POV DARIUS.
Alice ainda estava deitada no chão, respirando fundo para se recuperar da queda. Seu rosto mostrava sinais de cansaço, mas os olhos mantinham um brilho determinado e um leve sorriso, como se quisesse esconder qualquer fraqueza. Eu permanecia ao seu lado, atento a cada movimento dela, e mesmo em um momento de vulnerabilidade, Alice parecia determinada a se mostrar forte.
No entanto, nossa aproximação foi bruscamente interrompida pela chegada de sua mãe, escandalosa e de olhos arregalados de pavor. Ao me ver ao lado da filha, o pânico dela se transformou em uma fúria descontrolada. A voz, embargada pelo desespero, pegou um pedaço de madeira, que estava encostado na parede, empunhando-o como uma arma e me ameaçando sem hesitar. Senti um rosnado profundo formar-se em meu peito; uma resposta automática à ameaça que ela representava. Baltazar revoltou-se imediatamente.
— O que ela pensa que vai fazer com aquele pedacinho de madeira? Essa humana ousa nos desafiar! Precisa aprender a respeitar um rei alfa supremo! — A voz de Baltazar era um rosnado em minha mente, sua fúria pulsava, exigindo uma resposta à altura. Eu podia sentir sua vontade de atacar, de mostrar a essa humana quem era a verdadeira ameaça.
— Baltazar, é a mãe de Alice. Precisamos nos controlar, mesmo que seja difícil, — rebati, enquanto cada fibra do meu corpo se mantinha tensa, preparada para o confronto se fosse necessário. Alice era a razão para eu me conter, e enquanto minha mente lutava contra o impulso de avançar, ela levantou a mão, fraca, mas determinada a apaziguar a situação.
— Mãe… calma… ele não fez nada comigo. Só fiquei tonta… e ele estava preocupado e tentando me ajudar, — disse Alice, ofegante, sua mão tremendo levemente enquanto tentava se erguer. Contudo, as palavras de Alice pareciam atravessar sua mãe sem surtir efeito. Ela me olhava como se eu fosse um monstro pronto para atacar. E talvez ela estivesse certa, afinal, eu era perigoso, mortal e uma besta sanguinária.
— Você está machucada e fora de si, Alice! Esse animal é perigoso, e ele vai te matar! — falou ela, avançando um passo com o pedaço de madeira levantado, pronta para me afastar à força. Rosnei, alto e ameaçador. Baltazar também rosnou em minha mente, sua raiva inflamando a minha. Alice esforçou para se levantar, apoiando-se e tentando usar as últimas energias para evitar um desastre. Conseguiu se sentar com dificuldade, os olhos demonstrando um cansaço evidente.
— Por favor, mãe! Escute, ele só queria me ajudar. Eu juro, ele nunca me machucaria! — Alice insistiu, sua voz embargada pelo esforço. Ela olhava para a mãe, tentando convencê-la, mas o rosto da mãe mantinha uma expressão de descrença. Me aproximei mais de Alice, firme, decidido, encarando a mãe dela com um aviso claro: eu não sairia de perto da minha companheira.
— Por que você está defendendo um lobo, Alice? Não percebe o perigo? Preciso te proteger! — disse ela, avançando mais um passo, o pedaço de madeira erguido, e meu corpo respondeu automaticamente, abaixando a cabeça e rosnando raivoso, pronto para agir se ela ousasse atacar. Eu sentia Baltazar avançando, quase tomando o controle.
— Baltazar, contenha-se, — eu disse, tentando acalmá-lo enquanto mantinha o olhar fixo na ameaça diante de nós. — Se atacarmos essa mulher, Alice nunca nos perdoará — comentei, tentando acalmá-lo.
— Mas essa humana tola ousa nos ameaçar, colocando-se entre nós e nossa companheira! Ela merece uma lição! — Baltazar retrucou, a fúria evidente em cada palavra. Alice me olhou aflita.
— Lobinho, por favor, não faça nada… fique calmo… — pediu Alice, a voz suave tentando apaziguar a tensão crescente. Ela voltou-se para a mãe, com uma expressão quase suplicante.
— Mãe, abaixe isso, por favor. Se o atacar, ele vai se defender. Ele não vai me machucar. Só fiquei tonta… ele só queria me proteger… confie em mim, — disse ela, com a voz cheia de súplica.
A mãe hesitou, o olhar oscilando entre mim e Alice, insegura, mas ainda relutante em abaixar a guarda. Finalmente, pareceu notar a aflição no rosto da filha. Após um instante que parecia interminável, suspirou e abaixou o pedaço de madeira, ainda que com relutância. Alice suspirou aliviada.
— Não entendo o que deu em você, Alice… não posso acreditar que está defendendo uma fera como ele. Ele é um lobo, Alice! Nunca será confiável, — murmurou, dando um passo para trás, mas mantendo-se firme, o rosto em desaprovação.
O rosnado em meu peito diminuiu, e Alice me olhou com um sorriso fraco, um pedido silencioso para que eu me contivesse. Ao vê-la assim, minha raiva cedeu um pouco, dando lugar a uma decisão firme: proteger Alice, mesmo que isso significasse enfrentar aqueles que ela amava. Baltazar, embora descontente, recuou, mas eu sabia que sua insatisfação ainda queimava dentro de mim.
— Darius, estou tolerando essa situação por Alice, e apenas por ela. Mas essa mãe intrometida está testando minha paciência, — resmungou ele, irritado.
— Eu sei, Baltazar. Mas Alice… ela confia em nós. E precisamos dela para quebrar essa maldição, — respondi, concentrando-me no rosto agora sereno, de Alice. Ela segurou minha pata com delicadeza, acariciando-a em um agradecimento silencioso. A mãe de Alice permaneceu em silêncio, ainda me observando com desconfiança, respirando fundo enquanto mantinha o pedaço de madeira ao lado, sem abaixar completamente sua guarda.
— Tudo bem, Alice… — murmurou, a voz trêmula e os ombros finalmente relaxando um pouco. — Acredito em você, mas… quero esse animal longe daqui. Ele já está bem o suficiente para voltar para a natureza, e não quero vê-lo próximo a você de novo, entendeu? — disse ela, o olhar fixo em mim, carregado de uma frieza que fez Alice estremecer levemente. Em minha mente, Baltazar rosnou com fúria renovada, sua paciência no fim. O laço de companheirismo nos dominando, a voz dele ecoando com raiva.
— Darius… talvez ainda precisemos ensinar uma lição a essa humana. Ela está tentando nos afastar de nossa companheira, e nada nem ninguém pode nos separar de Alice! — rugiu ele, o rosnado baixo reverberando no celeiro. Alice apertou minha pata levemente, tentando acalmar a tensão, mas o ar se tornava cada vez mais pesado e perigoso.
— Quero essa coisa longe daqui até amanhã, — disse a mãe, em seu tom definitivo.
POV ALICE.Minha mãe se aproximou e me ajudou a levantar. Seu olhar permanecia determinado. Senti o lobo encostar em mim. Acariciei seu pelo, ele estava ao meu lado. Eu sentia a tensão em cada fibra de meu corpo. Eu sabia que sua presença aqui incomodava minha mãe, mas eu não queria que ele fosse embora.— Mãe, por favor, me escute — falei, minha voz carregada de urgência. — Ele ainda não está totalmente curado. Se o mandarmos embora agora, ele não sobreviverá lá fora. Está machucado demais para se defender de qualquer perigo. — Falei exagerando, eu sabia que ele estava bem, mas não o queria longe de mim.Minha mãe cruzou seus braços, o rosto inexpressivo, embora eu pudesse ver a preocupação escondida em seus olhos. Ela suspirou, impaciente, e olhou para o lobo com uma expressão de desconfiança.— Alice, você não entende. Esse é um lobo, um animal selvagem. Não é como os outros bichos que resgatou e depois acolheu. Ele já está aqui há tempo demais, e quanto mais tempo ele fica, mais e
PRÓLOGO.Nasci amaldiçoado, condenado a carregar uma punição que não era minha. O primeiro rei supremo dos lobisomens, Julian, teve seu coração corrompido e exterminou alcateias indefesas. Foi punido por suas ações cruéis com uma maldição: transformar-se em uma besta infernal que destrói tudo ao seu redor. Desesperado, rogou à deusa Lua por misericórdia, mas tudo que conseguiu foi transferir a maldição para seus descendentes.A intenção era dar-lhe tempo para encontrar uma solução, mas Julian não se importava com quem sofreria, contanto que não fosse ele. Sua companheira, no entanto, não suportava a ideia de seus filhos herdarem esse fardo. Recorreu à feitiçaria para poupá-los, condenando, assim, seus netos. Sou esse neto. Meu pai foi poupado, mas herdei o castigo imposto a Julian, meu avô. Quando me transformo em besta infernal, perco todo controle; o único desejo que sinto é o de sangue e destruição.A deusa profetizou em sonho a um dos antigos anciões da nossa alcateia que a maldiç
POV DARIUS.— O que tinha no chá, sua maldita? — perguntei com raiva.— Não se preocupe, querido, agora você é meu. — Disse Agnes, sorrindo vitoriosa.Senti uma leve tontura e percebi o cheiro de lobos se aproximando. Rosnei de raiva e Agnes se assustou. Levantei-me, pronto para matar a todos. Agnes me olhou, com os seus olhos arregalados, e saiu correndo pela porta da cabana. Eu me levantei, ainda um pouco tonto, e saí da cabana logo atrás da bruxa, pronto para acabar com sua vida. Mas, quando cheguei na porta, só pude ver ela desaparecendo em meio à fumaça roxa e densa. Com dificuldade, fui me transformando em um lobo negro de olhos azuis, mas era tarde demais. Minha visão estava turva, e meus reflexos, lentos.Havia algo naquele chá que me impedia de lutar com toda a minha força. Maldita hora em que confiei naquela bruxa e suas promessas. Pensei, enquanto minhas mandíbulas se fechavam em torno do pescoço de um lobo marrom, quebrando-o com um estalo surdo. O gosto metálico do sangue
POV ALICE.Meu primeiro instinto foi correr. O lobo era gigantesco, mais do que eu já tinha visto em qualquer documentário ou livro. Nunca havia ouvido falar de lobos nesta região, e sabia serem perigosos. Mas… algo em mim não permitiu que eu fugisse. Talvez fosse a minha paixão por animais. Ser veterinária sempre foi o meu sonho, e ali estava, diante de mim, uma oportunidade de ajudar. Mesmo que fosse imprudente.Aproximei-me devagar. Peguei um galho ao meu lado, hesitante, e cutuquei o corpo inerte. Nenhuma reação. Ele não se mexeu. Meu coração acelerou, mas a tensão que sentia diminuiu um pouco. Me ajoelhei perto dele, sentindo o cheiro de terra e pinho preenchendo o ar ao meu redor.— Você é enorme… — murmurei, enquanto minha mão tremia ao tocar de leve seu pelo. O calor de seu corpo me chocou. Ele estava vivo, mas tão machucado que eu mal conseguia entender como ainda respirava. Uma onda de pânico me percorreu.— Você está vivo… — sussurrei, me afastando rapidamente, o coração di
POV ALICE.Toquei seu focinho frio e observei atentamente. Seus olhos continuavam fechados, sem qualquer sinal de movimento. A respiração, antes pesada, agora era quase imperceptível. Entrei em pânico.— Não, não, por favor, aguente firme! — implorei em voz baixa, tentando manter a calma. Mas o medo crescia dentro de mim. Então, percebi.— Droga, acho que ele entrou em coma… — minha voz falhou, uma mistura de desespero e impotência tomou conta de mim.Olhei para o lobo, sentindo meu coração apertar. O que eu faria agora? Ele estava à beira da morte, e eu não tinha tempo a perder. Precisava agir, mas não sabia se conseguiria salvá-lo. Apenas uma coisa era certa: eu não poderia desistir dele agora.O lobo continuava imóvel, seu peito mal se movendo. Eu podia sentir o peso da urgência esmagando meu peito. Precisava fazer algo. Mas o quê? Sou apenas uma ajudante de veterinário.Olhei em volta, tentando pensar em uma solução.O único som era minha própria respiração acelerada. Peguei o est
POV ALICE.Eu e mamãe corremos desesperadas em direção à porta do celeiro. Saímos às pressas, ofegantes e tomadas pelo pavor do rosnado que ouvimos.— Eu te disse que esse lobo ia acordar e nos atacar! O que faremos agora com um lobo selvagem dentro do nosso celeiro? — disparou minha mãe, nervosa, a voz trêmula de medo.— Calma, mamãe, eu vou resolver — falei, tentando manter a compostura, enquanto espiava pela fresta de madeira. O celeiro estava quieto, silencioso. Lá dentro, o lobo permanecia deitado, imóvel, no mesmo lugar. Senti um alívio imediato.— Ele continua parado. Acho que rosnou enquanto dormia. Vou entrar para verificar — falei, tentando soar confiante. Minha mãe agarrou meu braço, a preocupação nítida em seus olhos.— Você está louca? E se ele estiver acordado e te atacar? — murmurou, a voz baixa, temendo até mesmo o som de suas palavras.— Vou ter cuidado, prometo — comentei, acariciando a mão dela antes de entrar no celeiro. Aproximando-me do lobo, peguei um pedaço de
POV DARIUS.Eu estava me perdendo, sentindo meu corpo afundar num vazio profundo. Baltazar estava em silêncio, eu estava sozinho, desprotegido. Era como se uma sombra densa me envolvesse, me puxando para o abismo. Minha mente gritava por força, mas meu corpo estava exausto demais para continuar lutando. A dor era sufocante. Eu já havia aceitado o fim, até que… ouvi uma voz.Ela era doce, quase como um sussurro, mas cheia de medo, implorando para que eu não a deixasse. Essa voz… trazia algo mais, uma força que eu já não sabia que possuía. “Lute”, dizia ela, e por mais que parecesse impossível, algo dentro de mim reagiu. Ela me dava ânimo, esperança e, com o pouco que me restava, agarrei-me àquele som angelical e comecei a lutar.Senti, de repente, um toque suave, como o calor de um raio de sol após dias de tempestade. Era acolhedor, reconfortante. Lentamente, algo dentro de mim se reacendia. A dor ainda estava presente, mas agora eu tinha uma centelha de força. Lutei contra o peso nas
POV DARIUS.Olhei na direção da porta e uma senhora de feições gentis me encarava. Seus olhos brilhavam com uma mistura de medo e indignação ao ver essa humana tão próxima de mim, tocando-me como se eu fosse um simples animal inofensivo. Ela tinha um ar de determinação e desagrado que ficou claro. Então essa insolente se chama Alice?A idosa me olhava como se eu fosse uma ameaça iminente, pronta para atacar. Se soubesse quem eu realmente era, teria fugido apavorada. Alice, por outro lado, permaneceu imóvel. Seus olhos voltaram-se para mim antes de responder com tranquilidade:— Mãe, está tudo bem. Ele não vai me machucar — disse Alice, olhando com firmeza para a idosa. Sua voz era suave, mas segura. Então ela é mãe dessa insolente. Observei atentamente, tentando entender de onde vinha essa confiança. Eu poderia dilacerá-la em segundos, mas ela parecia não ter medo.— Não vai te machucar? — A mãe de Alice deu um passo à frente, os olhos cheios de preocupação. — Ele é uma fera selvagem,