — mamãe murmurou, mas deixou o assunto morrer ali. Sentamos juntas para o café da manhã, e eu me deixei envolver pela sensação de normalidade, mesmo com o cansaço pesando nos meus ombros.
Quando terminei, me despedi com um beijo no rosto dela e caminhei em direção ao celeiro, a leve brisa da manhã refrescando meu rosto cansado. Talvez mamãe tenha razão. Eu precisava descansar mais, mas hoje não.
Assim que cheguei ao celeiro, o som dos meus passos ecoou pelo chão de madeira. Abri a porta e, para minha surpresa, encontrei o lobo acordado e sentado na cama de feno, os olhos fixos em mim, como se estivesse esperando.
— Bom dia, lobinho — eu disse, tentando soar animada, mas sentindo o peso do cansaço em cada palavra. Ele me observava atentamente, seu olhar intenso, mas agora menos ameaçador. Eu não tinha mais tanto medo dele, mas nunca abaixava completamente a guarda. Não podia esquecer que ele era um animal selvagem.
Caminhei até ele e comecei a examinar seus ferimentos. As feridas haviam cicatrizado, deixando apenas marcas leves na sua pele, agora coberta por pelos mais grossos. Murmurei algo para mim mesma: — Ah, quem diria… um lobinho tão imponente, mas com um olhar tão… suave. Enquanto eu o observava, percebi algo estranho: o lobo começou a abanar o rabo e lamber o focinho de maneira quase… brincalhona?
— Ora, o que foi isso? Está tentando me impressionar agora? — Eu brinquei, rindo suavemente. Ele continuou com o comportamento estranho, e isso me fez sorrir. Talvez estivesse se sentindo melhor.
Eu me abaixei para pegar o estetoscópio que caiu da minha mão, mas quando me levantei, uma tontura repentina me atingiu. O mundo girou e, antes que eu percebesse, perdi o equilíbrio. Meu corpo tombou para o lado e caí, sentindo o chão duro contra mim.
POV DARIUS.A voz de Baltazar era uma brisa de alívio. Meu lobo estava de volta, e o vazio que ele deixou, parecia, finalmente, preenchido. Mas algo havia mudado profundamente dentro de mim. Uma angústia diferente me apertava o peito, uma mistura de medo e alívio. Como seria agora, depois de tudo?— Baltazar… você finalmente voltou — falei, tentando controlar a felicidade que me transbordava. Eu, sem meu lobo, sou apenas uma casca, um humano inútil, perdido e incompleto. Senti uma onda de gratidão me percorrer, e parecia que Baltazar sentia o mesmo.— Parece que você sentiu minha falta — ele respondeu com sua risada familiar, vibrando dentro da minha mente como uma melodia que eu jamais queria esquecer.— Você não faz ideia do inferno que tenho passado sem você. Viver como humano é uma merda — contei, deixando minha voz trêmula revelar o que realmente sentia.— Sei o que você passou, Darius. Nós não podíamos nos comunicar, e você não podia me sentir, mas vi, ouvi e senti tudo o que vo
POV DARIUS.— Não acredito… temos uma companheira de segunda chance. — A voz de Baltazar ressoou em minha mente, cheia de um misto de admiração e empolgação.Eu não conseguia desviar o olhar. Ali estava ela, minha companheira, movendo-se com uma graça que prendia minha atenção em cada pequeno gesto, cada sorriso. Quando Alice me deu bom dia, com aquele brilho no olhar e um sorriso despreocupado, senti uma onda de felicidade que há muito não sentia. Era uma sensação estranha, mas agora eu entendia. Aquele turbilhão de emoções confusas que vinha me atormentando ultimamente… tudo fazia sentido. Minha alma reconhecia Alice como minha.— Acha que ela sente algo? — perguntei a Baltazar, não em dúvida, mas buscando entender o que ele via.— É claro que sim, — respondeu Baltazar, com uma certeza fria e orgulhosa, quase arrogante. — Ela pertence a nós. Mesmo sem saber, o corpo dela responderá… ao nosso toque, ao nosso olhar. — Disse.Alice se aproximou e seus dedos delicados começaram a desliz
POV DARIUS.Alice ainda estava deitada no chão, respirando fundo para se recuperar da queda. Seu rosto mostrava sinais de cansaço, mas os olhos mantinham um brilho determinado e um leve sorriso, como se quisesse esconder qualquer fraqueza. Eu permanecia ao seu lado, atento a cada movimento dela, e mesmo em um momento de vulnerabilidade, Alice parecia determinada a se mostrar forte.No entanto, nossa aproximação foi bruscamente interrompida pela chegada de sua mãe, escandalosa e de olhos arregalados de pavor. Ao me ver ao lado da filha, o pânico dela se transformou em uma fúria descontrolada. A voz, embargada pelo desespero, pegou um pedaço de madeira, que estava encostado na parede, empunhando-o como uma arma e me ameaçando sem hesitar. Senti um rosnado profundo formar-se em meu peito; uma resposta automática à ameaça que ela representava. Baltazar revoltou-se imediatamente.— O que ela pensa que vai fazer com aquele pedacinho de madeira? Essa humana ousa nos desafiar! Precisa aprende
POV ALICE.Minha mãe se aproximou e me ajudou a levantar. Seu olhar permanecia determinado. Senti o lobo encostar em mim. Acariciei seu pelo, ele estava ao meu lado. Eu sentia a tensão em cada fibra de meu corpo. Eu sabia que sua presença aqui incomodava minha mãe, mas eu não queria que ele fosse embora.— Mãe, por favor, me escute — falei, minha voz carregada de urgência. — Ele ainda não está totalmente curado. Se o mandarmos embora agora, ele não sobreviverá lá fora. Está machucado demais para se defender de qualquer perigo. — Falei exagerando, eu sabia que ele estava bem, mas não o queria longe de mim.Minha mãe cruzou seus braços, o rosto inexpressivo, embora eu pudesse ver a preocupação escondida em seus olhos. Ela suspirou, impaciente, e olhou para o lobo com uma expressão de desconfiança.— Alice, você não entende. Esse é um lobo, um animal selvagem. Não é como os outros bichos que resgatou e depois acolheu. Ele já está aqui há tempo demais, e quanto mais tempo ele fica, mais e
PRÓLOGO.Nasci amaldiçoado, condenado a carregar uma punição que não era minha. O primeiro rei supremo dos lobisomens, Julian, teve seu coração corrompido e exterminou alcateias indefesas. Foi punido por suas ações cruéis com uma maldição: transformar-se em uma besta infernal que destrói tudo ao seu redor. Desesperado, rogou à deusa Lua por misericórdia, mas tudo que conseguiu foi transferir a maldição para seus descendentes.A intenção era dar-lhe tempo para encontrar uma solução, mas Julian não se importava com quem sofreria, contanto que não fosse ele. Sua companheira, no entanto, não suportava a ideia de seus filhos herdarem esse fardo. Recorreu à feitiçaria para poupá-los, condenando, assim, seus netos. Sou esse neto. Meu pai foi poupado, mas herdei o castigo imposto a Julian, meu avô. Quando me transformo em besta infernal, perco todo controle; o único desejo que sinto é o de sangue e destruição.A deusa profetizou em sonho a um dos antigos anciões da nossa alcateia que a maldiç
POV DARIUS.— O que tinha no chá, sua maldita? — perguntei com raiva.— Não se preocupe, querido, agora você é meu. — Disse Agnes, sorrindo vitoriosa.Senti uma leve tontura e percebi o cheiro de lobos se aproximando. Rosnei de raiva e Agnes se assustou. Levantei-me, pronto para matar a todos. Agnes me olhou, com os seus olhos arregalados, e saiu correndo pela porta da cabana. Eu me levantei, ainda um pouco tonto, e saí da cabana logo atrás da bruxa, pronto para acabar com sua vida. Mas, quando cheguei na porta, só pude ver ela desaparecendo em meio à fumaça roxa e densa. Com dificuldade, fui me transformando em um lobo negro de olhos azuis, mas era tarde demais. Minha visão estava turva, e meus reflexos, lentos.Havia algo naquele chá que me impedia de lutar com toda a minha força. Maldita hora em que confiei naquela bruxa e suas promessas. Pensei, enquanto minhas mandíbulas se fechavam em torno do pescoço de um lobo marrom, quebrando-o com um estalo surdo. O gosto metálico do sangue
POV ALICE.Meu primeiro instinto foi correr. O lobo era gigantesco, mais do que eu já tinha visto em qualquer documentário ou livro. Nunca havia ouvido falar de lobos nesta região, e sabia serem perigosos. Mas… algo em mim não permitiu que eu fugisse. Talvez fosse a minha paixão por animais. Ser veterinária sempre foi o meu sonho, e ali estava, diante de mim, uma oportunidade de ajudar. Mesmo que fosse imprudente.Aproximei-me devagar. Peguei um galho ao meu lado, hesitante, e cutuquei o corpo inerte. Nenhuma reação. Ele não se mexeu. Meu coração acelerou, mas a tensão que sentia diminuiu um pouco. Me ajoelhei perto dele, sentindo o cheiro de terra e pinho preenchendo o ar ao meu redor.— Você é enorme… — murmurei, enquanto minha mão tremia ao tocar de leve seu pelo. O calor de seu corpo me chocou. Ele estava vivo, mas tão machucado que eu mal conseguia entender como ainda respirava. Uma onda de pânico me percorreu.— Você está vivo… — sussurrei, me afastando rapidamente, o coração di
POV ALICE.Toquei seu focinho frio e observei atentamente. Seus olhos continuavam fechados, sem qualquer sinal de movimento. A respiração, antes pesada, agora era quase imperceptível. Entrei em pânico.— Não, não, por favor, aguente firme! — implorei em voz baixa, tentando manter a calma. Mas o medo crescia dentro de mim. Então, percebi.— Droga, acho que ele entrou em coma… — minha voz falhou, uma mistura de desespero e impotência tomou conta de mim.Olhei para o lobo, sentindo meu coração apertar. O que eu faria agora? Ele estava à beira da morte, e eu não tinha tempo a perder. Precisava agir, mas não sabia se conseguiria salvá-lo. Apenas uma coisa era certa: eu não poderia desistir dele agora.O lobo continuava imóvel, seu peito mal se movendo. Eu podia sentir o peso da urgência esmagando meu peito. Precisava fazer algo. Mas o quê? Sou apenas uma ajudante de veterinário.Olhei em volta, tentando pensar em uma solução.O único som era minha própria respiração acelerada. Peguei o est