POV ALICE.
Minha mãe se aproximou e me ajudou a levantar. Seu olhar permanecia determinado. Senti o lobo encostar em mim. Acariciei seu pelo, ele estava ao meu lado. Eu sentia a tensão em cada fibra de meu corpo. Eu sabia que sua presença aqui incomodava minha mãe, mas eu não queria que ele fosse embora.
— Mãe, por favor, me escute — falei, minha voz carregada de urgência. — Ele ainda não está totalmente curado. Se o mandarmos embora agora, ele não sobreviverá lá fora. Está machucado demais para se defender de qualquer perigo. — Falei exagerando, eu sabia que ele estava bem, mas não o queria longe de mim.
Minha mãe cruzou seus braços, o rosto inexpressivo, embora eu pudesse ver a preocupação escondida em seus olhos. Ela suspirou, impaciente, e olhou para o lobo com uma expressão de desconfiança.
— Alice, você não entende. Esse é um lobo, um animal selvagem. Não é como os outros bichos que resgatou e depois acolheu. Ele já está aqui há tempo demais, e quanto mais tempo ele fica, mais ele se acostuma a essa vida. Não podemos criar um lobo como se fosse um… um cachorrinho de estimação — rebateu ela, o tom firme e decidido.
Senti meu coração apertar ao ouvir suas palavras. Entendia o ponto dela, mas olhar para ele e imaginar sua partida me parecia impossível. O lobo, ainda ao meu lado, inclinou a cabeça e seus olhos brilhavam, atentos a cada palavra. Ele rosnou baixo, como se entendesse a situação e estivesse se defendendo silenciosamente. Minha mãe se afastou temerosa. Acariciei seu pelo, tentando tranquilizá-lo, mas também buscando força para continuar.
— Mãe, eu sei que é arriscado, mas ele é diferente! Não é como os outros animais que tratei. Deixe-o aqui por mais um tempo, até que esteja forte o suficiente, por favor. — Argumentei, a voz falhando levemente. Ela soltou um riso incrédulo e balançou a cabeça.
— Alice, você está se apegando demais. Ele é um predador! E olha só o tamanho dele… como acha que vai controlá-lo? Se ele atacar alguém? E se te atacar? — Perguntou minha mãe.
— Ele nunca me atacaria! — rebati, elevando o tom mais do que pretendia. Os olhos da minha mãe se estreitaram e percebi precisar ser mais cuidadosa com minhas palavras. Respirei fundo, tentando manter a calma. — Ele só está me olhando agora, ele entende que estou tentando ajudá-lo. Não vê? Ele não é só um animal qualquer… — Falei tentando convencê-la. Minha mãe me olhou com uma mistura de frustração e cansaço, mas manteve-se firme.
— É isso que temo, Alice. Não quero que você se iluda achando que esse lobo tem sentimentos humanos, que ele entende as coisas como nós entendemos. Ele está aqui para se curar, mas chegou a hora de deixá-lo partir. Amanhã, ele precisa ir embora. Sinto muito, mas é o que precisa ser feito — disse ela, com um suspiro pesado.
Olhei para o lobo, que agora me encarava com um olhar penetrante, quase compreensivo. Como se soubesse que sua permanência estava sendo decidida naquele momento. Ele não rosnava, nem mostrava os dentes. Apenas me olhava, com uma calma estranha que me fez sentir ainda mais conectada a ele.
— Mãe… — Minha voz era um sussurro suplicante, e eu acariciava atrás da orelha do lobo, tentando transmitir a ele a calma que eu mesma já não sentia. — Me dê só mais alguns dias. Ele não ficará para sempre… só o tempo suficiente para se recuperar por completo. Não posso deixá-lo ir agora, sabendo que ele pode não sobreviver lá fora. Ela me olhou com uma expressão dura, mas havia uma leveza em seu olhar, uma pequena faísca de compreensão. Mesmo assim, ela balançou a cabeça.
— Alice, eu sei que esse lobo já está curado. Eu já vi esse filme antes. Quantos animais já resgatou? E quantos deles você tentou manter? Não é a primeira vez que isso acontece, mas precisamos deixar a natureza seguir seu curso. Esse lobo… ele precisa voltar para a floresta, precisa retomar seu lugar. Aqui não é o lar dele. — Disse mamãe duramente.
— Mas ele também não está pronto para isso! — insisti. — Se ele morrer, mãe… eu nunca vou me perdoar! — Apelei, sendo dramática.
Ela desviou o olhar por um momento, mordendo o lábio, como se aquela imagem fosse difícil para ela também. O lobo permaneceu ao meu lado, quieto, sua respiração compassada e seu olhar fixo em minha mãe, como se esperasse seu veredicto, o resultado da minha súplica.
— Alice, conheço seus truques, esse drama não funciona comigo. Você não entende. — A voz dela estava mais baixa, mais suave. — Sei que é difícil, mas não posso permitir que ele se torne um dependente, alguém que depende da sua proteção para sempre. Você está esquecendo quem ele é. Ele precisa se defender sozinho, precisa viver conforme a natureza dele. — Disse mamãe.
Olhei para o lobo e meu coração doía ao pensar em vê-lo partir. Era como se ele fizesse parte de mim agora, como se estivesse destinado a ficar. Acariciei seu pelo mais uma vez, sentindo a força de sua presença e o calor de sua pele sob a minha mão.
— Mãe, me escuta só mais uma vez. Sei que parece absurdo, mas sinto que o salvei por uma razão, como se… como se ele estivesse destinado a cruzar meu caminho — comentei, tentando fazer minha voz soar firme, mas sabendo que soava desesperada. Ela balançou a cabeça novamente, seus olhos cheios de pena, mas também de uma determinação que eu sabia que seria difícil quebrar.
— Alice… amanhã. Amanhã ele vai embora, e será melhor para todos nós. Já está decidido. É hora dele voltar para onde pertence. — Disse mamãe, dando a conversa como encerrada e saindo do celeiro, me deixando sozinha com o lobo. Olhei para ele e seu olhar se cravou no meu, cheio de um entendimento silencioso e uma tristeza que parecia espelhar a minha.
— Não posso deixá-lo ir, meu lobinho. O que fazemos agora?
PRÓLOGO.Nasci amaldiçoado, condenado a carregar uma punição que não era minha. O primeiro rei supremo dos lobisomens, Julian, teve seu coração corrompido e exterminou alcateias indefesas. Foi punido por suas ações cruéis com uma maldição: transformar-se em uma besta infernal que destrói tudo ao seu redor. Desesperado, rogou à deusa Lua por misericórdia, mas tudo que conseguiu foi transferir a maldição para seus descendentes.A intenção era dar-lhe tempo para encontrar uma solução, mas Julian não se importava com quem sofreria, contanto que não fosse ele. Sua companheira, no entanto, não suportava a ideia de seus filhos herdarem esse fardo. Recorreu à feitiçaria para poupá-los, condenando, assim, seus netos. Sou esse neto. Meu pai foi poupado, mas herdei o castigo imposto a Julian, meu avô. Quando me transformo em besta infernal, perco todo controle; o único desejo que sinto é o de sangue e destruição.A deusa profetizou em sonho a um dos antigos anciões da nossa alcateia que a maldiç
POV DARIUS.— O que tinha no chá, sua maldita? — perguntei com raiva.— Não se preocupe, querido, agora você é meu. — Disse Agnes, sorrindo vitoriosa.Senti uma leve tontura e percebi o cheiro de lobos se aproximando. Rosnei de raiva e Agnes se assustou. Levantei-me, pronto para matar a todos. Agnes me olhou, com os seus olhos arregalados, e saiu correndo pela porta da cabana. Eu me levantei, ainda um pouco tonto, e saí da cabana logo atrás da bruxa, pronto para acabar com sua vida. Mas, quando cheguei na porta, só pude ver ela desaparecendo em meio à fumaça roxa e densa. Com dificuldade, fui me transformando em um lobo negro de olhos azuis, mas era tarde demais. Minha visão estava turva, e meus reflexos, lentos.Havia algo naquele chá que me impedia de lutar com toda a minha força. Maldita hora em que confiei naquela bruxa e suas promessas. Pensei, enquanto minhas mandíbulas se fechavam em torno do pescoço de um lobo marrom, quebrando-o com um estalo surdo. O gosto metálico do sangue
POV ALICE.Meu primeiro instinto foi correr. O lobo era gigantesco, mais do que eu já tinha visto em qualquer documentário ou livro. Nunca havia ouvido falar de lobos nesta região, e sabia serem perigosos. Mas… algo em mim não permitiu que eu fugisse. Talvez fosse a minha paixão por animais. Ser veterinária sempre foi o meu sonho, e ali estava, diante de mim, uma oportunidade de ajudar. Mesmo que fosse imprudente.Aproximei-me devagar. Peguei um galho ao meu lado, hesitante, e cutuquei o corpo inerte. Nenhuma reação. Ele não se mexeu. Meu coração acelerou, mas a tensão que sentia diminuiu um pouco. Me ajoelhei perto dele, sentindo o cheiro de terra e pinho preenchendo o ar ao meu redor.— Você é enorme… — murmurei, enquanto minha mão tremia ao tocar de leve seu pelo. O calor de seu corpo me chocou. Ele estava vivo, mas tão machucado que eu mal conseguia entender como ainda respirava. Uma onda de pânico me percorreu.— Você está vivo… — sussurrei, me afastando rapidamente, o coração di
POV ALICE.Toquei seu focinho frio e observei atentamente. Seus olhos continuavam fechados, sem qualquer sinal de movimento. A respiração, antes pesada, agora era quase imperceptível. Entrei em pânico.— Não, não, por favor, aguente firme! — implorei em voz baixa, tentando manter a calma. Mas o medo crescia dentro de mim. Então, percebi.— Droga, acho que ele entrou em coma… — minha voz falhou, uma mistura de desespero e impotência tomou conta de mim.Olhei para o lobo, sentindo meu coração apertar. O que eu faria agora? Ele estava à beira da morte, e eu não tinha tempo a perder. Precisava agir, mas não sabia se conseguiria salvá-lo. Apenas uma coisa era certa: eu não poderia desistir dele agora.O lobo continuava imóvel, seu peito mal se movendo. Eu podia sentir o peso da urgência esmagando meu peito. Precisava fazer algo. Mas o quê? Sou apenas uma ajudante de veterinário.Olhei em volta, tentando pensar em uma solução.O único som era minha própria respiração acelerada. Peguei o est
POV ALICE.Eu e mamãe corremos desesperadas em direção à porta do celeiro. Saímos às pressas, ofegantes e tomadas pelo pavor do rosnado que ouvimos.— Eu te disse que esse lobo ia acordar e nos atacar! O que faremos agora com um lobo selvagem dentro do nosso celeiro? — disparou minha mãe, nervosa, a voz trêmula de medo.— Calma, mamãe, eu vou resolver — falei, tentando manter a compostura, enquanto espiava pela fresta de madeira. O celeiro estava quieto, silencioso. Lá dentro, o lobo permanecia deitado, imóvel, no mesmo lugar. Senti um alívio imediato.— Ele continua parado. Acho que rosnou enquanto dormia. Vou entrar para verificar — falei, tentando soar confiante. Minha mãe agarrou meu braço, a preocupação nítida em seus olhos.— Você está louca? E se ele estiver acordado e te atacar? — murmurou, a voz baixa, temendo até mesmo o som de suas palavras.— Vou ter cuidado, prometo — comentei, acariciando a mão dela antes de entrar no celeiro. Aproximando-me do lobo, peguei um pedaço de
POV DARIUS.Eu estava me perdendo, sentindo meu corpo afundar num vazio profundo. Baltazar estava em silêncio, eu estava sozinho, desprotegido. Era como se uma sombra densa me envolvesse, me puxando para o abismo. Minha mente gritava por força, mas meu corpo estava exausto demais para continuar lutando. A dor era sufocante. Eu já havia aceitado o fim, até que… ouvi uma voz.Ela era doce, quase como um sussurro, mas cheia de medo, implorando para que eu não a deixasse. Essa voz… trazia algo mais, uma força que eu já não sabia que possuía. “Lute”, dizia ela, e por mais que parecesse impossível, algo dentro de mim reagiu. Ela me dava ânimo, esperança e, com o pouco que me restava, agarrei-me àquele som angelical e comecei a lutar.Senti, de repente, um toque suave, como o calor de um raio de sol após dias de tempestade. Era acolhedor, reconfortante. Lentamente, algo dentro de mim se reacendia. A dor ainda estava presente, mas agora eu tinha uma centelha de força. Lutei contra o peso nas
POV DARIUS.Olhei na direção da porta e uma senhora de feições gentis me encarava. Seus olhos brilhavam com uma mistura de medo e indignação ao ver essa humana tão próxima de mim, tocando-me como se eu fosse um simples animal inofensivo. Ela tinha um ar de determinação e desagrado que ficou claro. Então essa insolente se chama Alice?A idosa me olhava como se eu fosse uma ameaça iminente, pronta para atacar. Se soubesse quem eu realmente era, teria fugido apavorada. Alice, por outro lado, permaneceu imóvel. Seus olhos voltaram-se para mim antes de responder com tranquilidade:— Mãe, está tudo bem. Ele não vai me machucar — disse Alice, olhando com firmeza para a idosa. Sua voz era suave, mas segura. Então ela é mãe dessa insolente. Observei atentamente, tentando entender de onde vinha essa confiança. Eu poderia dilacerá-la em segundos, mas ela parecia não ter medo.— Não vai te machucar? — A mãe de Alice deu um passo à frente, os olhos cheios de preocupação. — Ele é uma fera selvagem,
POV ALICE.O primeiro raio de sol invadiu meu quarto através das cortinas entreabertas, aquecendo levemente meu rosto. Abri os olhos devagar, sentindo o conforto da minha cama macia. Meu quarto, embora simples, tinha tudo o que eu precisava. As paredes eram de um tom creme suave, decoradas com fotos antigas da família e quadros pintados à mão. A mobília era antiga, mas muito bem conservada, cheia de memórias. Havia uma prateleira de madeira no canto, abarrotada de livros de veterinária e algumas plantas que minha mãe insistia em cuidar para mim.Me sentei na cama e olhei em volta. Aquele lugar era mais do que um simples cômodo; era um refúgio de tranquilidade. Meu quarto refletia a simplicidade da nossa casa: aconchegante, cheio de amor, um lugar onde o tempo parecia passar mais devagar. Estiquei os braços, sentindo a leve dor nos músculos de tantas noites mal dormidas. Eu precisava descansar mais, mas não podia deixar aquele lobo sozinho.Com um suspiro, levantei e me arrumei rapidam